domingo, 10 de outubro de 2021

ROUND 6 : A perturbadora forma de viver do capitalismo atual.

 


Gosto dos recursos da sétima arte e acredito no seu papel educador. A despeito das criticas ao enredo onde um grupo de fudidos da nossa classe trabalhadora endividados pela sociedade do capital são convencidos a participarem de um jogo em que podem ficar ricos. Porém, o que tem perturbado parte da critica popular é que os jogos são jogos praticados na infância e os perdedores perdem a vida. A grande sacada do enredo da série é a critica acida e dura sobre o momento em que nos encontramos diante da forma de vida e sobrevivência do capitalismo global, indico a analise de Luciana Coelho (FSP, 07/10/21) (link: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/lucianacoelho/2021/10/round-6-faz-sucesso-ao-opor-capitalismo-selvagem-a-totalitarismo-igualitario.shtml

A verdade é perturbadora, ainda mais quando a contradição transborda pelos poros de um bando de "espertos". Os mesmos tipos de hipócritas, oportunistas, bons de conversas, moralistas, estudados, "bem sucedidos", racistas, machistas, religiosos sem caráter, enfim, só "tutti buona gente" que a sociedade capitalista produz. Os velhos estereótipos que são vistos na prática das relações sociais em momentos de crise da humanidade evidenciam o mal que representa a sociedade do capital. Basta ver o começo da pandemia da Covid-19 em março de 2020, e eu vivi para ver desde a escassez do álcool em gel e o vazio das baias de papel higiênico, passando pelos fura-filas da vacina, e só isso explica o vazio que a sociedade de mercado trouxe para todxs nós.

Então, reconhecendo a dor e desgraça pelo que passamos, porque ainda assistir Round 6? Simples, porque o Brasil chega aos 600 mil pessoas mortes pela Covid-19 sem causar nenhuma comoção que exigiria já uma revolta popular, nem uma "comoção nacional" já que a sociedade esta anestesiada pela mais velha lógica da alienação, apresentando os desafios do nosso tempo com domínio das novas tecnologias sobre as pessoas numa relação de dominação individualista, auto regulável, como se a exploração passassem ilesa como parte integrante da vida e não uma ideologia à enfrentar.

Pessoas merecem morrer pelos erros que cometem? Sigo minha posição em defender que não. Porém, o que a série mostra é como já nos relacionamos com desgraça humana desse sistema, via os "big brothers", os shows que impõem como competição destruir o coletivo, derrubar o próximo, ou seja, destruir o próximo se tornou uma diversão que permitimos deixar entrar em nossas casas e nossas mentes sem refletir criticamente.

Agora, isso vem sem uma intenção? Se prefere achar assim, siga em frente e cuidado para não acabar num desses jogos. Inclusive nem precisa procurar, se o seu banco já lhe incomodou em algum momento bem vindo (a).

E se alguém duvida que estejamos já inseridos nessa roda vida, basta ver o noticiário oficial: 

Segundo a Agencia Brasil de 05/08/21, o "Endividamento das famílias bate novo recorde em julho" (link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-08/endividamento-das-familias-bate-novo-recorde-em-julho), diz que "O percentual de famílias que relataram ter dívidas no mês de julho chegou a 71,4%, o maior patamar da série histórica, iniciada em 2010. A alta é de 1,7 ponto percentual na comparação com junho e de 4 pontos em relação a julho de 2020, o maior aumento anual verificado desde dezembro de 2019.(...) Dívidas, o tempo médio de atraso para quitação das dívidas ficou em 61,9 dias em julho. A principal dívida das famílias é no cartão de crédito, modalidade assinalada por 82,7% dos endividados, o maior nível da série histórica. Carnês de lojas foram indicados por 18% das famílias, 9,8% têm dívidas com crédito pessoal e 9,7% com financiamento da casa própria.".

Jogar para o individualismo ou "livre escolha" é apenas um discurso liberal sem vergonha que encobre o verdadeiro abismo que está colocada a maioria da população mundial. O capitalismo indiretamente cria seu jeito de controlar e combinar o crescimento populacional com a produção em larga escala de mais valia, acrescido de juros, capital e caos social.

Depois de maratonar a série haveriam muitos aspectos para serem levantados dentro de cada episódio, contudo, muita coisa se confunde com uma outra série de sucesso,"The Walking Dead", onde descobrimos que o problema não é a pandemia global que dizimou humanos e transformou uma parte em zumbis, mas a própria humanidade sobrevivente que mergulhou no caos sob uma hegemonia dos valores dominantes, opressores e explorador que castrou ideais coletivos, e o que fica presente nas relações é essa ideologia dominante. 

Então, poderia dizer que não há nada que acrescentar já que ambas tratam da mesma configuração político ideológica? 

Não necessariamente. Round 6 ainda é contemporâneo em termos do nosso tempo presente, daquilo que não nos surpreende, já que não nos importamos com a vida do outro até que a nossa esteja em perigo ou que o mundo cotidiano a nossa volta se feche mais e mais diante das dívidas financeiras contraídas para manutenção dessa forma de vida do capitalismo neoliberal. E o Estado neoliberal que se torna uma representação repressora dos interesses coletivos, incorporando a passividade do absurdo, na chamada da série um dos jogadores tenta alertar a polícia, mas é desacreditado já que a definição de "loucura" segue a mesma de tempos passados, tudo que "foge ao normal" é "louco" e não deve ser levado em consideração, desde que não interfira na ordem vigente.

E o que levou "homens brancos" endinheirados a propor um jogo mortal que tira vidas humanas? A palavra "diversão" sai com a naturalidade de quem assiste os atuais jogos de realidade como os "big" da vida, escolhe um para se tornar vencedor e determina o destino dos outros a expulsão (ou morte moral, ainda não corporal). A noção de diversão inclusive é uma questão que difere as classes e seja em nome de uma suposta "igualdade totalitária" como é definida em Round ou em nome de uma "paz social" purificada em nome de Deus nos filmes do gênero "Noite de Crimes", diversão também é a motivação dos estadunidenses endinheirados que vieram pousar em "Bacuraru". Sim, a diversão dos ricos pode ser cruel, já que não há limites para opressão da classe dominante.

E se em algum momento ao assistir Round 6, em particular após o quarto episódio, podemos até intimamente nutrir a ideia de que "fulano merecia morrer", e se você pensou assim, como eu, já cometemos um deslize ideológico e político grave contra direitos humanos.

A questão ainda é a humanidade: se ajoelhar ou resistir? Será que, se nos shows de realidade, como os "Big Brothers" sua ligação telefônica determinasse a morte do oponente você seguiria colaborando? O tempo presente nos diz que sim! E isso é uma constatação de uma sociedade que está erodindo por dentro por um sistema que mesmo mutante, como o capitalismo, segue mudando não para o melhor da humanidade, mas para o pior.

Desculpem pelas más noticias. Assistam Round6 e se possível sigam com necessárias reflexões sobre que sociedade queremos construir e por onde começar. 

Se quer respostas, se desafie a pensar.

Pra terminar, #forabolsonaro!