Havia no passado um termo chamado de "liberdade de cátedra" que segundo nota da reitoria da Universidade de Brasília (UNB) diz que a "Constituição Federal, no art. 206, assegura, a docentes e estudantes, a liberdade de aprender, de ensinar, de pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, de modo a garantir o pluralismo de ideias e concepções de ensino, bem como a autonomia didático-científica. Esse princípio é reforçado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei no 9.394 de 20 de dezembro de 1996), em seu artigo terceiro." (UNB, 2025) e este é o ponto.
É comum que o desenvolvimento de novas tecnologias possam atuar como parte da metodologia empregada no processo formativo, mas tudo tem limites. Eu desde minha passagem pela pós graduação me tornei um crítico feroz da ditadura da "nota Capes" na elaboração e construção das pesquisas acadêmicas, como todo idealista que chega nesse lugar restrito, acreditava e acredito que fazer ciência é um fazer para sociedade, contudo, esse planetinha não é apenas restrito ou elitista, é inclusive limitador onde uma questão paira firmemente no ar: as regras sagradas de elaboração, construção, permanência e aceitação são defendidas para proteger o fazer científico ou para justificar esse lugar restrito, elitista e limitado a uma turma?
Furar essa bolha exige tanta articulação e capacidade de argumentação que em algum momento cansa. Eu cansei, reconheço.
Contudo, do outro lado, o que está em curso no ensino seja superior ou básico parece muito pior. Seja no setor privado que busca lucratividade acima do processo formativo, seja no público que prefere inovar sem mudar nada.
Estou falando de uma coisa que ganhou um nome que considero equivocado, a tal da "inteligência artificial" (IA) e me recuso a usar iniciais em caixa alta, não é nome próprio, é apenas uma designação para uma coisa que é artificial, mas não é inteligente. Inteligência vem do nosso "telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor" que são características humanas.
E nem vou ficar em grandes elaborações para explicar porque essa coisa artificial não é inteligente. Para isso basta lembrar dos tempos de escola quando muitos de nós no dia das provas utilizamos um recurso presente até hoje, a COLA. E o que era colar? Colar na escola era buscar as respostas com colegas solidários, com esquemas elaborados (de anotações na palma da mão a inscrições na carteira) ou bisbilhotando a prova do outro, enfim, era a forma encontrada para responder uma prova. E vejam que coisa incrível, o que a tal IA faz? Recebe da rede global via internet milhares, milhões, bilhões de megas e teras bytes escritos, elaborados, pesquisados, alimentados por nós humanos através do nosso "telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor".
Chamar de "inteligente" uma coisa que colou é como dar um prêmio pra preguiçoso em dia de desafio.
Uns podem até dizer que a IA ao combinar dados tem elaborado novas produções. Mas montar quebra cabeças não requer inteligência, exige paciência e noção para juntar peças.
Digo isso porquê quero fazer um chamado ao artesanal, ao analógico, ou seja, ao direito que temos de preservar métodos para garantir um mínimo de decência no processo formativo humano. Do mesmo jeito que livros de papel nunca serão extintos, e os dados e nossa humanidade provam isso, haverá sim professores que irão buscar preservar ações, atitudes e métodos formativos analógicos. Mesmo no processo educativo infantil a busca pelo retorno aos jogos interativos, integrativos e sem o uso de recursos tecnológicos evidenciam uma qualidade exclusivamente humana: a nossa relação, somos um ser vivo coletivo e que depende, mesmo buscando um momento só, alguma interação.
Se existe um movimento evidente de que para manter ou resgatar nossa humanidade é preciso ter uma distância segura dos recursos tecnológicos, isso não será diferente no processo formativo. Portanto, exigir o direito a ser um professor analógico, cujas habilidades e o trabalho educativo, acadêmico e formativo seja por meio da leitura, do diálogo ou dialógico, dos jogos reflexivos, lúdicos e dinâmicos, da elaboração crítica com ou uso exclusivo do "telencéfalo altamente desenvolvido".
Fora de mim abrir mão da tecnologia, como toda boa ditadura, a do capital vai empurrando cada um de nós para suas formas sem direito a escolha - contraditório ao discurso liberal - pois, seja para pagar contas ou resolver problemas básicos somos empurrados para beira do abismo. A tecnologia não é o abismo, mas a forma e para o que ela é destinada em nossa sociedade.
Dito isso, reivindico meu direito ao analógico, quero poder exercer a docência a partir da velha escola de Sócrates, quero me integrar a realidade como Paulo Freire, quero as rodas de conversa e as interações humanas necessárias. Quero ser o ponto de partida, não preciso surpreender ninguém com mágica tecnológica, deixo isso para os outros magos que se sentem mais tranquilos com esse modelo.