A esquerda brasileira precisa decidir como quer conduzir o Estado, caso queira manter essa tática em suas hostes. Contudo, para ser diferente precisa ousar sem medo, ousar querendo afirmar que a máquina pública não pertence a uma sigla partidária e que a esquerda busca agora perpetuar o controle público da sociedade organizada, participativa e em permanente transformação.
Será que é possível?
Esse Estado brasileiro herdado da burocracia lusitana e construído por partes desde a república velha até a constituição de 1988 reúne as contradições de uma organização que foi se moldando aos interesses de grupos econômicos e de classe, produzido e reproduzido para não ser compreendido é alvo de discursos e oportunismos de toda parte.
Ausência de uma identidade de grande parte do corpo de funcionários do Estado, o compromisso público passa longe dos debates sindicais e as lutas econômicas apenas alimentam a apatia dos que escolhem sobreviver nas repartições e serviços públicos.
E a massa? Mais ausente ainda, porém ausente intencional promovida por uma sociedade política cada vez mais ausente de dever público e transformando as instituições em lugares de total desreconhecimento geral, forjando o que classifico de "hegemonia da farsa" em que estão a legitimidade das instituições, as manobras eleitorais, o elitismo e outras formas sutis de contravenção moral das elites contra a democracia. Isso pretendo discutir em breve.
Reproduzo abaixo o artigo do Nassif que de forma bem curta acerta nas questões que discuto, mas deveria escrever, de que nós na esquerda brasileira não tem projeto de Estado.
E se não temos projeto de Estado, ou deveríamos abandonar a disputa institucional, nos render as regras do jogo (logo a tese do golpe extinguisse) ou buscamos cria-lo urgentemente.
Boa leitura!
Como o burocratismo destruiu a experiência do Conservatório de Tatui
Luis Nassif(da fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/como-o-burocratismo-destruiu-a-experiencia-do-conservatorio-de-tatui)
Há décadas desenvolve-se uma discussão profícua sobre modelos de políticas de inovação. O modelo dos sonhos dos cientistas é um ambiente no qual convivem cientistas de várias formações, trocando ideias e experiências livremente, sem o burocratismo das organizações formais.
Nos anos 90 visitei a Bell Labs, um dos laboratórios mais inovadores da época. Havia pesquisadores de vários países, cada um deles com liberdade para lançar ideias, buscar parcerias internas livremente. Era essa liberdade, essa sintonia sem amarras que garantia a criatividade interna.
Em Seminários que a Agência Dinheiro Vivo promoveu anos atrás, trouxemos a experiência francesa da EDS, a sueca da SAAB-Scania. Com variações pequenas, todos os modelos se baseavam nesses princípios de desburocratização da pesquisa, de criação de ambientes informais onde cientistas e alunos se relacionavam livremente.
Ao longo dos anos, acompanhei várias experiências brasileiras, os Parqtecs, as incubadoras de empresas. Nenhum foi mais bem-sucedido que duas experiências inovadoras no campo da música, o Conservatório de Tatuí e a Universidade Livre de Música Tom Jobim.
Tatui, com o Maestro Neves, ainda irá merecer estudos mais aprofundados para servir de modelo de ambiente inovador.
Em ambiente de absoluta liberdade, conviviam músicos de todos os níveis, tendo aulas com professores reputados. Muitos deles já tinham carreiras nacionais e internacionais. Então, havia flexibilidade para as turnês, reconhecendo-se que ajudavam na consolidação da reputação do conservatório e no desenvolvimento dos músicos.
Do mesmo modo, facilitava-se a vida de alunos de outras cidades, concentrando em alguns dias o conteúdo da semana para viabilizar suas idas ao Conservatório.
Um dos pilares do Conservatório era o amplo respeito e reconhecimento aos talentos tanto dos professores quanto dos alunos.
Aí entra em cena uma praga paulista chamada de gerencialismo, o irmão mais burro da gerência, matando o potencial criativo de Tatuí.
A praga do gerencialismo
Primeiro, vamos conceituar o que seja gerencialismo.
Gestão é fundamental em qualquer ramo de atividade. Mas gestão virtuosa é a que busca conhecer as pessoas envolvidas e extrair delas as melhores contribuições. É o oposto das velhas estruturas dos sargentões. Gestão é meio. Fim são os resultados e a capacidade de extrair o melhor da organização.
Gerencialismo é o método de colocar os processos mecanicamente, sem levar em consideração o meio em que serão implementados. O pior modelo paulista é o da educação, de um corpo de pretensos educadores, como Maria Helena Guimarães, que julgou ser possível modificar a educação sem envolver os professores. É uma falsa modernidade do sujeito dominar duas ou três ferramentas de gestão, sem o menor conhecimento do ambiente a ser implementado, e supor que tem a força.
Burocratas, sem nenhuma sensibilidade para identificar processos criativos, decidiram enquadrar Tatuí. Personagens da história da música brasileira - como o violonista Geraldo Ribeiro – foram obrigados a prestar concursos para serem mantidos no cargo. A flexibilidade para as aulas foi substituída por um engessamento do currículo, inviabilizando a permanência de alunos de fora.
Mais que isso, a nova direção, com o diretor Henrique Autran Dourado, investiu com truculência desmedida sobre quem ousasse criticar seus métodos. Acabou gerando uma greve geral, que precisou ser mediada pela Secretaria da Cultura do estado.
Restabeleceu-se a paz, não a excelência do ensino. E Autran Dourado acabou direcionando sua ira contra ex-alunos que ousaram denunciar seus métodos pelas redes sociais, abrindo ações em seu nome e no do Conservatório. Os alvos são ex-alunos sem recursos sequer para contratar advogados.
Esse desmonte começou no governo Serra e se prolongou pelo governo Alckmin. Agora, se completa com o desmonte perpetrado pela gestão João Dória Jr em todas as iniciativas ligadas à música, artes e educação musical.