Dilema da esquerda brasileira: superar o “efeito tostines”
Sei que é antipedagógico começar uma análise política por
uma analogia mercadológica como essa, mas para os que não conhecem o velho
comercial da marca de biscoitos a frase “tostines vende mais porque é
fresquinho ou é fresquinho por isso vende mais” pode ser enquadrada
perfeitamente por um dilema, ou falso dilema, que tem sido cantado a tempos por
parte da esquerda brasileira e mais recentemente pelo PT no poder institucional
do Estado.
Celso Furtado (que nos faz muita falta), disse uma vez que o
problema do Brasil não está em criar infraestrutura ou grandes ações para se
tornar um país desenvolvido, o centro desse desenvolvimento está não na
economia ou das mudanças advindas dela, mas sim da transformação da sua cultura
política. De fato, olhando pelo retrovisor e de um século de República onde
hoje – fim da primeira década e meia do século XXI – o Brasil vive o seu
período democrático mais longo (e ainda tem gente ignorante que despreza isso),
um pouco para elucidar o que o grande mestre nos disse.
O mito do desenvolvimento nacional sempre ligado a
necessidade conciliações e entregas que geralmente afetam o andar de baixo –
isso inclui as faixas assalariadas médias – está ligado também a algo que cria ojeriza
da direita e da burguesia rentista e produtiva do capital que são as reformas
estruturais (reforma agrária, tributária, comunicação, etc., etc..), isso já
rendeu golpes civis-militares e a vida de personalidades nacionais.
O mantra de parte da esquerda sobre o “time” do momento de
realizar tais reformas oscila entre a posição que defende reformas de forma
gradual, restritas e lentas e outra posição da ruptura – esta última sempre
acompanhada do velho discurso do “ascenso da luta de massas” ou o “acumulo de forças”.
Mantra que a direção do PT o fez com muita propriedade desde
a queda do muro e a derrota das eleições de 1989. Mantra que faz com que a
classe trabalhadora espere ou acompanhe a “longa marcha de micro reformas por
dentro do Estado”, isso porque ainda não chegamos ao ponto certo do acumulo de
forças, o congresso é conservador, bla, bla, bla....
Digo isso como militante da esquerda do PT e que percebe
como muitos – filiados/as e simpatizantes – que a estrutura de Estado como
temos não permite nenhum avanço significativo não só da esquerda, mas principalmente
da classe trabalhadora.
Ataques diários, denúncias seletivas e todo tipo de recurso
da comunicação ao judiciário criminalizam movimentos sociais, partidos e tudo
que expresse essa classe repulsiva que é a trabalhadora de vivenciar o mínimo de
poder.
O que as elites querem novamente reforçar com a sua
narrativa é que a esquerda socialista pode disputar eleições, mas não pode
ganhar, se ganhar não pode governar para além dos pactos e se ir além dos
pactos não pode continuar, ou seja, melhor que participe do processo eleitoral burguês
– com liberdade de expressão com limites – porém, sem vencer.
Reforma política tem sido o tom principal das esquerdas no
Brasil, o plebiscito popular de 2014 ou qualquer outra reivindicação passa
pelas reformas estruturais e o medo parece não ser das elites e pasmem da
própria esquerda.
O PT expressa esse recuo, como disse, pela narrativa.
Ouviamos na década de 1990 que era preciso o “Lula lá” para avançar nessas
reformas, conciliar, convencer (como se fosse possível convencer Sarney, Renan,
Collor, Marinhos, etc.), e avançar na “revolução democrática”.
Lula vence, governa e faz sucessora! Agora a culpa é do
acumulo de forças novamente.
E assim vai entre seguidores e militontos reproduzindo esse
discurso derrotista como se nunca tivéssemos, ou melhor, como se não estivéssemos
a frente do Estado pelo Executivo – maior cargo da República.
Então fico pensando no mantra dos grandes gurus do meu
partido – atacados, encarcerados, encurralados e apreensivos fazendo a mesma
oração: “Não é possível fazer reformas estruturantes sem acumulo de forças ou
sem acumulo de forças nenhuma reforma estruturante é possível”, mas que raios é
o acumulo de forças?
Diz que é o maior partido de esquerda da America Latina, diz
dirigir a principal central de trabalhadores, diz ter o maior enraizamento nas
bases populares e dirigentes de movimentos sociais importantes, diz que governa
o principal cargo da Republica e deu coesão a base contra o pedido de
impeachment.
De fato sou um ignorante, não sei o que é acumulo de forças?
Ah, e antes de terminar os “sabe tudo” que
confundem acumulo de forças com votos dos deputados e senadores no congresso
nacional, a priori não é isso – pelo menos no pensamento de esquerda – e se
isso é verdade os dois mandatos de Lula poderiam ter feito pelo menos uma reforma,
uma reforma do lado de cá, dos do andar de baixo.