quarta-feira, 19 de março de 2014

A hereditariedade na política, um mal a ser combatido?


Se para Marx a herança uma das tramas da rede do sistema capitalista, por proporcionar que o burguês indiretamente ou legalmente pudesse transferir o seu poder para o seu primogênito seguinte era um mal a ser abolido, o que pensar na hereditariedade na política.

A naturalidade da questão esconde a verdade do gesto. Pais e mães "bem sucedidas" na vida pública acabam por garantir melhores condições socioeconômicas para os seus primogênitos, isso é justo todos queremos que os nossos sejam beneficiados. Agora não bastasse essa transferência, há também as relações sociais, essas mais determinantes.

Na sociedade ou na política é preciso ter esse recorte de classe. Numa sociedade onde as oportunidades são determinadas pelos limites e interesses do capitalismo, a vida pública e o exercício da política também.

É muito particular na trajetória da política brasileira o patrimonialismo e o patriarcado como simbologias  de controle pelas "famílias" que detêm o poder político, e não poderia ser diferente na transferência hereditária desse poder.

O problema é quando isso se reproduz gradativamente na esquerda. Cargos e posições reservados aos seus primogênitos e evidente suas relações, limitando e dificultando a ascensão de militantes destacados para tarefas e ações. Abre-se mão do militante forjado para assumir postos necessários para condução dos trabalhos no horizonte coletivo, por versões modernas do biotipo de dirigente das castas, aquele que  entra pelas relações, seduz pelos currículos familiares e ascende para o topo sem nunca ter construído tal posição. 

Evidente que longe dos círculos do poder, qualquer militante mais  destacado que seja nunca será alçado para grandes tarefas, a ele ou ela será reservado a ilusão em forma de pequenas tarefas com sentido grande, porém sem expressão e de evidente manutenção de um status quo na organização.

Diferente dos intelectuais que ascendem pelos títulos e posições na academia, este ser social da hereditariedade nem sempre é o vilão, mas produto de um processo de construção "natural" pois o filho (a) de fulano ao conseguir ser incluído em bons "bancos escolares", deve contribuir na sequencia para algum nobre ministério ou secretaria.

Isso introjetado indiretamente ou naturalmente em um partido de massas como o PT representa o abismo entre sua militância política e seus dirigentes. É uma questão nova, mas que precisa ser entendida para acabar com certas "frustrações" de militantes que mesmo com seu alto grau de compromisso e atuação nunca serão lembrados para tais tarefas.

Mudar a cultura política desta sociedade do capital é fundamental, porém a lição de casa se faz em nosso próprio meio. Não haverá partido que possa forjar seus quadros para novas tarefas se não ousar em construí-los.

Não menosprezo a oportunidade de nossos primogênitos, mas no socialismo eles como todos e todas os filhos e filhas da classe trabalhadora o merecerão pela mesma e igual condição: de serem militantes. 

Evidente que o socialismo precisará equacionar o grave problema do ensino, da educação formal e da formação, bem como o mais amplo direito ao conhecimento civilizatório, de direitos humanos, universal, enfim, não há privilégios quando se socializa igualitariamente um direito, ressalvadas as questões de equidade no primeiro momento.