Mapa extraído do G1 - votação no estado de São Paulo. As áreas de azul corresponde a Tarcísio e em vermelho Haddad. Há cidades em azul claro - poucas - que representam o atual governador que concorreu pelo Psdb
O mapa do resultado eleitoral de 2022 é quase um cenário estático, onde apesar
da nossa esquerda ter inúmeros pesquisadores e intelectuais, expertos em estudo
de pesquisas e grande elaboradores de análise, ninguém consegue ver o que está
na sua frente. A esquerda vence, mesmo quando perde, na capital e na grande São
Paulo. A relação política é outra, não apenas em volume populacional, mas em
capiralidade e movimento. Está presente nas veias dos muros de concreto, tem uma
cultura mais pulverizada, aberta para inovações, há injustiças que só uma
superestrutura é capaz de produzir e por isso produz mais resistência.
É fato,
na capital um sussurro é grito, no interior um grito pode ser um sussurro.
Desde
a eleição de Genoíno ao governo de São Paulo pelo PT, as chances da esquerda são
apenas aproximações para um segundo turno, com uma barreira que parece ainda
instransponível: o interior. O que fez um desconhecido como Tarcísio ter 9
milhões de votos e estar a frente na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.
Primeiro vai ver que é isso mesmo, "palácio dos bandeirantes", será difícil um
(a) candidato (a) de esquerda vencer o governo estadual onde só capitães do
mato, em sua maioria absoluta já passaram por lá, temos desde os latifundiários
do "café com leite", Adhemar de Barros o "rouba mas faz", o golpe militar de
1964 teve sustentação de forças sociais paulistas, Maluf eternizou a ideia de
"rouba mas faz" e assim vai. Mesmo quem tenha alçado para promover mudanças foi
sendo mudado pela "força dos bandeirantes".
A capital e a grande São Paulo já
teriam eleito um governador de esquerda a muito tempo e sito: Marta Suplicy, Genoíno, Mercadante, Padilha e Marinho, tal é lugar e o papel da capital e sua
zona de influência, a grande São Paulo. Dos partidos da centro esquerda e
esquerda, só o PT poderia ter mudado essa história. Seja no meio sindical, pois
controla o principal sindicato de professores do Brasil, a APEOESP e já
governou inúmeras cidades no interior paulista como França, Ribeirão Preto,
Registro, Campinas, Itapeva, São Jose dos Campos, Santos, Ubatuba, entre tantas.
Porém o que faltou? Eu tive essa impressão de análise quando militei no mandato
do companheiro Luiz Eduardo Greenhalgh, ao viajar e articular com militantes do
PT no interior a impressão era mesma, forte influência do PMDB, ampliação do
PSDB e um conservadorismo que se espraia nas regiões do agronegócio, uma relação
partidária subordinada a capital e ausência de uma política para o interior.
Sem
uma estratégia, as eleições se tornaram apenas parte da lógica e vencer um
município apenas mais uma "máquina administrativa" para governar e aparelhar.
Vimos a perda gradual dessas cidades, sem uma análise necessária do porquê não
mantemos, não criamos um cinturão de proteção que deveria sim envolver ter
quadros políticos internos para uma boa administração e quadros políticos
externos para articular o avanço. Ah uma ladainha discursiva que apenas serve
para acalmar corações e justificar erros, de que o "interior tem outra dinâmica,
é conservador mesmo" e blá, blá, blá. Explica tudo e não resolve nada.
Então
podemos ainda saudar e com razão os bolcheviques que num país gigante como a a
Rússia do início do século XX, pouco industrializado, com grandes parcelas da
população analfabetas e monarquista foi tomado por uma revolução popular-militar
que com meios de comunicação próprios e criando redes de apoio e articulação
venceram. As razões da derrota não superam o fato de que a vitória foi possível,
e se alguns querem debater por esse caminho digo que para o PT que já governou
cidades importantes no interior também foi dizimado a pouco tempo atrás e não se
recuperou. Governamos nada mais nada menos na grande São Paulo apenas Franco da
Rocha e no interior Araraquara, e retomamos Diadema no ABC. Também é verdade que
a intestinal disputa interna é grande responsável pela derrota da estratégia de
ampliar no interior.
No PT há regras para vencer uma disputa, mas não regras
para superá-las. E a função da organização partido seria criar campos de unidade
quando o assunto é ocupar o interior para fortalecer a estratégia eleitoral para
o estado. Sem isso, vamos imaginar hipoteticamente uma revolução, vai ser lindo
as ruas vermelhas na capital, o povo sorrindo, as mudanças acontecendo, mas
lembrar da Comuna de Paris? É, essa merda pode e vai acontecer aqui também. Não
subestimo a burguesia. Vamos aos números: primeiro tirar os lugares onde a onda
lulista foi grande pelos motivos (quase) óbvios, na capital (Lula-Haddad
vencem), hna grande São Paulo onde governamos Diadema e Franco da Rocha e
adjacências, macro Osasco vencemos em várias cidades, inclusive Osasco.
Agora
onde não se explica: vencemos em Barra do Turvo, Ribeira, Apiaí entre outras
cidades que pertencem a região de Sorocaba (bem no fundão, já divisa com o
Paraná), uma cidade chamada Coronel Macedo deu 50% dos votos pra Haddad, cerca
de 1400 votos, outra Marabá Paulista 50% (1.100), as cidades sob influência das
lutas do MST como Teodoro Sampaio, Rosana e Euclides da Cunha cerca de 40% a
50%, Dolcinópolis deu 51% de votos para Haddad (800 votos) e 29% para Tarcísio,
Bananal e Areias no Vale do Paraíba juntas somam quase 3.000 votos, em Itapura
já divisa com Mato Grosso, deu 56% (1200) para Haddad, e assim vai. Um partido
deveria ter uma estratégia. Hora de guerrear internamente e hora de governar
externamente.
O PT de São Paulo deveria ter a obrigação de apoiar diretamente
estes munícipios num projeto de poder estadual, oferecer às cidades pequenas uma
chance para mostrar que a esquerda, o socialismo e o comunismo tem mais o
oferecer na gestão pública, o medo de ver afetada suas vidas morais apenas serve
de combustível para que o interior e o litoral sejam cada vez mais isso, lugares
apêndices. Importante constatar que quem provou que o interior pode evoluir
culturalmente e politicamente foi a própria ditadura militar. Na estratégia de
constituir a integração de institutos de ensino superior em 1976 o governo do
estado cria a UNESP, sua presença no interior produz uma cultura política
adversa ao traço conservador, mostrando o caminho no campo da política
partidária de que não precisamos nos prender a lógicas ou ideias preconcebidas de como funciona essa dinâmica. Nem ficar com o dilema do "adaptar-se ou
resistir", basta ousar em querer existir e resistir.
Os números e as
articulações subterrâneas do conservadorismo paulista podem até nos empurrar para
uma tragédia, mas ainda não perdemos essa batalha. Lutar até o fim e numa virada
caso vença, o governo Haddad, suas alianças e coalisões, bem como o PT precisam
saber "o que fazer?" para reverter não eleitoralmente, mas culturalmente uma
lógica política que trava e desamina quem pouco quer entender a dinâmica do
interior.
Neste segundo turno os avanços foram poucos, mas expressam o raio de influência por onde o PT governa ou tem força social, como na região de Araraquara com prefeito Edinho a frente, na grande São Paulo em especial Macro Osasco e Grande ABC e na capital a força social do petismo e do anti bolsonarismo. Não fazer a leitura das tarefas necessárias do partido é querer seguir tentado vencer no estado de São Paulo por pura osmose.
É inegável que ampliação de Tarcísio, em azul escuro, foi considerável, Haddad empata ou perto por pouco nas cidades marcadas com azul claro e vence nas cidades em tom de vermelho (escuro ou claro). Assim, temos um desafio que não compete apenas ao PT, mas a esquerda de modo geral, se quer vencer na capital financeira do capitalismo brasileiro deve assumir uma estratégia que caiba o interior. O interior paulista representa o conservadorismo das elites do agronegócio, que parece uma versão terrível da pré industrialização paulista e do Brasil de antes da década de 1920-30, e como sabemos pela história, esse tipo de elite tende a ser mais conservadora. A desindustrialização não afetou apenas a burguesia, mas atingiu a esquerda na possibilidade de organizar a classe trabalhadora como polo mais dinâmico e atuante da luta de classes, e com isso, o interior pressionado também por uma economia do empreendedorismo dos serviços é apenas força auxiliar do agronegócio. E os bloqueios dos derrotados só mostra que os desafios são ainda maiores com a consolidação da direita conservadora paulista, se contrapor exige mais do que discurso, exige ação em várias frentes.
Se seguirmos a lógica errada, tenho pena dos meus valorosos
companheiros e companheiras interior afora que resistem bravamente pela
liberdade, pela justiça social, contra a desigualdade, o agronegócio, entre
tantas expressões de uma questão que depende de nós reconhecer que dar invertida
nesse mito vai além do "aceitar a derrota".
Enquanto não mudarmos nossa postura
com relação ao interior, onde somos reféns de um mito que nós mesmos alimentamos, se não conquistarmos a população com investimento de fato chegando a quem interessa e possa sentir parte dessa mudança, seguiremos apontando o dedo
acusatório para o lugar errado, quando deveríamos nós a apoiar mais e
decididamente a corajosa militância desse mesmo interior do estado.