sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A esquerda e o interior paulista, ou repensa sua estratégia ou nunca irá avançar!


O mapa do resultado eleitoral de 2022 é quase um cenário estático, onde apesar da nossa esquerda ter inúmeros pesquisadores e intelectuais, expertos em estudo de pesquisas e grande elaboradores de análise, ninguém consegue ver o que está na sua frente. A esquerda vence, mesmo quando perde, na capital e na grande São Paulo. A relação política é outra, não apenas em volume populacional, mas em capiralidade e movimento. Está presente nas veias dos muros de concreto, tem uma cultura mais pulverizada, aberta para inovações, há injustiças que só uma superestrutura é capaz de produzir e por isso produz mais resistência. 

É fato, na capital um sussurro é grito, no interior um grito pode ser um sussurro. 

Desde a eleição de Genoíno ao governo de São Paulo pelo PT, as chances da esquerda são apenas aproximações para um segundo turno, com uma barreira que parece ainda instransponível: o interior. O que fez um desconhecido como Tarcísio ter 9 milhões de votos e estar a frente na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. Primeiro vai ver que é isso mesmo, "palácio dos bandeirantes", será difícil um (a) candidato (a) de esquerda vencer o governo estadual onde só capitães do mato, em sua maioria absoluta já passaram por lá, temos desde os latifundiários do "café com leite", Adhemar de Barros o "rouba mas faz", o golpe militar de 1964 teve sustentação de forças sociais paulistas, Maluf eternizou a ideia de "rouba mas faz" e assim vai. Mesmo quem tenha alçado para promover mudanças foi sendo mudado pela "força dos bandeirantes". 

A capital e a grande São Paulo já teriam eleito um governador de esquerda a muito tempo e sito: Marta Suplicy, Genoíno, Mercadante, Padilha e Marinho, tal é lugar e o papel da capital e sua zona de influência, a grande São Paulo. Dos partidos da centro esquerda e esquerda, só o PT poderia ter mudado essa história. Seja no meio sindical, pois controla o principal sindicato de professores do Brasil, a APEOESP e já governou inúmeras cidades no interior paulista como França, Ribeirão Preto, Registro, Campinas, Itapeva, São Jose dos Campos, Santos, Ubatuba, entre tantas. Porém o que faltou? Eu tive essa impressão de análise quando militei no mandato do companheiro Luiz Eduardo Greenhalgh, ao viajar e articular com militantes do PT no interior a impressão era mesma, forte influência do PMDB, ampliação do PSDB e um conservadorismo que se espraia nas regiões do agronegócio, uma relação partidária subordinada a capital e ausência de uma política para o interior. 

Sem uma estratégia, as eleições se tornaram apenas parte da lógica e vencer um município apenas mais uma "máquina administrativa" para governar e aparelhar. Vimos a perda gradual dessas cidades, sem uma análise necessária do porquê não mantemos, não criamos um cinturão de proteção que deveria sim envolver ter quadros políticos internos para uma boa administração e quadros políticos externos para articular o avanço. Ah uma ladainha discursiva que apenas serve para acalmar corações e justificar erros, de que o "interior tem outra dinâmica, é conservador mesmo" e blá, blá, blá. Explica tudo e não resolve nada. 

Então podemos ainda saudar e com razão os bolcheviques que num país gigante como a a Rússia do início do século XX, pouco industrializado, com grandes parcelas da população analfabetas e monarquista foi tomado por uma revolução popular-militar que com meios de comunicação próprios e criando redes de apoio e articulação venceram. As razões da derrota não superam o fato de que a vitória foi possível, e se alguns querem debater por esse caminho digo que para o PT que já governou cidades importantes no interior também foi dizimado a pouco tempo atrás e não se recuperou. Governamos nada mais nada menos na grande São Paulo apenas Franco da Rocha e no interior Araraquara, e retomamos Diadema no ABC. Também é verdade que a intestinal disputa interna é grande responsável pela derrota da estratégia de ampliar no interior. 

No PT há regras para vencer uma disputa, mas não regras para superá-las. E a função da organização partido seria criar campos de unidade quando o assunto é ocupar o interior para fortalecer a estratégia eleitoral para o estado. Sem isso, vamos imaginar hipoteticamente uma revolução, vai ser lindo as ruas vermelhas na capital, o povo sorrindo, as mudanças acontecendo, mas lembrar da Comuna de Paris? É, essa merda pode e vai acontecer aqui também. Não subestimo a burguesia. Vamos aos números: primeiro tirar os lugares onde a onda lulista foi grande pelos motivos (quase) óbvios, na capital (Lula-Haddad vencem), hna grande São Paulo onde governamos Diadema e Franco da Rocha e adjacências, macro Osasco vencemos em várias cidades, inclusive Osasco. 

Agora onde não se explica: vencemos em Barra do Turvo, Ribeira, Apiaí entre outras cidades que pertencem a região de Sorocaba (bem no fundão, já divisa com o Paraná), uma cidade chamada Coronel Macedo deu 50% dos votos pra Haddad, cerca de 1400 votos, outra Marabá Paulista 50% (1.100), as cidades sob influência das lutas do MST como Teodoro Sampaio, Rosana e Euclides da Cunha cerca de 40% a 50%, Dolcinópolis deu 51% de votos para Haddad (800 votos) e 29% para Tarcísio, Bananal e Areias no Vale do Paraíba juntas somam quase 3.000 votos, em Itapura já divisa com Mato Grosso, deu 56% (1200) para Haddad, e assim vai. Um partido deveria ter uma estratégia. Hora de guerrear internamente e hora de governar externamente. 

O PT de São Paulo deveria ter a obrigação de apoiar diretamente estes munícipios num projeto de poder estadual, oferecer às cidades pequenas uma chance para mostrar que a esquerda, o socialismo e o comunismo tem mais o oferecer na gestão pública, o medo de ver afetada suas vidas morais apenas serve de combustível para que o interior e o litoral sejam cada vez mais isso, lugares apêndices. Importante constatar que quem provou que o interior pode evoluir culturalmente e politicamente foi a própria ditadura militar. Na estratégia de constituir a integração de institutos de ensino superior em 1976 o governo do estado cria a UNESP, sua presença no interior produz uma cultura política adversa ao traço conservador, mostrando o caminho no campo da política partidária de que não precisamos nos prender a lógicas ou ideias preconcebidas de como funciona essa dinâmica. Nem ficar com o dilema do "adaptar-se ou resistir", basta ousar em querer existir e resistir. 

Os números e as articulações subterrâneas do conservadorismo paulista podem até nos empurrar para uma tragédia, mas ainda não perdemos essa batalha. Lutar até o fim e numa virada caso vença, o governo Haddad, suas alianças e coalisões, bem como o PT precisam saber "o que fazer?" para reverter não eleitoralmente, mas culturalmente uma lógica política que trava e desamina quem pouco quer entender a dinâmica do interior.

Neste segundo turno os avanços foram poucos, mas expressam o raio de influência por onde o PT governa ou tem força social, como na região de Araraquara com prefeito Edinho a frente, na grande São Paulo em especial Macro Osasco e Grande ABC e na capital a força social do petismo e do anti bolsonarismo. Não fazer a leitura das tarefas necessárias do partido é querer seguir tentado vencer no estado de São Paulo por pura osmose.


 
É inegável que ampliação de Tarcísio, em azul escuro, foi considerável, Haddad empata ou perto por pouco nas cidades marcadas com azul claro e vence nas cidades em tom de vermelho (escuro ou claro). Assim, temos um desafio que não compete apenas ao PT, mas a esquerda de modo geral, se quer vencer na capital financeira do capitalismo brasileiro deve assumir uma estratégia que caiba o interior. O interior paulista representa o conservadorismo das elites do agronegócio, que parece uma versão terrível da pré industrialização paulista e do Brasil de antes da década de 1920-30, e como sabemos pela história, esse tipo de elite tende a ser mais conservadora. A desindustrialização não afetou apenas a burguesia, mas atingiu a esquerda na possibilidade de organizar a classe trabalhadora como polo mais dinâmico e atuante da luta de classes, e com isso, o interior pressionado também por uma economia do empreendedorismo dos serviços é apenas força auxiliar do agronegócio. E os bloqueios dos derrotados só mostra que os desafios são ainda maiores com a consolidação da direita conservadora paulista, se contrapor exige mais do que discurso, exige ação em várias frentes.

Se seguirmos a lógica errada, tenho pena dos meus valorosos companheiros e companheiras interior afora que resistem bravamente pela liberdade, pela justiça social, contra a desigualdade, o agronegócio, entre tantas expressões de uma questão que depende de nós reconhecer que dar invertida nesse mito vai além do "aceitar a derrota". 

Enquanto não mudarmos nossa postura com relação ao interior, onde somos reféns de um mito que nós mesmos alimentamos, se não conquistarmos a população com investimento de fato chegando a quem interessa e possa sentir parte dessa mudança, seguiremos apontando o dedo acusatório para o lugar errado, quando deveríamos nós a apoiar mais e decididamente a corajosa militância desse mesmo interior do estado.

PT: dois partidos e nenhuma direção.



Já aviso aos leitores/as, o artigo é longo e trata justamente do momento presente e futuro que vivemos na política brasileira e em particular da esquerda. Não é uma análise eleitoral Lula x Jair, mas sim de uma reflexão sobre o papel do instrumento político que é o partido político, sua forma partido, uma organização que Gramsci designou ser das organizações a de maior importância na sociedade moderna, pois, expressa os projetos societários em disputa na sociedade. E o intelectual marxista tem toda razão. Somada a compreensão de Lênin, para quem o partido da classe trabalhadora deve ser e expressar a vontade da força social que não só representa, e sim impulsiona as transformações necessárias. Ou para Rosa " vermelha", que exigiu da forma partido uma responsabilidade única sobre o rumo estratégico da classe. Luxemburgo por sinal foi lucida em sua Intervenção no Congresso de fundação do Partido Comunista Alemão (https://www.marxists.org/portugues/luxemburgo/1919/mes/40.htm) ao criticar o boicote da ala esquerdista as eleições da Assembleia Nacional, e conclui dizendo: 

"Concluo com a formulação: entre nós, no que se refere aos fins e às intenções, não há nenhuma diferença. Estamos todos sobre o mesmo terreno, combatendo a Assembleia Nacional como um bastião da contrarrevolução, querendo chamar e educar as massas para aniquilar a Assembleia Nacional. Põe-se a questão da conveniência e dos melhores métodos. O de vocês é mais simples, mais confortável, o nosso é um pouco mais complicado e, justamente por isso, considero-o capaz de aprofundar o revolucionamento espiritual(4) das massas. Além disso, a tática de vocês é uma especulação sobre o precipitar dos acontecimentos nas próximas semanas, a nossa encara o caminho, ainda longo, da educação das massas. A nossa tática leva em conta as próximas tarefas ligadas às tarefas da iminente revolução no seu todo, até que as massas proletárias alemãs estejam maduras para segurar as rédeas. O camarada luta contra moinhos de vento ao atribuir-me tais argumentos. Precisaremos recorrer às ruas. Nossa tática apoia-se no fato de que, nas ruas desenvolvemos a ação principal. Isso prova então que, ou bem o camarada quer empregar metralhadoras, ou bem entrar no Reichstag alemão. Ao contrário! A rua deve, em toda parte, dominar e triunfar. Queremos colocar dentro da Assembleia Nacional um sinal vitorioso, apoiado na ação exterior. Queremos explodir este bastião de dentro para fora. Queremos a tribuna da Assembleia Nacional Queremos a tribuna da Assembleia Nacional e também a das assembleias dos eleitores. Quer você decida assim, ou de outra maneira, fica conosco sobre um terreno comum, o terreno da luta revolucionária contra a Assembleia Nacional." 

 E o que isso tem haver com as eleições de 2020? Tem haver o fato de que há sinais para que tenhamos a certeza que ainda haverá vida longa ao petismo na forma eleitoral e institucional a julgar pelo movimento ou humor dos votos de agora serem uma disparidade com 2018. Fato: 2016-2018 foi a agonia do PT, alvo sempre preferencial das frações burguesas no Brasil, nunca foi o Lula o alvo certo, mas o partido. Lula como maior expressão foi carregado para as amarras lavajatistas porquê essas mesmas frações burguesas sabem que a alta dependência do PT ao lulismo só aumentou pós golpe de 2016, tirar de cena ou enfraquecer essa expressão era necessário. As eleições municipais no mesmo ano confirmaram que a derrota do petismo era certa com a destruição do "cinturão vermelho" na grande São Paulo, em especial na região do grande ABC, isolamento e derrotas em lugares de referência em Minas Gerais (Belo Horizonte) e no Rio Grande do Sul (Porto Alegre), o investimento pesado nas facções fascistas-conservadoras-de direita para prosseguir com a ocupação das ruas, lugar antes legitimo da esquerda. 

O PT preferiu seguir uma conveniente oposição institucional contra Temer, voltado as ruas como se nada tivesse acontecido, preferiu seguir uma onda "Fora Temer" mesmo sem legitimidade, a ter que convocar um congresso extra partidário, não público e de intensos debates e deliberações urgentes. Apostou na solidariedade a prisão política de Lula, focando no apelo "popular" pela sua liberdade, voltado o espetáculo às portas do cárcere na PF de Curitiba, enquanto a vida social seguia agonizante, numa paralisia diante das reformas contra os direitos dos/as trabalhadores/as e aguardando as eleições de 2018. 

A ausência da política para um partido é como um corpo humano sem alma, apenas caminha divagando e aguardando. 2018 derrotados todos, mas todos mesmo que pertencem a esse "establishment político", da direita neoliberal à extrema esquerda não houve um que tenha tratado a candidatura de Bolsonaro como "algo realmente sério". Também vindo de um oportunista que nunca trabalhou na vida e mergulhou a vida política numa veia conservadora e saudosista da ditadura militar mantinha um eleitorado fiel, mas de baixa expressão. Só que o fascismo nunca dorme no ponto. A família mafiosa foi aos poucos ocupando os espaços institucionais do parlamento e como alguém que gosta do poder para seus fins privados teve a sorte do momento histórico batendo a sua porta no Brasil e no exterior. 

O rebaixamento político cultural, educacional e de Estado promovido pelos governos neoliberais e conciliados pelo lulismo-dilmismo foram acompanhados de um híper-colonialismo do modo de viver do capitalismo contemporâneo. Comunismo não, consumismo sim! 

Essa lógica do individualismo empreendedor, desindustrialização, banalização do mundo do trabalho de um lado, precarização de outro, só criou uma versão moderna e controlada da versão da "luta de todos contra todos" do livre mercado. A soma de tudo: acumulo de forças, mudanças na conjuntura, clima favorável e uma sociedade desideologizada abriram a porteira de oportunidades que Jair e a família queriam para dar um salto em suas vidas. E deram. O deputado do baixo clero virou presidente. Ah, esqueci do PT. 

E apesar de ser piada de bolsonarista, não seria errado dizer que nesse caso haveria uma certeza: a escolha de Haddad foi uma decisão pessoal do grande líder, direto da PF. Sem direção, sem congresso, sem nem uma reunião de executiva, mesmo que as atas provêm o contrário, o fato de que Lula tornou-se infinitamente maior que o PT após 2010 e 2016 não há duvidas. A chapa era boa, a campanha no clima bom pós golpe, a ida ao segundo turno mostrou o vigor da indignação e no final faltou aquela reunião, aquele congresso, aquela reunião de executiva...perdemos de um candidato que criou um fato político ainda sem resposta (a feikada) e um ausente nos debates. Um fator também era certo: as frações burguesas tinham a crença de que Bolsonaro seria uma versão "Lula" na economia com um upgrade, uma política econômica mais liberalizante. 

Realmente Haddad-Manuela foram guerreiros nessa eleição, enfrentaram mais oposição do que Lula agora em 2022. 2018-2021 Jair e família mostram o que são e o que sempre foram. O governo parecia um hospício, uma tropa de despreparados que desconheciam o Estado, antissociais com as instituições da democracia burguesa, falavam apenas para o cercadinho, foco numa política econômica e social voltada para o grande mercado. 

Teve pandemia! Sim, uma crise sanitária internacional que aqui foi desprezada, o chefe de Estado cagando e andando para as mortes e para o próprio ministério da Saúde que durante uma crise de saúde teve ao todo quatro ministros em curto espaço de tempo, falta de vacina de um lado, oxigênio do outro, corrupção com recursos da saúde em volumes do tamanho da própria pandemia e o show do negacionismo presidencial e seus aliados. Desemprego, fome, crises sanitárias, humanitária, ambiental, entre tantas. 

Despenca aprovação e sobre rejeição. Para a cúpula do lulismo cenário perfeito para o retorno triunfal. Lula solto, livre, sendo absolvido das acusações e derretimento do lavajatismo que já tinha sido corrompido com a subida de Moro ao Ministério da Justiça de Jair "rachadinha". 

Mesmo assim, as eleições municipais de 2020 ainda demostram que a rejeição ao governo de Jair não é maior do que a rejeição ao petismo, mesmo diante desse cenário na capital paulista um novo nome ascende ao segundo turno, Boulos do PSOL, sinais de mudanças nos colégios eleitorais das capitais e grandes cidades onde parte do eleitorado tende para esquerda. Ainda assim, o centro do comando petista prefere a orientação do grande líder, que teve duas posições em tempos diferentes. 

Na saída da prisão Lula afirma que o PT precisa se reinventar, renovar e ampliar o espaço da juventude, aqui o preço é escamotear e pedir que antigos quadros se afastem ou apoiem novos nomes, e lógico, isso não aconteceu. E não aconteceu porque não era uma diretriz partidária ou orientação tática ou estratégica, mas um discurso num momento de grande comoção. O tempo vai passando e as prioridades mudando. 

Mudam ao ponto de priorizar a mesmíssima lógica: aliança-conciliação-pacificação. Ao PT, siga-se o jogo como foi sempre jogado. Mesmos nomes, mesmos financiamentos, os mesmos acenos e muita simbologia para movimentos sociais, identitários, sindicais e populares. Para quem estava acostumado com as coordenações eleitorais, comando de campanha, deliberações partidárias, nada disso, a novidade é a força do "deixa o Lula me levar, leva eu" e levou mesmo. Autonomia total para quem quer fazer campanha, mas restrição para as decisões políticas no processo eleitoral. 2022 o cenário político eleitoral para centro esquerda é: PT = 14 milhões de votos e a retomada de uma bancada de 80 deputados/as, a mesma que conquistou em 2002. Vai entender o eleitor né. Mas tem explicação.

O PT se consolidou como um grande partido da centro-esquerda brasileira. Sem demérito, é a realidade. Até as eleições de 2002 a disputa interna político e ideológica era intensa, já comentei em outro artigo que neste ano até Suplicy disputou prévias contra Lula, para enfrentar as arrogâncias do campo lulista à época. Ainda existem tendências internas, debates, mas não com a intensidade do período. O último ensaio que pode ter tido algum efeito antes mesmo das eleições de 2014, quando setores do campo majoritário lulista e personalidades do campo de esquerda questionaram a reeleição de Dilma diante da crise política e econômico-social que explodiu em 2013 com as manifestações de julho. Estes setores defendiam um recuo tático, retirando Dilma e recolocando Lula, nesse momento a lavajato ainda não tinha "radicalizado" para prisão de Lula, porém a ideia geniosa pode ter vindo daí, nesse momento até setores da elite e da mídia burguesa já atiçavam as hostes petistas com pesquisas de opinião, simulações eleitorais com Lula e Dilma como candidatos, vale lembrar que a voz da burguesia, o jornal "O Estado de São Paulo" deu destaque para uma pesquisa e a chamada foi "Lula é nome favorito para 2014, aponta pesquisa da CNT, [o] ex-presidente receberia 69,8% das intenções de voto, contra 11,9% do senador tucano Aécio Neves; Dilma foi citada por 59% dos eleitores em cenário sem Lula" (Estado de São Paulo e Reuters de 03/08/12, segue o link: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lula-e-nome-favorito-para-2014-aponta-pesquisa-cnt,910543)

Após a reeleição de Dilma vivíamos numa montanha russa constante. 2015 foi a luta contra o golpe, não interpretado pelo PT, como um todo, as manifestações contra o golpe foram se intensificando nas ruas fora da orientação partidária, no PT ainda não havia acordo sobre o risco e nos demais partidos a pauta econômica e de reformas não permitia sequer mover-se na defesa contra um golpe contra a presidente. O estado não era nem de atenção, mas de situação estática.

Precisamos passar por dois momentos-chave para que 2016 fosse o ano da crise se tornar um problema real: o impeachment. Vamos lembrar que Cunha havia tentado negociar sua situação na Comissão de Ética do congresso e o PT tinha os votos para engavetar os pedidos de processos contra Cunha. Tensão e apreensão, no final o PT decide pela continuidade do processo e Cunha declara guerra a presidente, o resto já sabemos: golpe!

O PT retornando à oposição não voltou igual ao que era antes. Isso é a lição da política, "tudo que é sólido se desmancha no ar" e o movimento da sociedade é único como água do rio, que mesmo passando por um sistema de tratamento, nunca será mesma água. Fato, o petismo na oposição associada ao lulismo se tornou o mito do lado de cá do progressismo, sem qualquer direção do partido, a reascenção pós golpe de 2016 não foi de um partido ou uma esquerda renovada e sim de um lulismo fortalecido. Lula encarnou para as novas gerações fora do petismo ou incorporadas por ela pós 2016 a oposição ao Temer-Bolsonaro. Não o partido, o instrumento político que por natureza seria a organização estável do movimento da sociedade.

Desde então, o tamanho das tendências diminuem, sua organicidade sendo substituída pelas personalidades e um elemento de classe que acompanha o PT desde a sua fundação: o estigma às correntes de pensamento político ideológico não é novidade e a mídia burguesa ou PIG na definição de Paulo Henrique Amorin (saudoso) sempre reiteraram que se há o que preferir no PT, que fosse o lulismo, pois os "radicais" reunidos ou desunidos no campo da esquerda  socialista e revolucionária precisavam ser combatidos direta ou indiretamente. Sempre houve critica à Lula, mas o tom era bem mais elevado quando o assunto era destas correntes.

2020 a ausência desse PT ideológico mostrou que com uma organização fraca derrotas também no simbólico eram possíveis de acontecer. Na capital paulistana Boulos vai para o segundo turno contra Bruno Covas, o PT tinha como candidato Jilmar Tatto, nome da elite do petismo paulista, influente em inúmeros governos, porém fora da sua zona de conforto amargou um sexto lugar atrás de França, Russomano e Arthur do Val, situação inédita para o PT desde 1988. Essa simbologia também reflete na ampliação e renovação da bancada do PSOL nas eleições de 2018, ainda em São Paulo temos para federal nomes novos como Sâmia na política ultrapassando em votos nomes tradicionais como Ivan Valente e Erundina, e na Assembleia fazendo uma bancada de quatro deputadas, sendo apenas Gianazzi deputado veterano. 

Há uma migração de votos de um eleitorado de um campo de pensamento à esquerda, independente de partido, migrando do PT para outras legendas, em especial o PSOL? Essa é uma questão que realizo na minha análise para justificar que a ausência de uma direção política, não as pessoas, mas as ideias, o programa, a estratégia, o agitprop, enfim, a disputa de projetos que um partido de esquerda deve fazer para conquistar, mudar ou revolucionar uma sociedade e um Estado. 

Primeiro, minha hipótese é que sim. Porque, no campo parlamentar o que se espera de uma representação de esquerda? Combatividade, denúncia, enfrentamento, disposição para o debate, articular a serviço das pautas classistas, trabalhistas, de políticas públicas e populares. E é justamente o que parte significativa das representações parlamentares tem feito em baixa intensidade, sem essa força que sai dos muros dos parlamentos, que ganha as ruas. E me parece que 2022 venho consagrar essa migração gradual de votantes de várias matizes, sejam elas do petismo, da classe assalariada média progressista, de simpatizantes que desagregados da dinâmica partidária petista que institucionalizou sua forma partido, que marca posição cada vez mais plástica e menos carismática, de presença pontual e não de articulação com as pautas e lutas em movimento, do distanciamento do mundo real das relações sociais mais presentes da classe. 

O Psol em números cresceu pouco, mas em intensidade da sua atuação política pela esquerda associada a novos números eleitorais relevantes tem sido um dos canalizadores dessa migração político eleitoral. A bancada federal com Boulos frente como o mais votado do estado para federal com um milhão de votos, seguido de Erica Hilton, Sâmia, Sônia Guajajara e Erundina, e na Assembleia Legislativa, com cinco deputados/as. O fato é que há uma migração sutil de votos petistas para o parlamentarismo psolista, justamente pelos valores que se espera de uma representação parlamentar de esquerda. Falemos do mundo real, no espectro do eleitorado ativo, sejam ativistas ou militantes, relativamente pequeno, estamos falando de Brasil e de uma esquerda que passou da redemocratização até o primeiro mandato do ex-presidente Lula atuando sobre uma metodologia de lutas internas e de movimento definido por um tipo de organização que ficou tradicional, que ainda persiste, mas agora coexiste com novas formas que abarcam as mudanças da sociedade com relação as pautas políticas que passam pelas lutas identitárias e a precarização do mundo do trabalho, as redes sociais virtuais e as relações sociais, a luta pela sobrevivência de um conservadorismo que acusa essas próprias mudanças da sociedade como desestabilizantes do "mundo perfeito" em que vivemos. 

Esse turbilhão de mudanças evidenciam que algo está acontecendo com a base, mas nenhuma análise tem se preocupado com o lado de cá, pois o lado de lá tem causado mais horror. Contudo, o lado de cá é tão fundamental quanto, porquê aqui estão os ativistas e militantes, indivíduos que se movimentam voluntariamente pela causa ou por uma (ou mais) causas, são imprescindíveis pois quando assumem uma luta a fazem com amor revolucionário, cumprem a tarefa, reúnem pessoas, pautam os debates, não são pautados, ou seja, uma base que tem se dispersado na ausência diretiva do PT.

Segundo, a questão da direção não deve ser interpretado como uma reflexão trotskista, por onde as direções são centrais para que as bases se ocupem das tarefas necessárias da revolução. Minha questão é sobre organização, corpo, massa, força social, estas definições que se tornam responsabilidade do partido. Sem partido não haveria Lula, contudo devemos reconhecer que há Lula sem partido. 

Haverá partido com Lula presidente? Haverá partido com Bolsonaro presidente? Sim, haverá, mas não na forma tradicional de antes e nem cativante para uma base decidida a caminhar por ideais. Muitos perguntam como isso é possível se o PT alçou novos sujeitos, com jovens sendo eleitos parlamentares, mesmo diante da crise que se arrastou desde 2016. Bom, a empolgação do pós golpe e a força atrativa do lulismo ainda criam essa figura popular do petismo, mas o petismo não consegue agregar e agradar os seus. Duas situações são emblemáticas e tristes ao mesmo tempo, uma remete a um problema antigo, a interferência do lulismo com seus interesses sobre os interesses do próprio petismo, como em Pernambuco que em nome da coalisão nacional rifou pela segunda vez Marilia Arraes, e lá deu no deu, saída de Marilia. O caso de Renato de Freitas. vereador em Curitiba cassado após participar de um ato contra o racismo em uma igreja católica é emblemática, já que a direção do PT e o próprio Lula foi dúbia e repreensiva ao jovem vereador, que seguiu em frente e foi eleito deputado estadual. A velha lógica que amadureceu após a derrota de 1989, avançou na década de 1990, se consolidou nos governos do PT, agora maduro segue cristalizando uma triste realidade interna: o PT é centro esquerda e ponto!

Agora, na transição do caos para o futuro governo não impressiona que Alckmin seja o coordenador e muito menos as especulações sobre futuros ministros da coalisão, dos aliados do segundo turno ou das representações políticas simbólicas. Diante do quadro eleitoral e do risco que apresentou uma distancia pouco segura de quase 2 milhões de votos de Lula para o segundo colocado, é fato que o PT se resigne a grandeza da tarefa histórica e se preocupe mais em sua organização partidária, no enfrentamento necessário que passa pela formação e educação política, bem como das tarefas do partido-massa.

 Os sinais de que é necessário e possível seguir em frente na tarefa partido-massa é a adesão da juventude à candidatura de Lula, que representou o anti conservadorismo, uma oposição urgente ao projeto conservador de Bolsonaro. Esse fator precisa ser considerado inclusive pelo partido e pelo governo. Outro elemento é a antiga e urgente inversão de valores do "modo petista de governar", onde a pauta ambiental, antiracista, feminista, lgbtqiap+ e de direitos humanos e sociais que precisa ser enraizada por políticas públicas evidentes e realizadoras, e não apenas simbólicas. Enfrentar o modelo capitalista que âncora os desempregados e desprezados em geral do direito ao trabalho sob o signo de um "empreendedorismo" de serviços que é sazonal, atemporal e instável na economia de mercado, e para isso é preciso minar as bases dessa lógica por uma outra economia possível e urgente, a economia solidária por meio das cooperativas, da circulação econômica solidária, de um novo marco das compras públicas como incentivo aos grupos coletivos, como foi na experiência da compra direta da alimentação escolar e as cooperativas da agricultura familiar, com força e peso das instituições, com a busca pela autonomia progressiva em um campo econômico progressista.

A organização partido ainda demostra que nada aprendeu com o golpe de 2016. Preferiu, na oposição, adotar um tom MDB contra ARENA  aguardando 2022 como se fosse um "passeio", a realidade mostrou que o passeio quase se tornou um calvário.

Dou outro lado, na banda B da esquerda brasileira observamos uma renovação não apenas singela, mas efetiva. A consolidação do Psol à esquerda na tarefa parlamentar atraiu inclusive votos de militantes petistas, e digo militantes e não filiados, já que a condição é totalmente diferente. O/a militante se doa, vive e respira a política, se organiza mesmo sem organização, está em permanente luta e debate, exerce a política na rotina e não pontualmente, doa seu tempo, recursos pessoais e o que mais for necessário à mudança da sociedade. Filiado é filiado, está nas fileiras das fichas em algum HD ou armário de metal. Esse fator representa para onde foi empurrado parte da militância petista que tem votado no executivo no PT e no parlamento no Psol. E porquê? Porque o parlamento é o lugar do combate, do embate, do debate, da luta, do enfrentamento, da denúncia, enfim, a busca por projeto societário.

Não há duvidas que o PT seguirá grande. Também não há duvidas de que Lula não é eterno, é humano. Não há duvidas que o PT seguirá sendo um partido como o PSOE na Espanha, influente, mas não empolgante, apenas necessário quando a classe assalariada precisa arrumar a casa. Mas terá coragem de retomar o debate estratégico de partido, sociedade e Estado? 

Poderia dizer: "só o tempo dirá". Porém o tempo é nosso inimigo quando sabemos que a direita reafirma seu projeto e ainda por cima, organizado como um partido orgânico na sociedade e no Estado, usando seu poder já preexistente na superestrutura e na sociedade civil, apoiada na violência como forma de exercer a política, ou como podemos resumir no lema do Partido Novo, "liberal na economia e conservador nos costumes", isso é fascismo clássico. 

O mal ainda está presente e vivo. E nós? Ganhamos a eleição, estancamos a sangria, contudo a luta continua!  






Recomendo aos interessados que leiam: "A social democracia e o PT de Antonio Ozai; os dois livros de Andre Singer, sito, "Os sentidos do lulismo" e a "Crise do Lulismo"; e "O PT e os rumos do socialismo" de Florestan Fernandes.