quinta-feira, 21 de julho de 2022

Nossas crianças serão alfabetizadas e olharão para o futuro com dignidade? | Carta semanal 28 (2022) - do Instituto Tricontinental

 

Nossas crianças serão alfabetizadas e olharão para o futuro com dignidade? | Carta semanal 28 (2022)

Nú Barreto (Guiné-Bissau), A Esperar, 2019.

Queridos amigos e amigas,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

O mundo está à deriva nas marés da fome e da desolação. É difícil pensar em educação, ou qualquer outra coisa, quando seus filhos não podem comer. E, no entanto, o forte ataque à educação durante a última década nos obriga a considerar o tipo de futuro que os jovens herdarão. Em 2018, antes da pandemia, as Nações Unidas calculou que 258 milhões de crianças, ou seja, uma em cada seis crianças em idade escolar, estava fora da escola. Em março de 2020, início da pandemia, a Unesco estimou que 1,5 bilhão de crianças e jovens foram afetados pelo fechamento de escolas; impressionantes 91% dos estudantes em todo o mundo tiveram sua educação interrompida pelos isolamentos e lockdowns.

Um novo estudo da ONU divulgado em junho de 2022 descobriu que o número de crianças passando por dificuldades em sua educação quase triplicou desde 2016, passando de 75 milhões para 222 milhões hoje. “Essas 222 milhões de crianças”, observa o programa Educação Não Pode Esperar, da ONU, “estão em um espectro de necessidades educacionais: cerca de 78,2 milhões (54% meninas, 17% crianças com dificuldades funcionais, 16% deslocadas à força) estão fora da escola, enquanto 119,6 milhões não atingem a proficiência mínima em leitura ou matemática nas séries iniciais, apesar de frequentarem a escola”. Muito pouca atenção está sendo dada à calamidade que isso imporá às gerações vindouras.

O Banco Mundial, em colaboração com a Unesco, apontou que o financiamento para a educação caiu em países de baixa e média renda, 41% dos quais “reduziram seus gastos com educação com o início da pandemia em 2020, com um declínio médio nos gastos de 13,5%”. Enquanto os países mais ricos retornaram aos níveis de financiamento pré-pandemia, nos países mais pobres o financiamento passou a ser abaixo da média pré-pandemia. O declínio no financiamento para a educação produzirá uma perda de quase 21 trilhões de dólares em ganhos ao longo da vida, muito superior aos 17 trilhões de dólares estimados em 2021. À medida que a economia vacila e os donos do capital aceitam o fato de que simplesmente não vão contratar bilhões de pessoas que se tornam – para elas – “população excedente”, não é à toa que o foco na educação seja tão marginal.

 

 

Professora escreve em lousa em uma escola do PAIGC em uma área liberada nas florestas da Guiné, 1974. Fonte: Roel Coutinho, Guiné-Bissau e Senegal Photographs (1973–1974).

 

Olhar para os experimentos de libertação nacional de uma época anterior revela um conjunto de valores totalmente diferente, que priorizava acabar com a fome, aumentar a alfabetização e garantir outros avanços sociais que aumentassem a dignidade humana. Do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social vem uma nova série chamada Estudos sobre Libertação Nacional. O primeiro estudo desta série, A Educação Política para a Libertação da Guiné-Bissau (1963–1974), é um texto fabuloso baseado na pesquisa de arquivo de Sónia Vaz-Borges, historiadora e autora de Educação militante, luta de libertação e consciência: a educação do PAIGC na Guiné-Bissau, 1963-1978 (Peter Lang, 2019).

O PAIGC, abreviação de Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, foi fundado em 1956. Como muitos projetos de libertação nacional, o PAIGC começou dentro do quadro político estabelecido pelo Estado colonial português. Em 1959, os estivadores do cais de Pidjiguiti entraram em greve por melhores salários e melhores condições de trabalho, mas descobriram que os portugueses “negociavam” com armas quando mataram cerca de 50 trabalhadores, deixando outros feridos. Esse massacre convenceu o PAIGC a prosseguir uma luta armada, estabelecendo zonas libertadas do domínio colonial na então Guiné (hoje Guiné-Bissau).

Nessas zonas libertadas, o PAIGC implantou um projeto socialista, que incluía um sistema educacional que buscava abolir o analfabetismo e criar uma vida cultural digna para a população. É essa busca de um projeto educacional igualitário que nos chamou a atenção, pois mesmo em um país pobre e enfrentando a repressão armada do Estado colonial, o PAIGC ainda desviou preciosos recursos da luta armada para construir a dignidade do povo. Em 1974, o país conquistou sua independência de Portugal; os valores desse projeto de libertação nacional continuam a ressoar em nós.

 

 

Estudantes dentro de uma sala de aula do PAIGC em uma escola primária nas áreas liberadas, 1974.
Crédito: Roel Coutinho, Guinea-Bissau e Senegal Photographs (1973–1974)

 

O projeto de libertação nacional que o PAIGC iniciou tinha dois objetivos simultâneos:

  1. Derrubar as instituições coloniais de opressão e exploração.
  2. Criar um projeto de reconstrução nacional para buscar a libertação econômica, política e social do povo que se oporia aos resíduos tóxicos deixados pelas estruturas coloniais nos corpos e mentes.

Até 1959, não existiam escolas secundárias na Guiné-Bissau, controlada pela monarquia portuguesa desde 1588. Em 1964, o primeiro congresso do PAIGC, sob a liderança de Amílcar Cabral, fez a seguinte promessa:

Criar escolas e desenvolver a instrução em todas as áreas libertadas. […] Melhorar o trabalho nas escolas existentes, evitar um número muito elevado de alunos que pode prejudicar o aproveitamento de todos. Criar escolas, mas ter em conta as possibilidades reais para evitar que depois tenhamos que fechar algumas escolas por falta de meios. […] Criar cursos especiais para formação e aperfeiçoamento de professores […] Criar cursos para ensinar a ler e a escrever aos adultos, sejam eles combatentes ou elementos da população. […] Criar, a pouco e pouco, bibliotecas simples nas zonas e regiões libertadas, emprestar aos outros os livros a que dispomos, ajudar outros a aprender a ler um livro, o jornal e a compreender aquilo que se lê.

Quem sabe deve ensinar quem não sabe, diziam os quadros do PAIGC, conforme se empregavam muitos esforços para ensinar alfabetização básica, a história de sua terra e a importância de sua luta pela libertação nacional.

 

A student uses a microscope during a PAIGC medical consultation in a college in Campada, 1973. Source: Roel Coutinho, Guinea-Bissau and Senegal Photographs (1973–1974)

Estudante usa um microscópio durante uma consulta médica do PAIGC em uma faculdade em Campada, 1973.
Crédito: Roel Coutinho, Guinea-Bissau e Senegal Photographs (1973–1974)

 

O nosso estudo explica todo o processo do sistema educativo criado pelo PAIGC, incluindo uma avaliação das formas e práticas educativas. Central para o estudo é um olhar atento sobre a pedagogia do PAIGC e seu currículo anticolonial e centrado na África. Como observa nosso estudo:

As experiências do povo africano, seu passado, seu presente e seu futuro tinham que estar no centro dessa nova educação. Os currículos escolares precisavam lidar e serem moldados pelas formas de conhecimento que existiam nas comunidades locais. Com essas novas abordagens, o PAIGC pretendia cultivar nos estudantes um sentido pessoal de obrigação para consigo próprios, com seus pares e com suas comunidades. Já em 1949, Cabral defendia que a produção de conhecimento se concentrasse nas realidades africanas existentes através das suas experiências de investigação sobre as condições agrícolas em Portugal e nos seus territórios africanos. Ele argumentou que uma das melhores maneiras de defender a terra era aprender e entender como usar o solo de forma sustentável e melhorar conscientemente os benefícios que obtemos dele. Conhecer e compreender a terra era uma forma de defender o povo e seu direito de melhorar suas condições de vida.

O estudo é cativante, uma janela para um mundo que foi vencido pela austeridade do ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional que arrasta a Guiné-Bissau para a turbulência desde 1995, com uma taxa de alfabetização perto de 50% – chocante para um país com o tipo de possibilidades de libertação postas em marcha pelo PAIGC. A leitura do estudo abre janelas de outrora, esperanças que continuam vivas enquanto nossos movimentos permanecerem atentos e retornarem à fonte para construir futuros melhores.

 

 

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Cesária Évora (Cabo Verde) sings Amílcar Cabral’s poem ‘Regresso’, 2010.

 

O líder do PAIGC, Amílcar Cabral, foi assassinado em 20 de janeiro de 1973, um ano antes de o colonialismo português sofrer uma derrota histórica. O PAIGC sofreu com a perda de seu líder. Em 1946, Cabral escreveu um poema lírico, “Regresso”, que apontava para a ética do movimento pelo qual deu a vida. “Retorno” era um termo importante no vocabulário de Cabral, a frase “retorno à fonte” era central em sua visão de que a libertação nacional deve tratar o passado como um recurso e não como um destino. Escute a grande cantora de Cabo Verde, Cesária Évora, declamar o poema de Cabral acima, e leia abaixo, uma porta para as esperanças que temos de uma educação libertadora:

 

Mamãe Velha, venha ouvir comigo
O bater da chuva lá no seu portão.
É um bater de amigo
Que vibra dentro do meu coração

A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva,
Que há tanto tempo não batia assim…
Ouvi dizer que a Cidade-Velha
– a ilha toda –
Em poucos dias já virou jardim…

Dizem que o campo se cobriu de verde
Da cor mais bela porque é a cor da esp’rança
Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde.
– É a tempestade que virou bonança…

Venha comigo, Mamãe Velha, venha
Recobre a força e chegue-se ao portão
A chuva amiga já falou mantenha
E bate dentro do meu coração!

 

Cordialmente,

Vijay.

terça-feira, 19 de julho de 2022

16 de julho de 2022. Entrega dos arquivos e a memória da UGES para o CEDEM, o Centro de Documentação e Memória da UNESP




 16 de julho de 2022. Realizei a entrega dos arquivos e a memória da UGES que estavam sob minha responsabilidade para o CEDEM, o Centro de Documentação e Memória da UNESP. Foi com orgulho e certeza que esse acervo agora estará preservado para pesquisadores/as do Brasil e do mundo que poderão resgatar e preservar a memória das lutas de inúmeras gerações de estudantes que ousaram sonhar e lutar por uma sociedade justa, igualitária, anticapitalista e de direitos humanos e sociais.


A UGES foi e é uma escola permanente viva na história e na coragem da juventude brasileira. Lá, onde a partir dos meus 14 para os 15 anos comecei minha militância política. Foi minha escola de valores humanos, de amizades e companheirismo. Carrego na alma e no coração meus tutores, mestres e guerreiros e guerreiras que me formaram. Pode ser que eu seja injusto em não citar algum nome, a falha é humana. Mas sei que não vamos parar por aqui. Quero agora seguir na fase de colher as histórias orais de cada um e cada uma que fez parte da UGES e foi esse forte coração de estudante!

Aos compas David Fumyo, Luis Claudio e Valdir Ramos Cunha. Aos que me acolheram Luciano, Marcos Silva, Marina Pinto (em memória), Jairo, Janecleide, Benedita, Wagner (de Arujá) entre tantos. Aos que militaram ombro a ombro Rover Marinho, Edlene, Marcos, Andre, Olívia Andreoli, Sidnei, a companheirada das escolas estaduais que visitei passando por debaixo de catraca de ônibus, andando a pé e seguindo no passo da luta! Agradecimento a minha companheira Tati Lima, que está sempre ao meu lado e Edvaldo Belussi companheiro e amigo, que me acompanharam nesse momento.

E aos e ás companheiros/as do CEDEM que fazem da universidade pública um lugar de resistência das lutas coletivas da classe trabalhadora. Muito feliz mesmo! Uma felicidade que não cabe no peito.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Debate necessário. O que os socialistas e comunistas devem fazer nesse momento?

As reflexões de Zé Paulo seguem necessárias e nos provocam para sabermos no momento histórico atual: "O que os socialistas e comunistas devem fazer nesse momento?"

Abandonar a luta democrática? No ponto que ele nos diz que "comunismo e democracia se combinam", tenho total acordo e tem sido uma perseguição minha desde o mestrado até o doutorado, apesar de ter me aprofundado em um método especifico, os orçamentos participativos. Mas minha questão vai além e ele sempre responde com uma frase que para mim é certeira: "um regime que tem medo livros, não tem como se sustentar" e de fato não basta uma direção revolucionária que indique os desafios econômicos do alto de um comitê central, sem esse processo que agregue os e as maiores interessados/as na transformação da sociedade que é classe trabalhadora.

Ele toca em algo que para mim ainda é um trauma político-pessoal. O dever de insurgir no processo eleitoral, de utilizar o sistema, de ter a tribuna como trincheira (como ensinou Lauro campos), ocupar o parlamento burguês para nosso agitprop, para golpear as representações burguesas enquanto a classe se organiza nas ruas, nos locais de trabalho, nos bairros, enfim, é duro saber se você é capaz de assumir uma tarefa, e de fato qual deve ser o papel dos socialistas e comunistas nesse momento? Se ausentar? Assumir tarefas pequenas no dia a dia da classe? Ou seus quadros devam assumir de fato as responsabilidades que o tempo histórico nos exige?

Não tenho respostas. Porém, depois de assistir essa aula fica a duvida: a provocação do velho marxista dirigida a nós é uma convocação para uma tarefa.

Sempre aprendi que não há tarefas boas ou ruins, na luta de classes há tarefas. Cabe o militante exercer sua práxis seguindo a diretriz do bom comandante soviético (Lenin), onde "não há prática revolucionária, sem teoria revolucionária".

Já faz um tempo que desiludi com o jogo democrático, onde joguei com peças erradas e aprendi uma valiosa lição: "nunca abandone seus princípios e o militante que você é, pois foram com estas qualidades que avançamos. Desviadas por orientações ruins, o gosto amargo da derrota é mais pessoal do que da classe".

Voltemos a essas reflexões em breve.

Recomendo que assistam, do começo ao fim!