sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A esquerda e o interior paulista, ou repensa sua estratégia ou nunca irá avançar!


O mapa do resultado eleitoral de 2022 é quase um cenário estático, onde apesar da nossa esquerda ter inúmeros pesquisadores e intelectuais, expertos em estudo de pesquisas e grande elaboradores de análise, ninguém consegue ver o que está na sua frente. A esquerda vence, mesmo quando perde, na capital e na grande São Paulo. A relação política é outra, não apenas em volume populacional, mas em capiralidade e movimento. Está presente nas veias dos muros de concreto, tem uma cultura mais pulverizada, aberta para inovações, há injustiças que só uma superestrutura é capaz de produzir e por isso produz mais resistência. 

É fato, na capital um sussurro é grito, no interior um grito pode ser um sussurro. 

Desde a eleição de Genoíno ao governo de São Paulo pelo PT, as chances da esquerda são apenas aproximações para um segundo turno, com uma barreira que parece ainda instransponível: o interior. O que fez um desconhecido como Tarcísio ter 9 milhões de votos e estar a frente na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. Primeiro vai ver que é isso mesmo, "palácio dos bandeirantes", será difícil um (a) candidato (a) de esquerda vencer o governo estadual onde só capitães do mato, em sua maioria absoluta já passaram por lá, temos desde os latifundiários do "café com leite", Adhemar de Barros o "rouba mas faz", o golpe militar de 1964 teve sustentação de forças sociais paulistas, Maluf eternizou a ideia de "rouba mas faz" e assim vai. Mesmo quem tenha alçado para promover mudanças foi sendo mudado pela "força dos bandeirantes". 

A capital e a grande São Paulo já teriam eleito um governador de esquerda a muito tempo e sito: Marta Suplicy, Genoíno, Mercadante, Padilha e Marinho, tal é lugar e o papel da capital e sua zona de influência, a grande São Paulo. Dos partidos da centro esquerda e esquerda, só o PT poderia ter mudado essa história. Seja no meio sindical, pois controla o principal sindicato de professores do Brasil, a APEOESP e já governou inúmeras cidades no interior paulista como França, Ribeirão Preto, Registro, Campinas, Itapeva, São Jose dos Campos, Santos, Ubatuba, entre tantas. Porém o que faltou? Eu tive essa impressão de análise quando militei no mandato do companheiro Luiz Eduardo Greenhalgh, ao viajar e articular com militantes do PT no interior a impressão era mesma, forte influência do PMDB, ampliação do PSDB e um conservadorismo que se espraia nas regiões do agronegócio, uma relação partidária subordinada a capital e ausência de uma política para o interior. 

Sem uma estratégia, as eleições se tornaram apenas parte da lógica e vencer um município apenas mais uma "máquina administrativa" para governar e aparelhar. Vimos a perda gradual dessas cidades, sem uma análise necessária do porquê não mantemos, não criamos um cinturão de proteção que deveria sim envolver ter quadros políticos internos para uma boa administração e quadros políticos externos para articular o avanço. Ah uma ladainha discursiva que apenas serve para acalmar corações e justificar erros, de que o "interior tem outra dinâmica, é conservador mesmo" e blá, blá, blá. Explica tudo e não resolve nada. 

Então podemos ainda saudar e com razão os bolcheviques que num país gigante como a a Rússia do início do século XX, pouco industrializado, com grandes parcelas da população analfabetas e monarquista foi tomado por uma revolução popular-militar que com meios de comunicação próprios e criando redes de apoio e articulação venceram. As razões da derrota não superam o fato de que a vitória foi possível, e se alguns querem debater por esse caminho digo que para o PT que já governou cidades importantes no interior também foi dizimado a pouco tempo atrás e não se recuperou. Governamos nada mais nada menos na grande São Paulo apenas Franco da Rocha e no interior Araraquara, e retomamos Diadema no ABC. Também é verdade que a intestinal disputa interna é grande responsável pela derrota da estratégia de ampliar no interior. 

No PT há regras para vencer uma disputa, mas não regras para superá-las. E a função da organização partido seria criar campos de unidade quando o assunto é ocupar o interior para fortalecer a estratégia eleitoral para o estado. Sem isso, vamos imaginar hipoteticamente uma revolução, vai ser lindo as ruas vermelhas na capital, o povo sorrindo, as mudanças acontecendo, mas lembrar da Comuna de Paris? É, essa merda pode e vai acontecer aqui também. Não subestimo a burguesia. Vamos aos números: primeiro tirar os lugares onde a onda lulista foi grande pelos motivos (quase) óbvios, na capital (Lula-Haddad vencem), hna grande São Paulo onde governamos Diadema e Franco da Rocha e adjacências, macro Osasco vencemos em várias cidades, inclusive Osasco. 

Agora onde não se explica: vencemos em Barra do Turvo, Ribeira, Apiaí entre outras cidades que pertencem a região de Sorocaba (bem no fundão, já divisa com o Paraná), uma cidade chamada Coronel Macedo deu 50% dos votos pra Haddad, cerca de 1400 votos, outra Marabá Paulista 50% (1.100), as cidades sob influência das lutas do MST como Teodoro Sampaio, Rosana e Euclides da Cunha cerca de 40% a 50%, Dolcinópolis deu 51% de votos para Haddad (800 votos) e 29% para Tarcísio, Bananal e Areias no Vale do Paraíba juntas somam quase 3.000 votos, em Itapura já divisa com Mato Grosso, deu 56% (1200) para Haddad, e assim vai. Um partido deveria ter uma estratégia. Hora de guerrear internamente e hora de governar externamente. 

O PT de São Paulo deveria ter a obrigação de apoiar diretamente estes munícipios num projeto de poder estadual, oferecer às cidades pequenas uma chance para mostrar que a esquerda, o socialismo e o comunismo tem mais o oferecer na gestão pública, o medo de ver afetada suas vidas morais apenas serve de combustível para que o interior e o litoral sejam cada vez mais isso, lugares apêndices. Importante constatar que quem provou que o interior pode evoluir culturalmente e politicamente foi a própria ditadura militar. Na estratégia de constituir a integração de institutos de ensino superior em 1976 o governo do estado cria a UNESP, sua presença no interior produz uma cultura política adversa ao traço conservador, mostrando o caminho no campo da política partidária de que não precisamos nos prender a lógicas ou ideias preconcebidas de como funciona essa dinâmica. Nem ficar com o dilema do "adaptar-se ou resistir", basta ousar em querer existir e resistir. 

Os números e as articulações subterrâneas do conservadorismo paulista podem até nos empurrar para uma tragédia, mas ainda não perdemos essa batalha. Lutar até o fim e numa virada caso vença, o governo Haddad, suas alianças e coalisões, bem como o PT precisam saber "o que fazer?" para reverter não eleitoralmente, mas culturalmente uma lógica política que trava e desamina quem pouco quer entender a dinâmica do interior.

Neste segundo turno os avanços foram poucos, mas expressam o raio de influência por onde o PT governa ou tem força social, como na região de Araraquara com prefeito Edinho a frente, na grande São Paulo em especial Macro Osasco e Grande ABC e na capital a força social do petismo e do anti bolsonarismo. Não fazer a leitura das tarefas necessárias do partido é querer seguir tentado vencer no estado de São Paulo por pura osmose.


 
É inegável que ampliação de Tarcísio, em azul escuro, foi considerável, Haddad empata ou perto por pouco nas cidades marcadas com azul claro e vence nas cidades em tom de vermelho (escuro ou claro). Assim, temos um desafio que não compete apenas ao PT, mas a esquerda de modo geral, se quer vencer na capital financeira do capitalismo brasileiro deve assumir uma estratégia que caiba o interior. O interior paulista representa o conservadorismo das elites do agronegócio, que parece uma versão terrível da pré industrialização paulista e do Brasil de antes da década de 1920-30, e como sabemos pela história, esse tipo de elite tende a ser mais conservadora. A desindustrialização não afetou apenas a burguesia, mas atingiu a esquerda na possibilidade de organizar a classe trabalhadora como polo mais dinâmico e atuante da luta de classes, e com isso, o interior pressionado também por uma economia do empreendedorismo dos serviços é apenas força auxiliar do agronegócio. E os bloqueios dos derrotados só mostra que os desafios são ainda maiores com a consolidação da direita conservadora paulista, se contrapor exige mais do que discurso, exige ação em várias frentes.

Se seguirmos a lógica errada, tenho pena dos meus valorosos companheiros e companheiras interior afora que resistem bravamente pela liberdade, pela justiça social, contra a desigualdade, o agronegócio, entre tantas expressões de uma questão que depende de nós reconhecer que dar invertida nesse mito vai além do "aceitar a derrota". 

Enquanto não mudarmos nossa postura com relação ao interior, onde somos reféns de um mito que nós mesmos alimentamos, se não conquistarmos a população com investimento de fato chegando a quem interessa e possa sentir parte dessa mudança, seguiremos apontando o dedo acusatório para o lugar errado, quando deveríamos nós a apoiar mais e decididamente a corajosa militância desse mesmo interior do estado.