sexta-feira, 29 de maio de 2015

De novo essa conversa, redução da idade ou redução da humanidade?



Outro dia em uma palestra em comemoração ao dia do Assistente Social fui (novamente) perguntado porque a categoria é contra a redução da idade penal.

Poderia argumentar pelo discurso jurídico, "é clausula pétrea e não pode modificar a constituição", poderia ir pela linha do sistema carcerário "falido por culpa de um Estado omisso", ou afirmar posição "em defesa do Estatuto da criança e do adolescente", mas preferi outro caminho.

O Estado que encarcera, apesar de ser medidas socioeducativas de privação de liberdade, a forma ainda é um tipo brando de "encarceramento", de qualquer forma sabe, conhece, cataloga, registra e tem mapeado os lugares, territórios e regiões onde vivem os nossos adolescentes infratores. 

Lugares, territórios e regiões onde persiste a ausência de Estado, de direitos, de serviços públicos, de atendimento a população, de condições dignas de sobrevivência (nem de vida), enfim, é sabido os meios por onde o adolescente busca sobrevida ou sentido ou poder (ou respeito). E mesmo assim, a roda viva continua a girar e como diz a música "periferia é periferia em qualquer lugar".

Também ouvi de gente de esquerda a seguinte frase: "mas a violência ta comendo solta, tem que haver uma resposta!?", e aí eu penso: "Putz, até onde chegamos!"

Se a "violência" anda comendo solta decretemos toque de recolher pra todo mundo! Todo mundo! Ou adotemos radicalmente a ideia de "encarceramento por presunção", que vai do 0 aos 29 anos, aí depois cada jovem faz o que quer da vida "em liberdade".

Se as duas "propostas" que apresentei podem parecer ridículas, imagine que a redução também seja! Por um ponto: reduzir a idade é a solução sem resultado. 

Não só porque apenas menos de 1% dos crimes hediondos (assassinatos, atentados a vida, etc.) são cometidos pelos adolescentes, ou porque (por pior que seja) o sistema "febem" ainda impede muito mais o retorno do adolescente a "vida do crime".

Mas porque em um país onde só em 2014 foram registrados mais de 24 mil denúncias de abuso, violência e outras agressões CONTRA crianças e adolescentes pelo disque denúncia nacional (disque 100), então além de reduzir a idade, os adultos em geral deveriam cumprir parte da pena de OMISSÃO, sim omissão enquanto sociedade que negligência os adolescentes "dos outros", quando deveria (inclusive pela legislação), acolher e proteger todxs sem excessão.

E aos que para quererem a mudança da minha posição "desejam" a violência ou a morte minha ou de alguém da minha família, peço gentilmente que em vez de pensar no mal alheio faça a sua parte enquanto pessoa humana em uma sociedade, pare de defender o que não conhece e tire a "bunda" da cadeira para fazer algo pela coletividade. 

Lugar não falta, posso indicar. Apoiar a greve dos nossos valiosos professores da rede estadual de ensino já é um bom começo para entender que reduzir a idade não resolve. Você defende tanto a educação dos jovens adolescentes, então comece pelos nossos professores, eles sim podem ser a solução mais duradoura e de paz.


A hora que o "consenso" acaba.


Dois artigos, publicados um na sequência do outro, tentando responder para militância da esquerda brasileira ou para si mesmo "o que fazer?", diante dessa conjuntura política onde o PT no poder institucional do Estado avançou em seu "Estado de bem estar social a brasileira", tentando manter-se a esquerda e do outro lado uma esquerda (ou esquerdas) cobrando posturas tanto da presidenta Dilma (enquanto PT) e da própria direção do PT.

Nessa areia movediça parece que quanto mais se mexe na cobrança do que quer Dilma, Lula ou a direção majoritária do PT, mais se afunda junto nas contradições em que nos metemos, todxs sem exceção.

Saflate de um lado (intelectual e quase candidato a governador pelo Psol), moveu-se numa linha tênue de cobrança com tom de "vai que cola", com uma analogia que daria certo a uma parcela menos atenta da população participante ou que acompanha a política brasileira, sem partido e pertencente a classe assalariada média, até se convenceria da história do "peronismo" a brasileira se não fosse por um ponto: comparações em política, ainda mais com realidades tão distintas não agregam para organização política ou reflexão de rumos, apenas projetam imagens que ficam ainda mais desconexa em nossa já conturbada cultura política brasileira em que o velho e o novo se fundem e confundem.

Outro elemento desconcertante, esse pequena analogia de Saflate só foi o eixo para dizer que há contradições em uma liderança petista emergir uma "frente de esquerda" e aponta as contradições do velho "caudilho" do ABC como parâmetro para afirmar que "há incoerências". Pois bem, isso esta mais do que claro quando a CUT reafirma posição contra as medidas provisórias e declara contrário ao ajuste feito apenas no andar de baixo do "condomínio" Brasil.

Cita lutas sociais viventes em nosso momento histórico e cobra "coragem" a esquerda brasileira. É bem sucinto, quase como um manifesto de enlance e chamado a esquerda "progressista" (aqui imagino que ele trate o PT como uma esquerda regressiva), porém sem necessariamente assumir a frente desta mesma "coragem", sim em todo processo em que se considera uma força política enfraquecida, o que se faz é colocar-se nas ruas e nas massas a frente do processo. 

E no final não é isso que o nosso autor prega. Pode ser porque é desprendido dessa "vaidade", ou esperando ser chamado "pelas massas".

Mas até aqui isso (ainda) não importa. Poderá ter razão em suas "cobranças", poderá ter razão em seus apontamentos, contudo, haverá disposição para não ser um novo velho PT? 

A priori todxs querem uma herança irresgatável. Por isso, discordo de tantos usos da palavra "refundação", é quase anti dialético querer "refundar" uma esquerda ou movimento uma vez que o passado tem o seu valor na luta que empreendia naquele dado momento histórico. É como se pudéssemos ressuscitar os mortos.

Não digo que a esquerda não possa assumir o comando das lutas voltando a tática das "tribunas como trincheira", como aponta Rosa Luxemburgo inúmeras vezes, mas querer "refundar" o PT, "refundar" a esquerda é quase uma ofensa aos militantes de esquerda, em suas variadas táticas e organizações que no PT ou fora dele mantêm viva a guerra de posições no Brasil.

Se Saflate quiser de fato encorajar a esquerda a sair desta "roda viva" do PT (do poder institucional), precisa mais do que essa trágica historia argentina com traços de novela brasileira para nos colocar em rota numa luta anticapitalista.

Já o artigo da sequencia "Vladimir Safatle, “a culpa dos outros” e a busca da porta de saída pela esquerda" de dois companheiros, um inclusive da Consulta Popular aborda longamente as "contradições" da análise anterior, mas com profunda calma e serenidade vai ponto a ponto argumentando porque não é tão simples (ou simplista) a análise ou as saídas apontadas.

Bem, o final é que é posição (e não saída), onde os três últimos parágrafos tem pouco em comum: um trata do lulismo e sua (ainda)  força social (eleitoral) que indica um projeto não mais "progressista" para sociedade brasileira, o penúltimo trata da ausência das "coragens" do PT e da esquerda fora do PT como um chamado a "reação" e o último cobra a esquerda de uma pauta exclusiva as forças políticas em que a própria Consulta Popular compõe que é a luta pela "constituinte exclusiva do sistema político (a qual também apoio e me envolvi na minha cidade).

Mas novamente responde fogo contra fogo sem espalhar as chamas para lugar algum.

Para nós, militantes de esquerda sobre estes artigos de outros militantes de esquerda fica a frustração de quando o "consenso" acaba e a pergunta fica: "nós, esquerda brasileira, em nossas variadas organizações, dirigentes e afins queremos uma alternativa real, um projeto coletivo ou criar um novo "Lula" para chamar de "meu"?"

Porque no final essa é a impressa que fica nos mais variados lugares e artigos.

#contribuindoparaodebate_apenas

PS 1.: Faltou comentar que a tempos a postura da Carta Capital (indiretamente) é por instigar uma nova força que supere o PT, tenho visto isso na supervalorização que faz a alguns "candidatos" a "nova esquerda" e cito, a exposição de Erundina e o novo partido "raiz" (além da publicação de um artigo de Celio Turinoum dos seus líderes que parecia um "coxinhês" http://www.celioturino.com.br/br/component/content/article/46-blog/183-desaprova%C3%A7%C3%A3o-de-dilma-e-governo-federal-despenca-como-em-um-castelo-de-cartas.html), além de outros. Se a revista aponta que é preciso uma "nova força progressista", faça como sempre fez, declare-se!

PS 2.: Não estou atacando os caros companheiros que se colocam no debate, mas se há contradições na esquerda brasileira, superar o "lulismo" ou "petismo", se dá no campo da luta simbólica e da guerra de posições de uma organização (ou organizações) que se proponha a ser o "partido da classe" como afirma Lênin (Esquerdismo é um documento não apenas para criticar o que achamos que seja "esquerdismo", mas é a fiel declaração de Lênin sobre o programa, a disciplina e o fortalecimento do "partido da classe", de vanguarda não porque foi composto por poucos - isso não era mesmo, o partido bolchevique tinha penetração na sociedade russa - mas porque a massa e a sua direção mantinham dialogo, debate e informação constante, não só pelo jornal em si, mas pela relação da sua militância no dia a dia da classe. Diferente dessa miscelânea sem critérios e "manuais" incríveis de "trabalho de base" que digerimos sem ler e agir a fundo.

PS 3.: Seguem os dois artigos abaixo para leitura e suas próprias reflexões.

Política

Análise/Vladimir Safatle

Frente de esquerda para quê?

por Vladimir Safatle — publicado 28/05/2015 04h58
Não é a falta de direção que acomete a ala progressista brasileira. É a falta de coragem, o que é muito mais grave
Se fosse o caso de fornecer uma analogia histórica para a situação atual do Brasil, talvez o melhor a fazer seria voltar os olhos para a Argentina dos anos 1970. De certa forma, não há nada mais parecido com o atual governo Dilma do que a Argentina de Isabelita Perón. Dilma transformou-se em uma Isabelita Perón do Cerrado.
Uma presidenta refém de seus operadores políticos, impotente diante da dissolução do acordo peronista entre setores da esquerda e setores conservadores em torno da figura de seu finado marido, Juan Domingo Perón, Isabelita foi a figura mais bem-acabada do esgotamento do ciclo de acordos, avanços e paralisias que marcou o peronismo. Ao se deixar guiar pelos setores mais conservadores do peronismo, Isabelita parecia uma morta-viva, a encarnação de um tempo que já acabara, mas ninguém sabia como terminar.
Agora, imaginem que estamos na Argentina dos anos 1970 e Perón não morreu. Como um fantasma, ele volta para tentar organizar a oposição contra o governo que ele mesmo elegeu, federando as vozes dos descontentes com o governo criado por ele mesmo e para o qual indicou vários ministros. Não, algo dessa natureza não poderia acontecer na Argentina. Algo assim só pode ocorrer no Brasil. Pois não é isso o que estamos vendo com um Lula reconvertido a arauto da “frente de esquerda” juntamente com o resto do que ainda tem capacidade de formulação no PT? 
O mesmo PT que, em um dia, vai à televisão para afirmar seu compromisso com a defesa dos direitos trabalhistas para, no dia seguinte (vejam, literalmente no dia seguinte) votar em peso a favor de um pacote de medidas que visam “ajustar” a economia não exatamente taxando lucros bancários exorbitantes, mas diminuindo os mesmos direitos trabalhistas que defendera 24 horas antes.
Nesse contexto, o que pode ser uma frente de esquerda a não ser a última capitulação da esquerda brasileira à sua própria impotência? Ou, antes, o reconhecimento tácito de que a esquerda brasileira só pode oferecer o espetáculo deprimente de discursos esquizofrênicos divididos entre o reino das boas intenções e a dureza das decisões no “mundo real”? 
Acreditar que aqueles que nos levaram ao impasse serão os mesmos capazes de nos tirar de tal situação é simplesmente demonstrar como a esquerda brasileira vive de fixações em um passado que nunca se realizou, que nunca foi efetivamente presente. É mostrar ao País que a esquerda não tem mais nada a oferecer de realmente novo e diferente do que vimos.
Se a esquerda quiser ter alguma razão de existência (pois é disso que se trata), ela deve começar por fazer uma rejeição clara do modelo que foi aplicado no Brasil na última década, seja no campo político, seja no campo econômico. O modelo lulista não chegou a seu esgotamento por questões exteriores, pressão da mídia ou inabilidades de negociação da senhora Dilma. Ele se esgotou por suas contradições internas e quem o criou não é capaz de criar nada de distinto do que foi feito.
Insistiria ainda em como é falsa a ideia de que a esquerda brasileira está de joelhos sem saber o que fazer. Há anos, vários setores progressistas têm alertado para o impasse que agora vivemos. Há anos, várias pautas foram colocadas em circulação, entre elas a revolução tributária que taxe a renda e libere a taxação sobre o consumo, a democracia direta com poder de deliberação, veto e gestão, o combate à especulação imobiliária através de leis que limitem a propriedade de imóveis, a reforma agrária, a diminuição da jornada de trabalho, a autogestão de fábricas e locais de trabalho, o salário máximo, o casamento igualitário, as leis radicais de defesa da ecologia, o fim da política de encarceramento sistemático, a exposição da vida financeira de todos os que ocupam cargos de primeiro e segundo escalão, a punição exemplar da corrupção, o fim do monopólio da representação política para partidos. 
Não é a falta de direção que acomete a esquerda brasileira. É a falta de coragem, o que é muito mais grave.
fonte:http://www.cartacapital.com.br/revista/851/frente-de-esquerda-para-que-4260.html
Vladimir Safatle, “a culpa dos outros” e a busca da porta de saída pela esquerda
maio 29, 2015 15:44
Por Thiago Henrique Silva e Aristóteles Cardona Junior*
Especial para Escrevinhador
Acaba de ser publicado mais um artigo do Filósofo Vladimir Safatle, intitulado “Frente de esquerda pra quê?”.
O artigo deste intelectual merece ser debatido de forma clara e honesta, sob pena de acometer boa parte das mentes sãs da esquerda brasileira da “síndrome de pasárgada”.
Inspirado no resgate da sina de Isabelita Perón por Safatle, é importante também rememorarmos alguns elementos importantes de nossa história recente para não cairmos no lugar comum de naturalizar o presente.
Afinal, se estamos naquele interregno histórico onde “o velho já morreu e o novo ainda não nasceu” como afirma Safatle hoje – coisa que alguns setores da esquerda afirmam há 10 anos (vide texto “Refundar a esquerda para refundar o Brasil”) – é importante lastrearmos sempre a análise do hoje em suas raízes históricas sob pena de errarmos na análise do real, e consequentemente nas tentativas de proposição pro futuro.
Não se pode esquecer que o ciclo anterior da esquerda brasileira não se iniciou com o primeiro governo Lula. A derrocada política do regime militar – que ainda teve força para manter uma transição pactuada -, os avanços plasmados na Constituinte de 1988 e todas as conquistas civilizatórias que ocorreram nos anos 90 em nosso país – mesmo sob hegemonia neoliberal – fazem parte de todo um ciclo de lutas e avanços conquistados a ferro e fogo pelos trabalhadores e setores progressistas.
Das lutas deste ciclo participaram todos os setores da esquerda brasileira nas mais diversas trincheiras: sindicatos, movimento camponês, movimento estudantil, movimentos por moradia, universidades e na luta institucional nos parlamentos e executivos.
Foram décadas de disputa política que tiveram no PT a expressão maior deste ciclo. Este ciclo se caracterizou por paulatinamente dar mais fôlego e dedicar mais energias à luta na trincheira institucional do que a fortalecer a força social nas ruas e manter uma base social coesa e ideologicamente firme.
Ganhar prefeituras, governos estaduais, avançar nos parlamentos foi se constituindo como meta-síntese ao mesmo tempo que o “Lula-lá” galvanizava a iniciativa nacional e dava o tom dos objetivos fundamentais: conquistar a arena institucional e construir políticas publicas.
Ao mesmo tempo, a conjuntura internacional era altamente desfavorável aos trabalhadores do mundo com a queda do muro em 1989 e início do desmonte do Estado de bem-estar social europeu .
No Brasil as forças progressistas tentavam construir uma nação, avançar em direitos, conquistar saúde, educação, previdência, assistência social, acesso à terra e vários outros direitos negados ao seu povo durante toda sua história. Enfim, um sem-número de fatores influenciou a trajetória deste ciclo de nossa esquerda.
A esquerda brasileira em seu conjunto construiu este ciclo e conseguiu avançar na “trincheira civilizatória” conquistada a duras penas desde 1988. Inclua-se aí os governos de coalizão comandados pelo PT desde 2003, valendo registrar que foi uma vitória na arena institucional num momento de declínio importante da luta de massas e da consciência de classe em nosso solo.
Os governos Lula e Dilma evidenciaram os limites de escolhas e rumos históricos que não se iniciaram na Carta aos Brasileiros nem muito menos com as nomeações de Meirelles e Levy! Foram processos históricos e sociais intensos e complexos que fundamentalmente ajudaram a escamotear a luta de classes e a reduzir a política à dialética do possível.
Porém se deve chamar a atenção de que este não foi um “ciclo-de-um-partido-só”. Toda a esquerda brasileira precisa estar atenta e fazer o balanço deste período histórico principalmente rememorando o papel que cada força desempenhou, pois na hipótese de ser verdade que a hegemonia política ficou nas mãos dos setores mais atrasados da esquerda seu corolário é que os setores que se consideram mais avançados foram incapazes de mobilizar as massas para um projeto mais avançado de país. Trocando em miúdos: pau que dá em Chico, dá em Francisco!
A trincheira civilizatória resultante da intensa guerra de posições travada durante décadas é produto da luta de toda a esquerda. Como também o recuo recente desta trincheira com a ofensiva da direita em todos os planos – ideológico, político e econômico – também é resultado da fragilidade da esquerda em seu conjunto.
Não se pode desconsiderar que pautas que há muito tempo são tentadas pela direita – PL das terceirizações e redução da maioridade penal, por exemplo – estavam paradas há muito tempo no parlamento, pois o que tínhamos de setores progressistas nesta trincheira barrava seu avanço.
Com o recuo dos governos do PT diante da sua incapacidade de propor saídas pela esquerda, a direita avança com todos os seus cavalos. Não tenhamos dúvidas: a ofensiva da direita brasileira é contra a trincheira civilizatória construída pelo conjunto da esquerda em todos os seus planos: político, econômico e ideológico. E se a principal força existente que pode tentar fazer frente a esta ofensiva é o governo do PT tal qual ele é, não é só o PT que está em maus lençóis. A conclusão óbvia a que se chega não pode ser outra: a estratégia de achar “a culpa nos outros” não tem nos ajudado a encontrar a porta de saída dessa encalacrada.
Aqui quem fala é da terra: as Frentes que animam a esquerda
Tentando fincar os pés no chão é necessário se retomar uma lição fundamental que a história do mundo nos dá: a unidade das forças de esquerda não é apenas mais um elemento, mas condição para sua vitória.
Para não voltar muito no tempo e lembrar as frentes que levaram projetos progressistas ao poder no Equador, Venezuela e na Bolívia podemos nos contentar em dar como exemplo as Frentes que vem animando a esquerda mundial: o Siryza Grego e o Podemos espanhol.
Ambos emergem como resposta organizativa aos amplos movimentos de massa anti-austeridade surgidos em seus países. Ambos adotam como estratégia a definição de um inimigo claro: a austeridade que suprime empregos e piora a vida. Ambos apostam na ampla mobilização de massas contra este inimigo. E ambos são produtos de frentes de esquerda que se juntaram com um objetivo principal: organizar a defensiva e formular uma nova ofensiva das forças progressistas. Cada uma com sua particularidade que responde ao seu solo histórico, à sua formação social e aos seus desafios imediatos e estratégicos. E cada uma também com a sua limitação.
Experiências passadas ou até mesmo as mais recentes, como as já citadas do Syriza e Podemos, nos mostram claramente o quanto a realidade concreta é dura e exige mediações que dependem de força para superar. Mas todas elas também mostram que a saída, diante do avanço das forças conversadoras e retrógadas, necessariamente passa pelo exercício cotidiano da unidade entre as forças progressistas.
Pra variar, estamos em guerra: a necessária Frente de esquerda no Brasil
A unidade das forças de esquerda é condição de vitória. Porém, vemos como está difícil estabelecer os termos da tão sonhada unidade. Era de se esperar que neste tempo de reconfiguração das forças de esquerda as disputas de protagonismo para o novo ciclo se aflorassem, dificultando iniciativas unitárias. Mesmo assim iniciativas como a Campanha do Plebiscito Popular por uma Constituinte exclusiva e os atos chamados em todo o país pela CUT e MST frente às políticas de ajuste e terceirizações tem se mostrado iniciativas de algum fôlego.
Porém, como diria uma importante liderança social nossa, vamos ter que ver a água subir mais um pouco pra que toda a esquerda perceba que está no mesmo barco.
Safatle tem algum grau de razão ao se referir ao problema do nosso “Perón vivo”, ou seja, Lula. Porém a razão que lhe atribuímos ao se preocupar com a “questão Lula” se afasta veementemente de sua pretensa conclusão, de que uma Frente de Esquerda com Lula seria “a última capitulação da esquerda brasileira frente à sua própria impotência”.
Se o tempo em que vivemos é o tempo em que um indivíduo consegue mobilizar da sua cabeça uma tropa dezenas de vezes maior que o restante da esquerda, superá-lo é nosso desafio histórico! Se o tempo em que vivemos é o que o povo se vê entre acreditar no “volta lula” ou no “vem Aécio”, superá-lo é nosso desafio histórico! Se o tempo em que vivemos é o tempo de esgotamento do modelo lulista, mas a sociedade (e o PT) está convencida que frente a seu insucesso a saída é pela “via de Chicago”, superá-lo é o nosso desafio histórico!
O professor de dialética deve saber mais do que nós que a superação dialética não se dá pela negação a priori. Um movimento dialético que consiga superar (incorporando e negando) a dependência de Lula terá que dialogar com o fato de que o “Perón está vivo”, incorporar as conquistas do último ciclo da esquerda e negá-lo como solução futura a partir de suas contradições reais.
A nossa esquerda ainda não tem uma saída pronta. Não é um ajuntamento de pautas acertadas do ponto de vista programático – que nenhum cidadão de esquerda discordaria – que detém a capacidade de mudar a correlação de forças em nosso favor. É antes a construção de força social que deve submeter o programa a si.
Se a rejeição completa do modelo lulista fosse a solução para os problemas da esquerda era de se esperar que os setores que o fazem há 10 anos tivessem melhor sucesso eleitoral, porém ainda não foram capazes de voltar ao patamar das eleições de 2006 quando o eixo do moralismo deu o tom mais forte na campanha eleitoral. Se o ajuntamento de pautas acertadas não é a saída, nem tampouco o é a passividade de esperar pelos humores de Lula.
O papel das forças de esquerda deve ser o de forjar unidade nas lutas concretas que tenham a capacidade de intervir na conjuntura e de aglutinar força social. Uma frente de esquerda que tenha capacidade de captar o sentimento das massas trabalhadoras e iniciativa para colocar-se em marcha junto a elas.
Uma frente de esquerda que consiga se colocar ao escrutínio fraterno de que há de se ter uma meta-síntese política que aglutine suas pautas numa nova construção ofensiva. Sem este otimismo da vontade, podemos nos render ao pessimismo da razão de que o “Perón está vivo” e nos resguardarmos na caserna com posições doutrinárias. Este enigma de nosso tempo – tempos de “Perón vivo” e da necessidade de superar o “peronismo” ao mesmo tempo – só será solucionado na experiência concreta das massas em marcha, testando ao limite a capacidade de resposta aos problemas concretos colocados pela luta política.
Por fim, concordamos mais uma vez em parte com o professor. Falta algum grau de coragem. Falta coragem para a esquerda admitir porque é Lula e o lulismo que detêm tamanha força social e não um projeto mais “progressista”.
Falta coragem ao PT para voltar a construir força social ante a “eternização da correlação desfavorável das forças”. Falta coragem para o conjunto da esquerda admitir que seu fracionamento é o maior trunfo do seu inimigo principal.
Por último, relembrando o próprio Safatle de alguns meses atrás, falta coragem para a esquerda se juntar, organizar a defensiva e afirmar a todos os pulmões que é necessária a refundação do Estado Brasileiro através de uma Constituinte Exclusiva e passar à ofensiva definitiva.
* Médico de Família e Comunidade e militantes da Consulta Popular
http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/plenos-poderes/safatle-culpa-dos-outros-e-busca-da-porta-de-saida-pela-esquerda/

terça-feira, 19 de maio de 2015