terça-feira, 15 de julho de 2025

Deu PT? Eleições internas seguem na contramão da organização.


Algo está fora da ordem. Não, tudo segue orientada pela ordem, pelo menos no "comitê" central do Partido dos Trabalhadores (PT). Dia 06 de julho de 2025 os filados (as) seguiram em marcha para as urnas para "escolher" a nova direção do partido, como um fetiche pela democracia liberal limitada ou um masoquismo democrático o Processo de Eleições Diretas do PT representa hoje uma farsa em forma de "participação" massificada. Não foi uma "festa" da democracia, passou como um ato protocolar, sem o mesmo entusiasmo  de outros tempos.
Mesmo com a adiamento das eleições internas em Minas Gerais, num confronto patético entre as correntes dominantes que levou a justiça comum a decisão sobre o pleito, os números não mentem, em tese o partido conta com mais de um milhã de filiados, alcançou cerca de 550 mil, a metade diriam os otimistas. O mais constrangedor é a tabelinha do site do PT (https://pt.org.br/pt-faz-maior-ped-da-sua-historia-com-quase-550-mil-votantes/)


Cuja indicação é de que foi o "maior" PED da sua história, como se fosse um dado solto e que pudesse provocar grande euforia para o partido. Contudo, os anos de 2017 a 2019 foram os períodos terríveis de Temer e Bolsonaro, uma baixa que mostrou dois erros: um erro é o discurso da unidade que contaminou o partido, que deveria ser chamada de "abraço dos afogados", num período onde nenhuma força política interna pôde se posicionar de forma arrogante, pois em 2016 o PT tomou o maior tombo de sua história com a derrota em inúmeros municípios pelo Brasil e em 2019 primeiro ano do gov Bolsonaro, e segundo erro, a ausência total de uma reflexão coletiva, nenhum congresso extraordinário, nenhuma ação organizativa que pudesse coesionar o partido internamente, desde 2013, passando pelo golpe contra Dilma em 2016 e a vitória de Bolsonaro em 2018 e com Lula preso qualquer partido de esquerda que se preze deveria ter buscado reunir sua militância para uma analise estratégica, renovar o programa e definir os caminhos da luta social, eleitoral, popular e sindical. 

A direção, os "capas-pretas", os mandatários e demais autoridades internas preferiram seguir com suas vidas, com um pé no "Lula Livre" e outro numa oposição quase idêntica ao MDB durante a ditadura militar, viu o revés com a libertação de Lula e as portas abertas para as eleições de 2022. A busca pelo poder "rápido" ainda sob as hostes do lulismo é a força motriz de quem dirige o PT hoje. 

Escrevi, assim da posse de Lula sobre quanto tempo levaria ao partido para reprimir posições criticas de esquerda, abandonar o barco da luta anti-imperialista e anti capitalista neoliberal, e para minha pouco surpresa, menos de duas semanas de janeiro de 2023. Começaram os seguidores do lulismo a interromper qualquer critica legitima do lado de cá, que busca entender que para fortalecer o governo Lula como lugar de resistência e reconstrução pós Temer-Bolsonaro era necessário reagir. 

E sinais não faltaram, temos a tentativa de golpe ainda no mês de janeiro de 2023, as crises com Campos Neto no Banco Central, o revés de Motta e Alcolumbre na questão do aumento de impostos no IOF, cito estes para não me estender, como o constrangimento da extração de petróleo na bacia da Foz da Amazônia.

Do outro lado  o governo Lula foi surpreendido com as lutas que emergem fora do seu campo de visão, seja as lutas contra a anistia aos golpista de 08 de janeiro de 2025, ou a luta contra a escala 6x1 que atinge a juventude brasileira, que se tornou pauta fundamental e a recente exposição do que de fato promove as desigualdades, que é luta pela taxação dos bilionários. Em todas, o protagonismo do PT foi ridícula, com um empenho protocolar nas redes. 

Mas desde 2013 o PT que tinha como certo de que como maior partido da centro-esquerda, sem ele "nenhuma mobilização social" iria prosperar virou um mito. Nas mobilizações contra a anistia aos golpistas, contra escala 6x1 e na recente luta pela taxação dos bilionários, o que se viu são novas formas de participação e mobilização que não dependem da participação do PT. Se isso não é um sinal não sei mais o que seria?

Voltamos ao PED, nada de novo. Edinho Silva é um membro do establishment, onde das tarefas realizadas foi de ser Ministro da Comunicação Social do governo Dilma Roussef, e para um partido cuja região nordeste foi determinante, fiel e dando seu voto de confiança, internamente no PT Lula preferiu uma saída domestica, novamente o partido é presidida por um paulista. Sua votação também não expressa uma unidade, já que dos 550 mil, apenas 378 mil deram votos para sua vitória.

Seguimos para 2026 numa zona cega. No revés das pesquisas de avaliação do governo Lula a sua aprovação empata com a desaprovação após os ataques do Congresso nacional pelo Centrão, das medidas de taxação de Trump sobre o Brasil e o pedido de condeção dos golpistas, mas isso é apenas um sopro, há desafios pela frente, uma delas é o congresso nacional, se não buscarmos unidade para eleger uma bancada de deputados/as e senadores/as, não adianta buscar o poder executivo.

Vivemos um parlamentarismo de interesses, cuja lógica de classe é a busca por pilhar o Estado para atender a fome dos ricos, isso é fato! 

É preciso ter um olhar para o que interessa. Se o PT quer de fato avançar contra o fascismo precisa construir uma base, precisará trair aliados nos estados sim, esses aliados do centrão, os infiéis nas votações da base. Se o PT não quer se unir ao campo mais a esquerda como Psol, UP, PCB e outros, precisa dialogar para dar apoio e contribuir para que esse campo supere suas divergências e elejam pelo menos 8% do congresso, e o PT e seu campo (PSB, PcdoB, PDT e outros) possam avançar mais:


A esquerda nunca alcançou 50% do congresso, talvez essa tarefa nunca tenha sido parte de uma ação estratégica. Talvez isso tenha que mudar. 

Talvez o PT como partido tenha que entender que não basta "mobilizar" seus filiados. Precisa voltar ao jogo político e fazer política de classe, mesmo que isso não seja da vontade de alguns, mas o jogo é esse no momento, a direita sabe o que quer e busca seja pelo absurdo, seja pela ousadia.

No quadro atual, não estamos empolgando nem pelo absurdo e muito menos pela ousadia.

Se recuar na luta contra os bilionários, irá amargar um 2026 com mais dificuldades do que já vivencia. 

Uma parte da esquerda compreendeu isso, tem ido a campo e buscado eleger e ocupar esse lugar do congresso, provou que há possibilidades para avançar. 

As demais lutas seguem no dia a dia. Temos o Plebiscito Popular percorrendo as ruas do país. As ruas não vão esperar o PT decidir o que quer da vida.





 


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Dr. Victor Frankenstein repudia seu monstro | Carta semanal 2 (2025)

 

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Dr. Victor Frankenstein repudia seu monstro | Carta semanal 2 (2025)

Zulkifli Yusoff (Malásia), Sem título, 1995.

Queridas amigas e amigos,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Pouquíssimos humanos tiveram a sorte de descer às profundezas dos oceanos do mundo. O lugar mais profundo — 11 quilômetros abaixo do nível do mar em seu ponto mais profundo — é a Fossa das Marianas, que está localizada ao norte das 607 ilhas dos Estados Federados da Micronésia, no Oceano Pacífico (em comparação, o Monte Everest está quase 9 quilômetros acima do nível do mar). Lá embaixo, nas profundezas abaixo de 6 quilômetros, no que é chamado de zona hadal, não há luz. É chamada de zona hadal em homenagem a Hades, o antigo deus grego do submundo. Em Os Persas, de Ésquilo, o coro canta: “Hades, o deus que tudo recebe, toma tudo em suas mãos e nunca os liberta”. As profundezas são tratadas com medo, a escuridão abaixo é quase uma porta de entrada para o inferno de fogo de Hades.

Exploradores que estiveram nas profundezas do oceano em vários submarinos relatam que a escuridão é total por 6 quilômetros. Mas mesmo nas águas mais profundas, eles testemunharam flashes de luz e então viram que criaturas do fundo do mar emitem sua própria luz (bioluminescência) para atrair parceiros ou caçar alimentos, produzindo luciferina (uma molécula emissora de luz) e luciferase (uma enzima), ambas palavras vindas do latim e que significam “portador da luz”, que interagem e produzem fótons. De fato, um novo estudo nos diz que 76% dessas criaturas das profundezas do mar possuem essa habilidade. Alguns são tão pequenos quanto algas unicelulares que não podem ser vistas pelo olho humano, enquanto outros são tão grandes quanto uma lula gigante, que pode atingir até 13 metros de comprimento. Existem criaturas únicas nessas grandes profundezas, muitas delas evoluíram para se adaptar não apenas à escuridão, mas também à extrema pressão da água (16 mil libras por polegada quadrada ou psi, em comparação com cerca de 14,7 psi no nível do mar). Eles receberam nomes fantásticos de humanos que os veem por sua estranheza: tubarão-duende, polvo-dumbo, lula-vampira, vermes zumbis, peixe-machado seminu. A chave para sua sobrevivência não está apenas em seus olhos e bocas fantásticos, mas na luz que eles produzem para combater a escuridão.

Jean Cocteau (França), Édipo ou a encruzilhada dos três caminhos, 1951.

A luta pela sobrevivência define a história natural e humana na Terra. Nenhum animal ou planta sucumbe a quaisquer desafios absurdos que lhe sejam impostos. Nas praias de Pohnpei, um dos Estados Federados da Micronésia, há flores — como os lindos hibiscos costeiros laranja, rosa e vermelho — que brotam do solo arenoso e florescem quando a água salgada as banha. Em 2013, o poeta pohnpeiano Emelihter Kihleng escreveu “Maré”, que captura essa resiliência:

A maré me puxa,
um lembrete das coisas que se perderam
e das coisas que retornam.
Eu estou na praia,
pés afundados na areia,
imaginando se o oceano se lembra de mim.

Pohnpei não foi bombardeado na Segunda Guerra Mundial e foi poupado dos testes nucleares que atingiram o Atol de Bikini (23 testes nucleares dos EUA entre 1946 e 1958) e o Atol de Enewetak (43 testes nucleares entre 1948 e 1958), ambos a aproximadamente 900 a 600 quilômetros de distância, respectivamente.

Em 1934, Jean Cocteau publicou a peça La Machine infernale [A máquina infernal]. Nele, o Oráculo de Delfos, que conhece a história de Hades, diz ao sábio Édipo: “O mundo subterrâneo nada mais é do que um espelho do mundo superior, onde encontramos apenas o mesmo rosto, os mesmos destinos e as mesmas sombras”. Mas, na verdade, o Oráculo de Delfos errou. Nas profundezas, perto dos portões de Hades, em vez de sucumbir à sua situação, as criaturas que ali vivem — apesar da realidade do lema de Thomas Hobbes, Bellum omnium contra omnes [a guerra de todos contra todos, ou a luta pela sobrevivência] — produzem sua própria luz interior por razões de reprodução ou preservação. Quando li sobre a onipresença desses animais bioluminescentes nas profundezas do oceano, senti mais as implicações metafóricas do que as evolutivas: sua luminescência é meramente uma reação bioquímica ou pode ser lida como resiliência?

Do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social chega o dossiê n. 83 (dez. 2024), O falso conceito de populismo e os desafios da esquerda: uma análise de conjuntura da política no mundo do Atlântico Norte Este texto foi estimulado pela vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos, mas também pela sensibilidade entre setores do antigo liberalismo e da social-democracia de que é isso — a chegada da extrema direita de um tipo especial — a causa dos problemas que a humanidade enfrenta. Trump sozinho não nos deu os hábitos de intimidação e repressão que os Estados Unidos e seus aliados infligem ao Sul Global. Trump nasceu em 1946, um ano depois de os EUA usarem bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Quando criança, os EUA invadiram a península coreana (1945) e interferiram nas eleições na Costa Rica (1948), Síria (1949), Irã (1953) e Guatemala (1954). Trump certamente definiu os termos para a ofensiva regional israelense com os Acordos de Abraham (2020), mas ele não assinou as ordens para transferir sistemas de armas perigosos para Israel para sua guerra genocida, nem é a única força no Atlântico Norte comprometida em defender seus financiadores.

Trump é um produto do pacto neoliberal. Ele é o monstro de Frankenstein. Sua afirmação de ser um bilionário self-made é tão realista quanto sua afirmação de ser um político self-made: em ambas as áreas, ele foi impulsionado por forças muito maiores do que ele. Quando os antigos liberais e muitos dos sociais-democratas deixaram de lado seus compromissos com o bem-estar social e o bem comum e salivaram em direção ao neoliberalismo, eles perderam cada vez mais popularidade entre grandes setores do eleitorado no Atlântico Norte. Esses velhos liberais e alguns social-democratas usaram o estado para desviar enormes partes do excedente para criar bilionários e depois assumir empregos no mundo deles. À medida que perdia sua base, a classe dominante buscava freneticamente uma maneira de manter sua hegemonia eleitoral. Isso significava, primeiro, destruir a possibilidade de qualquer renascimento do assistencialismo por meio da centro-esquerda (a sabotagem contra a campanha de Bernie Sanders e a conspiração contra Jeremy Corbyn são exemplos disso) e depois encontrar candidatos dispostos a dizer qualquer coisa para criar e disciplinar uma nova base (desde que esses novos candidatos, como Trump, permanecessem comprometidos com as estruturas rígidas de extração de excedentes do trabalho social de muitos para as contas bancárias de poucos). Com o tempo, incapazes de cumprir suas promessas, Trump e outros da extrema direita de um tipo especial cairão na desgraça com sua base. Quando isso acontecer, a classe dominante, os Frankensteins do capitalismo, encontrarão outro mágico que deslumbrará uma base desorientada enquanto continuará a impor brutalidades aos trabalhadores e camponeses do mundo.

Salah Elmur (Sudão), Jubileu de Ouro, 2020.

O que a presidência de Trump significará para o mundo, pergunta o comentarista liberal? O que o pacto neoliberal significou para o mundo? Quando o “mal menor” do pacto neoliberal — Biden nos Estados Unidos, Starmer no Reino Unido, Macron na França, Scholz na Alemanha (e até o patético fim de sua carreira política, Trudeau no Canadá) — é totalmente cúmplice de um genocídio em andamento, há pouco que Trump possa fazer para ser pior. Além de “terminar o trabalho” em Gaza, como ele e seus comparsas prometeram fazer, talvez tudo o que resta seja se ele realmente, ao estilo do Dr. Strangelove, é conduzir o extermínio da raça humana e a aniquilação do planeta. Mas mesmo quando o tema é a destruição planetária, o que as mega corporações do pacto neoliberal têm feito senão cometer ecocídio e ignorar a evidência da catástrofe climática? Essas forças neoliberais alegam apoiar formas de liberalismo, como a liberdade de expressão, mas, na verdade, foram essas antigas forças liberais e antigas forças sociais-democratas no mundo atlântico que introduziram poderes amplamente sem contenção para as forças de repressão em nome do antiterrorismo, entregando assim esses poderes a forças — como Trump — que são instintivamente contra as liberdades de expressão e associação. Os velhos liberais e os antigos sociais-democratas dirão que pelo menos não são patriarcais ou racistas, mas mesmo aqui os números deles são péssimos: a taxa de deportação nos Estados Unidos é tão alta, se não maior, sob presidentes liberais quanto sob conservadores, e os velhos liberais e antigos sociais-democratas não fizeram quase nada para defender os direitos das mulheres, que se tornaram um hobby de campanha em vez de um campo de luta.

É precisamente esse o ponto: nem os velhos liberais e os antigos social-democratas, nem a extrema direita de um tipo especial são capazes de expandir o campo de luta. Isso dá espaço para que os trabalhadores entrem nesse campo com confiança e clareza e moldem uma política de emancipação das garras do capitalismo, e permite que aprofundem a batalha de ideias e levantem questões programáticas que buscam resolver problemas reais em vez de apenas tentar construir formações eleitorais para derrotar a direita.

Larkin Durey (Costa do Marfim), Haut les mains [Mãos ao alto], 2020.

Não consigo tirar essas criaturas das profundezas do mar da minha mente. Em um ponto do romance Frankenstein, de Mary Shelley, o monstro diz que, embora ele “devesse ser o Adão [de seu criador]”, ele é “mais como um anjo caído” (ou seja, Lúcifer). O nome Lúcifer — assim como luciferina e luciferase — vem da palavra latina para “portador da luz” e, embora o termo tenha aparecido pela primeira vez em uma tradução da Bíblia hebraica do final do século IV como uma tradução da palavra hebraica Heilel ou “aquele que brilha”, foi somente em Paraíso Perdido (1667), de John Milton, que ele foi identificado com o anjo caído. Será que os monstros, os portadores da extrema direita de um tipo especial – como Trump – também são, em algum aspecto, “portadores da luz” luciferianos, cujas contradições nos permitem ver melhor os enganos do pacto neoliberal? Eles podem fazer isso, mas eles e o resto dos monstros do mundo do Atlântico Norte não podem fazer nada além disso. Eles não são como as criaturas das profundezas do mar. Seus seguidores ficam momentaneamente animados com seu carisma, mas logo tremem com seus fracassos. Para onde irão essas massas quando perderem o interesse na extrema direita de um tipo especial? As realidades sombrias da guerra e da fome enfraqueceram as possibilidades de uma luz interior para muitos humanos que parecem ter perdido a faísca em seus olhos que traga a promessa de iluminar um caminho adiante.

Mas essa luz não pode se apagar. Sempre há um feixe de luz. O poeta haitiano Paul Laraque (1920–2007) escreveu surrealisticamente sobre essas curtas explosões de luz nas danças das criaturas e flores nas profundezas das águas em seu poema “Mourir” [Morrer], que aparece em sua coleção de 1979 , Les armes quotidiennesPoésie quotidienne [Armas do Cotidiano: Poesia Cotidiana]:

A onda de sombra os arrastou para o nada,
para o fundo do mar, onde descansam entre os corais,
que se abrem como rosas, a dança vermelha e brilhante dos peixes,
os restos enferrujados dos navios, a opulência irrisória das areias.

Aquela dança vermelha e brilhante dos peixes, nosso protesto por um novo mundo.

Cordialmente,

Vijay