Retomar as experiências de democratização para proteger a CF de 88
O momento exige muito debate. Mas um debate que nos leve a práxis necessária que um partido político comoPT deveria ser. Sem saudosismos, o verbo “deveria” empregado é justamente porquê a questão da democraciajamais “deveria” ter se tornado palavra de ordem meramente textual das teses e resoluções do partido.
Analisando as últimas resoluções e programas de governo não foi apenas a palavra socialismo que reduziu substancialmente, mas as questões ligadas a democracia participativa também, e no auge do lulismo uma praga do accontability tomou conta, como se transparência e consulta pública resolvesse o problema da participaçãopolítica. Participação que não foi encarada com o devido zelo e quando nos cercou em junho de 2013, a emenda saiu pior que o soneto via decreto que tratou da participação social nas instâncias do Estado.
Não é preciso florear o que está dado na história, nem cabe fazer juízos de valores sobre quem estava certo ou errado, essa lógica deve parar no petismo com o risco de errarmos na análise.
Mas é fundamental refletir sobre os fatos:
1) o grau de insatisfação popular, em especial de uma geração, foi alimentada pela lista de oportunidades e políticas públicas criadas pelo Estado Social fraco do lulismo (Singer, 2012), a certeza de que havia uma coesão de uma parte do eleitorado e bastava as instituições da República foram apostas grandes em demasia, e logo após os fatos de junho de 2013 venho a mobilização e o resultado do Plebiscito popular por uma Reforma Políticaque de novo dava sinais de fervura na ebulição de massa que vinha a seguir;
2) A resposta via PNPS apenas tirou a máscara da representação político-institucional da burguesia brasileira, ao rever as atas dos debates é evidente que a democracia do pacto de 1988 mais conciliou forças políticas dominantes, e não evoluiu para uma democracia liberal madura, basta lembrar que Caiado (DEM) um ruralista chamar de “ditadura” um decreto que tratava de “sensibilizar” o Estado para instrumentos de participação direta já previstos na Carta de 1988 é o mais puro escracho contra a pior das Repúblicas liberais vigentes.
Faltou ousadia em promover nosso laissez-faire em termos de política institucional e ter abertamente estimulado um grande processo de segunda fase da democratização.
Faltou ousadia em promover nosso laissez-faire em termos de política institucional e ter abertamente estimulado um grande processo de segunda fase da democratização.
Explico, no caso o PT havia ganhado a identidade de um dos instrumentos de democracia participativa, digo “ganhado” porquê não é exclusivo da experiência do PT, como partido, em desenvolver essa “tecnologia participativa” (Avritzer, 2009) outros partidos, por meio de suas figuras públicas e em governos já tinham aplicada experiências similares ou igual. Mas toda boa ideia valorizada e elevada a condição de referência liga criador e criatura, nesse caso, uma cidade grande como Porto Alegre (RS) governada por sindicalistas históricos, transformou a experiência em estratégia de governo, promovendo inclusive intencionalmente o OrçamentoParticipativo.
Da década de 1990 até a metade de 2000, o que foi visto foi uma ampla difusão e adesão de governos e governantes buscando deixar sua marca local e geral via OP. Pesquisas de Wampler (2003; 2008); Avritzer (2000; 2007; 2009), Oliveira (2013), entre outros atestam que o OP era implantado por governos de esquerda e em dado momento a ideia de governança participativa atraíram governantes ligados a partidos de centro e de direita, ou seja, ideologicamente a disputa era sobre modelo de governança, ampliando no plano dos partidos o seu leque de adesistas (da esquerda à direita), tornando a experiência suprapartidária, mas situando um modelo de governar o Estado.
Nesse ponto, é fundamental citar da contribuição político institucional do PT para um tipo de Estado democrático e não autoritário ou limitado, estava em disputa ampliar o campo das decisões políticas, sem deslegitimar as suas instituições tradicionais.
Ou seja, esse plano no projeto de disputa política já estava consolidado pelo pensamento majoritário do partido, cada vez mais o jogo institucional pesava sobre as deliberações partidárias. Entre divergências e convergências, conciliavam-se táticas e não estratégias.
Talvez esse foi o lugar que a direção jogou suas fichas, fez guerras contra quem divergia e impôs, muitas das vezes, uma posição política institucional adaptada a ordem. Vejamos as chamadas de 1998 a 2002: “PT, partido sem corrupção” apelando para uma visão ética liberal, e que se reverteu contra o próprio partido em 2016: “corruPTos”. Eis o risco de reivindicar para si valores que não podem ser exigidos de nenhuma pessoa ou organização, a não ser que essa organização tenha uma direção forte e de critérios desde a forma de arregimentar filiados, o que a rigor, o PT não era a tempos. Flexibilizou, afrouxou e liberou táticas suicidas em nome do poder estatal central.
Voltemos a questão da disputa do modelo de governança, que a rigor era e é a marca político institucional do partido. E que deveria ter se dedicado mais. O OP, do qual voltarei mais tarde, não foi a única experiência exitosa e em termos de Estado, reforma de Estado, a experiência do governo Luiza Erundina ainda é uma marca.
O governo Erundina foi a primeira prefeitura do porte de metrópole de grande influência político institucional do país, governando a capital paulista, São Paulo, isso trazia grandes desafios. Sem me ater a saudosismos, dos elementos ainda presentes termos o plano de carreira dos funcionários públicos municipais, que incorpora a ideia de valorização e a lógica de compromisso desse servidor, basta ver como é cobiçada o concurso para professores da rede municipal. Este plano de carreira tem sido o calcanhar de todos os governos que sucederam Erundina, o que tem havido são desmontes, mas não sua completa destruição como ocorreu via Reforma do Estado neoliberal de 1998 promovida por Bresser-Pereira durante o governo FHC.
Há outros aspectos relevantes e ainda pesquisados do período do governo democrático-popular da gestão Erundina, e este é um ponto do qual necessitamos colocar o dedo na ferida: “qual projeto de reforma de Estado que o PT defende?”
Entendendo que a pergunta não é simples, temos que observar que o período mais sério de ajustes neoliberais sobre o Estado brasileiro ainda é durante o governo FHC (1994-2002) em termos de reformas: da previdência e trabalhista, privatizações, Reforma do estado (já citada) e a LRF, todas serviram para corroer o pacto de 1988 e adequar o Estado aos interesses da nova (velha) elite econômico-financeira do país.
Entendendo que a pergunta não é simples, temos que observar que o período mais sério de ajustes neoliberais sobre o Estado brasileiro ainda é durante o governo FHC (1994-2002) em termos de reformas: da previdência e trabalhista, privatizações, Reforma do estado (já citada) e a LRF, todas serviram para corroer o pacto de 1988 e adequar o Estado aos interesses da nova (velha) elite econômico-financeira do país.
No contraponto, nós guerreamos no parlamento e afrouxamos no governo.
Sem apontar mudanças e reformas necessárias para reverter e converter parte da classe trabalhadora para uma identidade de party labour dos trópicos, escolhemos as doses homeopáticas da relação com o Estado e deste junto a sociedade. Não nos diferenciamos, nos adaptamos.
E mesmo que a estratégia fosse essa, “ser o partido trabalhista dos trópicos” nem isso buscamos na coesão social via políticas públicas que implantamos ou potencializamos.
Defender e realizar são verbos antagônicos, mas em termos de política deveriam ser junções. E digo isso numa realidade voltada para uma esquerda liberal, com programa mínimo, social-democrata se quiserem chamar assim.
Quando pergunto “qual é o nosso projeto de reforma do Estado?” parte do que defendo é coesão de uma parte da classe.
Quando afirmo que o OP deveria voltar ao programa político do partido com ênfase estratégica, e não duas linhas como nos últimos planos de governo, insisto na coesão social para o partido e para uma sociedade civil popular, dispersa e indiferente.
Apresento tais reflexões com profunda contradição da minha história de militância e que defende um PT radical, revolucionário e vermelho.
Porém, quem tinha o dever de propor algo parecido com isso nem sequer tem feito um balanço político real sobre onde estamos? em termos institucionais, e como coesionar esse campo para disputar um modelo de governabilidade que diga onde eles estão e onde estamos nós?
Por isso, apresento para os debates do partido estas tarefas que considero centrais para estratégia política institucional do partido, sendo:
1) Restabelecer e reposicionar a democracia participativa nos programas de governo. Adotar a visão estratégica nos governos com incorporação em várias frentes, valorização e investimento nos espaços participativos tradicionais, fazer um forte processo de formação político institucional com vistas a qualificar o debate no orçamento (OP), e também nos territórios. Esses espaços já existem através dos conselhos e conferências, o desprendimento do governo em não controlar, não retira a necessidade de articular relações, ampliar participação e efetivar uma nova práxis.
2) Construir uma proposta de Reforma do Estado que coesione parte da classe trabalhadora, sendo os funcionários públicos (verdadeiros executores do pacto de 1988) e parte da classe dependente dos direitos sociais ainda vigentes e vitimada pelas reformas neoliberais, passando por recompor uma nova categoria salarial aliada a primeira proposta (democracia participativa), é dever inserir compromissos assumidos com a continuidade e com uma nova cultura política que combata e “demonização” das políticas sociais e públicas, aliada a reforma no campo da política educacional somada a ciência num desenvolvimento criativo-popular, ou seja, desafiar a juventude e adultos interessados em pensar, pela ciência e com apoio político institucional, a resolver problemas do cotidiano da classe.
Apresento essa contribuição ao partido pensando que o momento exige não esquecer das responsabilidades que temos: governamos quatro estados e 256 prefeituras, e agora com um governo ultraliberal e o pacto das elites de 2016, buscar contrapor projetos e modelos não pode ser algo individual, do governante, mas retomar a identidade coletiva e comum do que era apelidado de “ modo petista de governar” precisa ser reatualizado, com suas críticas e novos valores tático e estratégico.
Wagner Hosokawa, militante e filiado ao PT de Guarulhos (SP). Assistente Social da Prefeitura de Guarulhos (SP) e docente do Curso de Serviço Social na UNG, Mestre em Serviço Social (PUC/SP) e Doutor em Ciências Humanas e Sociais (UFABC/SP)