terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A ameaça da classe média ou a derrota anunciada de um projeto de poder.



A chamada “classe média” tem sido a sensação dos debates internos do PT principalmente diante da derrota no estado de São Paulo, mantendo uma hegemonia de 20 anos de PSDB a frente do governo estadual. O problema é entender o que é a “classe média”?

Para o marxismo esses grupos médios da sociedade tem o perfil claro: são trabalhadores assalariados que tem faixas diferenciadas de renda e emprego definidas pelo mundo do trabalho, ou seja, mesmo que as condições socioeconômicas sejam até superiores em algumas faixas isso não o exime da sua condição de classe trabalhadora.
Não é uma classe, mas um extrato da classe, um grupo ou grupos de faixa salarial de níveis baixos, razoáveis e altos que permitem desfigurar a identidade (ou a construção) da classe.

Sua fragmentação é proposital pois atende a máxima do sistema capitalista deque todos/as tem a mesma oportunidade de chegar a ficar “rico” desde que trabalhe, seja disciplinado e suba os degraus da sua completa deformação social, política e econômica.

Suas características mais conhecidas: individualismo e consumismo.

Seu local de diversão familiar mais freqüentado: shopping.

Seu objetivo principal: abandonar raízes, desconhecer sua identidade e sonhar com a riqueza – sem entender a real origem dela nesta sociedade.

Seu legado para o mundo: destruir o planeta a serviço de um sistema que pouco conhece e muito lhe explora.

Sua história: não há historia para os que seguem por este caminho, a memória só existe aos que ousam.

Digo isso porque este debate é um não debate. Outro dia um grupo de amigos começou uma conversa sobre as dificuldades de ser atendido no serviço público, principalmente saúde e educação.

De fato é um caos a depender da localidade ou da comunidade. Os direitos a saúde e educação pública beiram a crise em determinados lugares, gerando indignação e revolta.

Mas quando digo que o debate sobre como dialogar ou obter o apoio da “classe média” é um não debate é porque deveria ser nossa (do Partido dos Trabalhadores) a manter o dialogo e a discussão permanente com todos os segmentos e grupos da classe que nos apoiam ou tem a possibilidade de nos dar poder – institucional ou popular.

Não é de hoje que a esquerda socialista no Brasil tem lutado ao lado de vários segmentos, como os estudantes, os artistas, nas forças armadas, nos meios médios da sociedade – os médicos e advogados (por exemplo) que davam suporte na luta armada e aos militantes na clandestinidade seja na ditadura Vargas ou na militar, na formação da CUT os bancários tinham uma cartilha que orientava entre tantas táticas de organização sindical, proponham o dialogo com os gerentes, que não se reconheciam como trabalhadores.

E nesta conversa o que me incomoda – sempre – é o senso comum disseminado na contramão da nossa luta por uma sociedade com mais justiça social. Ninguém que tenha uma condição salarial melhor tem a obrigação de viver como os franciscanos que optaram pelo voto de pobreza, reconheço que a tentação por um plano de saúde ou uma educação particular vem de uma necessidade particular dos seus familiares.

Porém me pergunto: e as pessoas que não tem essa possibilidade? Quem esta a margem dos seus direitos deve manter-se firme no purgatório?

Compaixão ou solidariedade neste caso não valem! Sentimentos lindos, mas com alto teor destrutivo sobre a própria sociedade.

Reconhecer-se como classe média é emburrecer. Sim afirmo, tornar-se ignorante. Onde a despolitização é gerada por esta mídia que impõe valores, jeitos, gostos, musicas, modos de vida, opiniões políticas – inclusive sobre nós. Vejamos pelas pesquisas, onde ocorrem o abuso sexual de crianças e adolescentes? Nos grupos médios. O desrespeito no transito – principalmente pelos mais jovens? Nos grupos médios. Os atos de preconceito e discriminação racial, sexual e religioso? Por grupos médios.

Isso porque esta mídia impõe que os grupos médios são mais “esclarecidos”, mas não aceitam a empregada viajando de avião para ver sua família e não para cuidar dos seus filhos/as. Porque o modelo de desenvolvimento que foi vitorioso nos oito anos do governo Lula foram baseados em grande media pelo acesso ao consumo – que gerou empregos, acesso a outros direitos, melhora das condições de vida, etc, mas não politizou e nem organizou a sociedade num outro patamar de igualdade, justiça social, solidariedade, socialismo, de direitos humanos, ou seja novos valores.

E porque tudo isso? Porque numa sociedade onda a base da sua existência é a exploração do homem pelo homem aqui temos um primeiro problema. Onde esta “classe media” é incentivada a resolver os seus problemas pessoais, individuais e sem o dever da reflexão sobre “porque o sistema público é ruim se é um direito e é pago coletivamente por todos/as?”

Enfim, ficamos com o desafio de: a) para construir de dentro de nosso projeto de poder formas de dialogo, organização política e direção com a classe trabalhadora, devemos investir sempre na formação política – como é feito pela AE; b) refletir sobre a identidade de classe e as armadilhas que são reproduzidas cotidianamente na sociedade; c) manter viva nossas organizações políticas e movimentos;

Fico triste porque é esta a sociedade que esta sendo gestada e nós não conseguindo construir um caminho. Fico assustado porque a violência crescente vem de uma emponderação as avessas – o individual sobre o coletivo.

No final fico com a certeza: da luta. Continuo a participar como militante que somos. E a perguntar o que fazem os que não têm o acesso aos serviços privados?

*Wagner Hosokawa
assistente social, coordenador municipal da Juventude da Prefeitura de Guarulhos e
militante da Articulação de Esquerda do PT.

Música "classe média"
autor Max Gonzaga

"Papagaio de todo telejornal

Eu acredito Na imparcialidade da revista semanal

Sou classe média, compro roupa e gasolina no cartão Odeio “coletivos” e vou de carro que comprei a prestação

Só pago impostos, Estou sempre no limite do meu cheque especial Eu viajo pouco, no máximo um Pacote CVC tri-anual

Mas eu “tô nem aí” Se o traficante é quem manda na favela Eu não “tô nem aqui” Se morre gente ou tem enchente em Itaquera Eu quero é que se exploda a periferia toda

Mas fico indignado com o Estado Quando sou incomodado Pelo pedinte esfomeado Que me estende a mão

O pára-brisa ensaboado É camelô, biju com bala E as peripécias do artista Malabarista do farol

Mas se o assalto é em “Moema” O assassinato é no “Jardins” E a filha do executivo É estuprada até o fim

Aí a mídia manifesta A sua opinião regressa De implantar pena de morte Ou reduzir a idade penal

E eu que sou bem informado Concordo e faço passeata Enquanto aumento a audiência E a tiragem do jornal

Porque eu não “tô nem aí” Se o traficante é quem manda na favela Eu não “tô nem aqui” Se morre gente ou tem enchente em Itaquera Eu quero é que se exploda a periferia toda

Toda tragédia só me importa Quando bate em minha porta Porque é mais fácil condenar Quem já cumpre pena de vida"