Seja biologicamente ou por alguma força superior, aquele ou aquilo que nos deu organicamente duas orelhas acaba sendo, as vezes, um incômodo. Ao ponto de pensar que as redes sociais como facebook provam (ainda bem) que o ser humano não tem capacidades sensoriais para “ouvir” pensamentos alheios, pois seria um caos. Uma psicose individual e coletiva.
Pode-se dizer que o “efeito Bolsonaro” trouxe uma coisa de boa: revelou o grau de formação político-cultural da sociedade brasileira e provocou o debate político nas intimidades dos indivíduos.
Nos vários ambientes, as conversas de alguma forma, convergem para o debate das eleições deste ano. 2018 será estudada, por muitos pensadorxs, por um bom tempo.
Além do fator emocional das conversas, a maldição da audição está nos argumentos, sendo um pior que outro por sinal, e numa dessas ouvi (sem querer) uma conversa acalorada em mesa alheia (já que o tom de voz também tornou-se componente aliado das emoções nesse tipo de discussão) onde permeou o debate sobre a Constituição e a prisão de Lula.
E esse é o debate que não fazemos. A Constituição de 1988 foi a maior expressão de unidade da formação dos Estados-nação e uma invenção liberal (só para lembrar) e que atravessou os tempos legitimado, como instrumento desta unidade, o pacto social (paz social) e a mediação entre as classes sociais no capitalismo.
Analisando friamente as possíveis situações no final dessas eleições, a resposta é evidente: não haverão vencedores.
E por que? Porque, independente do meu voto, que não será no ódio e nem na destruição de direitos sociais, e portanto será em Haddad (13), como de muitos e muitas que querem um país democrático. O fato é que a simbologia apregoada pelos instrumentos de poder e por algumas personalidades públicas é de que essa eleição se resume aos que “odeiam ou gostam do PT” e retiram o elemento central de disputa de projeto que está em jogo.
Todas as teses sócio históricas e de formação da sociedade brasileira podem ser repensadas agora, seja do “brasileiro cordial” ou do “nacional desenvolvimentismo”, é possível que a arrogância e ignorância do pensamento neoliberal tenha penetrado tanto no cotidiano e nos "sonhos" individualistas ao ponto de levar também à derrota dos ideais liberais, ortodoxos ou democráticos, do liberalismo tradicional e da perspectiva de Estado-nação, esse último assassinado pelos próprios (neo) liberais diante a globalização dos mercados.
A questão destas eleições reside no projeto despolitizado que agrega “vontades” em todas as classes sociais, ou como alguns denominaram como "um projeto liberal na economia e moralizante-conservador no íntimo da sociedade e dos indivíduos”, e é fascista pelo seu componente principal: normatizar um modelo de indivíduo. (Ponto)
Aos trabalhadores e seus segmentos que sobrevivem na pobreza e na miséria é oferecido o fetiche da “ordem”, levando negros, mulheres, jovens e demais a seguirem para o possível “paraíso” prometido em contraposição a violência urbana e o sensacionalismo da mídia.
Nem afirmando que o projeto “bolsonarista” representa retira de direitos trabalhistas, permissão para semi-escravidão (ou total escravidão), e enfraquecimento do pouco de nação, expressada no modelo de Estado existente, tudo isso e muito mais, não convence a pessoa e nem leva à reflexão dos seus seguidores de segunda hora, já que parte desse voto é desse novo imbecilismo "anti-pt".
Vamos então lutar até o fim? Sim. Eleitoralmente seguimos resistindo até 28 de outubro. Depois é depois.
Se Haddad vencer o que teremos que reconhecer é que será um governo que buscará a tentativa de reconstrução da “paz social”. O que já é muito diante do caos que cresce na violência verbal e física dos novos “fascistas” de plantão, moralistas sem moral.
Serão quatro anos de intensos debates e combates, conciliações e enfrentamentos, destruição e reconstrução, ou seja, isso não para por aí. O ciclo de 2013 termina em 2018, já que os seus “frutos venenosos” já brotaram, e o que se pode se pode esperar de 2019 em diante vai ser o momento de pensar, refletir e buscar reconfigurara práxis existente nos vários lugares.
A esquerda brasileira terá que fazer reflexões e discussões necessárias. Deve estar alerta ao novo fascismo e a luta por direitos, mas se ficar na mesmice será engolida pelo discurso fácil desse "verde-amarelismo" conservador.
A esquerda brasileira terá que fazer reflexões e discussões necessárias. Deve estar alerta ao novo fascismo e a luta por direitos, mas se ficar na mesmice será engolida pelo discurso fácil desse "verde-amarelismo" conservador.
E se o “lado B” ganhar?
Muita gente tem me perguntado, e afirmado, que estaremos sendo jogados ao caos em um eventual governo do “coiso”?
Muita gente tem me perguntado, e afirmado, que estaremos sendo jogados ao caos em um eventual governo do “coiso”?
Sempre disse que isso seria ruim a vitória do "lado B", mas não um problema total. E eu explico.
1) Um governo Haddad colocaria os "cães de guarda" do sr. Bolso em permanente perseguição contra o governo e as pessoas com um ódio virulento, pois estaria na oposição. (Sim, isso será também efeito durante o mandato do “coiso”, mas imagine o modelo de oposição dessa gente durante o mandato de um eventual governo do PT);
2) Sendo governo, o sr. Bolso tem que mostrar ao que veio. Vai ter que conhecer a máquina e ver que no presidencialismo "verde-amarelo" há mais limites que possibilidades. E todxs sabemos que o poder executivo é importante para o exercício de poder, mas também espinhoso, limitador e cheio de desafios;
3) A retirada de direitos em todos os aspectos: trabalhistas, sociais, humanos, civis, enfim, de toda espécie ainda não terá o efeito de massa, e essa indignação ainda não será imediata, mas o “caldo” tende a ferver e pode ser que não seja a esquerda a reunir e a liderar parte dos futuros “indignados” - e aí mora o perigo, voltando as teses pela "ditadura de verdade" já que para eles a "via democrática faliu";
4) Se o governo do sr. Bolso usar a repressão com força total para conter os ânimos do item (3) anterior, só vai “botar mais lenha na fogueira”, a barbárie pode (ou não) levar ao “estado de sítio” (por favor ler art. 137, 138 e 139 da Constituição), bem como buscar a paralisia, conchavo ou conivência das instituições. Lembrando que ainda poderá ser debitada na conta da esquerda algo que ela não necessariamente construiu nessas mobilizações;
5) Diante da crise econômica e social do governo do sr. Bolso e numa possível retirada radical de
direitos, principalmente os trabalhistas, é certo que não haverá muros, câmeras, segurança privada ou instituições “republicanas” que irão dar conta do “Haiti” que poderá se formar;
5) Diante da crise econômica e social do governo do sr. Bolso e numa possível retirada radical de
direitos, principalmente os trabalhistas, é certo que não haverá muros, câmeras, segurança privada ou instituições “republicanas” que irão dar conta do “Haiti” que poderá se formar;
6) O centro do poder burguês tolera, em nome dos lucros, certos governos. Já vimos isso, como fez com os militares durante a ditadura e com as versões do governo Lula-Dilma, desde que o capital nunca perca, apoiam de “sorriso amarelo”. Mas quando querem botam a mão na massa, mudar o centro do poder no Estado, fazem sem a menor vergonha, vejamos os exemplos de Collor. No painel da FSP (20/10/18) isso aparece em sinais ao que se referente ao caixa 2 do “Watthsgate” e dizendo subliminarmente que as instituições jurídicas podem agir, até cassando a chapa eleita. Depois do impeachment de Dilma, você ainda dúvida disso? (Oh coitado). Então pare de chamar de "golpe" ou aceita que doí menos.
Dentro desse quadro, o que sobra a esquerda e aos progressistas que tem projeto societários anti capitalistas?
De novo a base. Base construída a partir da totalidade da classe, com raiz e disputa desse cotidiano alienante por outro que cultive diariamente um projeto de sociedade democrática, ambientalmente sustentável, de economia solidária e alternativa, distributiva, socialista, enfim, construindo a possibilidade da sociedade livre e emancipada.
Reafirmo o chamado a refletir para avaliar os erros e acertos pós 1988, que devem agora passar por uma avaliação coletiva de tática e estratégia. Quero errar de um modo diferente pós 2018.
Sem respostas pré cozidas.