Polêmicas. Uma democracia (liberal ou popular) se constrói por polêmicas. E o debate ficou pela questão do "pacote anti-crime" que o ministro-inquisidor Moro quis passar guela abaixo. Das criticas duras feitas por inúmeros criminalistas (exemplo: https://www.conjur.com.br/2019-mai-20/parecer-oab-critica-pacote-anticrime-cobra-amplo-debate) e uma das polêmicas está no item que trata do "excludente de ilicitude", um tipo de "licença para matar" que seria dado na defesa de policiais que atuarem em ações onde sob a alegação de "confronto" civis são abatidos pelos mesmos. Pois bem, além desse item, também teriam propostas que tornariam legal a "deduragem geral" ou "delação premiada", mesmo que sem provas para indiciar acusador e acusado.
Ontem, o que chamou a atenção geral - das esquerdas - foi a votação favorável de parlamentares do PSOL, em particular de Marcelo Freixo, conhecido pela sua militância na pauta dos direitos humanos, que votou a favor do projeto de lei, alterado e com anuência do ministro-inquisidor Moro.
A polêmica está entre os que defendem que o projeto substitutivo "era melhor" que o original, ainda assim com a essência da proposta do ministro-inquisidor. Os contrários, dizem que o "menos pior" ainda assim é ruim para a classe trabalhadora, em especial, os jovens negros, principais vitimas das ações policiais.
Este nem é a primeira e nem a última polêmica que termina em uma posição de esquerda pelo "menos pior". Desde 1988 um trauma ronda a esquerda brasileira, o trauma da ditadura, seus horrores e sua postura radical contra seus opositores. Incrível que do lado de lá, da direita militar e das elites, radicalizar fazendo vítimas não provoca nenhuma indignação forte, do lado de lá não há um "menos pior", quando aplicam reformas, o fazem sendo pior ou "muito pior".
Do lado de cá, em uma narrativa defensiva (não ofensiva) aplicamos a tática do "menos pior". O PT da sua fundação é criticado até hoje por não ter votado nas diretas ou na constituinte, não seguiu a linha do "menos pior", considerada eleição indireta de Tancredo ou a constituinte dirigida pelo "centrão das elites" como "muito pior". Contradição, assim é a vida.
Mas de lá para cá muita coisa mudou, inclusive o PT, que seguiu a máxima do "menos pior" em várias ocasiões, muitas vezes orientada - indiretamente - por uma classe assalariada média que (ainda) prefere o "menos pior" a ter que enfrentar uma posição ou postura, por mais séria que seja.
De fato, podemos criticar a análise de Sergio Buraque de Holanda, em "Raízes do Brasil", quando coloca que a nação brasileira é esta grande diversidade de povos e que o "brasileiro cordial" como resultado dessa miscigenação. Porém, ele não estava errado em sua análise. Serve bem aos interesses da burguesia. (para recordar uma critica necessária de Leonardo Boff, link: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Sociedade-e-Cultura/A-dimensao-perversa-da-cordialidade-brasileira/52/42292)
Essa "cordialidade" vai domesticando justamente as vitimas desse sistema. E o pior, domesticando as forças políticas e sociais que deveriam buscar romper com essa "cordialidade mórbida" por um projeto - no mínimo - de nação onde deveria predominar a classe trabalhadora à frente do seu próprio projeto.
No último artigo que escrevi tratei do inimigo principal da classe trabalhadora nesse momento: a apatia. Muito bem, vamos incluir então a velha frase: "menos pior", como auto-defesa da nossa derrota.
A questão não é apenas a votação do "pacote anti-crime", mas de uma justificativa que persegue as esquerdas, todas aquelas que possuem poder institucional para decidir os rumos da política, e que é usada várias a várias vezes. Antes mesmos dessa polêmica, vamos voltar à polêmica sobre o "retorno de Marta ao PT e a sua indicação por Lula para disputar a prefeitura de São Paulo".
O discurso predominante foi: "sem alianças a esquerda não ganha", ou seja, é "menos pior". A contradição desse discurso está justamente nos fatos, onde a esquerda marcou historicamente foi onde atuou na contracorrente do "menos pior", vamos lá: ousou vencer em São Paulo em 1988 com Luiza Erundina, gestão lembrada até hoje (2019); Orçamento Participativo nas gestões do PT impondo inclusive derrotas ao modelo parlamentar fraco nas Câmaras de Vereadores; inúmeras conferências de políticas públicas onde a posição resultou em derrotas da direita e vitórias da esquerda (exemplo: a quanto tempo tentam impor a redução da idade penal?); a vitória eleitoral de Lula se deu menos pela "carta ao brasileiros" e mais pela simbologia do "partido que combate a corrupção" entre outras lutas de resistência; entre outras.
Na luta simbólica da esquerda glorificamos os "bons exemplos" de ousadia que não se pautaram pelo "menos pior". Mas preferimos seguir o curso de um rio que tende a dizer "melhor o menos pior", sem saber ou perceber que nem sempre pode ser o melhor caminho para uma real mudança.
Última reflexão: essa onda "anti-sistema" que contaminou a política brasileira segue o sentido inverso do "menos pior", eles querem sangue, posição e postura, ou seja, preferem a sensação de estarem "destruindo algo" para poder "criar algo novo" (é esse o discurso do "bolsonarismo").
Porém, não seria também, no inverso das pautas, uma luta da esquerda? Anti-sistema (capitalista), buscando destruir modelos atuais por um novo?
Será que não vamos superar esse "mito" do "menos pior".
Ou então é melhor parar de ser contraditórios. Discursos inflamados, radicais e duros nos microfones, mas práticas atuando pelo "menos pior", só geram confusões. O momento exige - como sempre exigiu - posição. Mais ou menos não é posição em uma conjuntura radicalizada.
Última reflexão - de verdade - seria a nossa direção de esquerda tão intimidada, recuada ou acomodada ao ponto de não conseguir acumular as insatisfações gerais da classe trabalhadora ao ponto de ser superada por uma direita fascista que responde a uma fração da classe trabalhadora (parte dos assalariados médios) que lhe devolve com apoio? E com a incursão de reformas que atingem as frações mais frágeis da classe trabalhadora, os pobres, o que estamos fazendo para que o seu levante seja progressista e não mais conservador?
E não me venham com essa história de que os que vivem na pobreza são propensos à uma reação progressista. Marx explica bem (18 Brumário) que os "de baixo" serviram bem aos interesses de Luís Bonaparte e em vários golpes de estado como no Chile (1973) os caminhoneiros, etc., etc., eis a questão que nos perturba.
Boa noite.