“Quando
se abre mão da privacidade, da intimidade, em troca da segurança, na verdade se
está construindo um cenário totalitário, autoritário”, alerta o professor.
O
texto do
Marco
Civil foi aprovado na
Câmara dos Deputados, garantindo uma versão mais alinhada à proposta construída
pela sociedade civil em um extenso debate, desde 2009, sobre o tema. Entretanto,
a matéria ainda precisa ser aprovada pelo
Senado para que possa ser sancionada pela
Presidência da República. De um lado, ativistas pela liberdade na rede, de
outro, uma bancada conservadora que tende a uma visão mais alinhada aos
interesses das empresas de telecomunicação. Soldados das duas trincheiras se
preparam em busca de um só objetivo, o
Marco
Civil da Internet. A primeira batalha foi vencida pelos ativistas, mas
esse foi apenas o primeiro capítulo de uma guerra que está recém começando.
“O
texto do
Marco
Civil da Internet defende
claramente a
neutralidade da rede e ele é o texto que assegura que a
internet continue livre, aberta e diversificada. Nós conseguimos impedir os
ataques mais fortes das operadoras”, explica
Sérgio
Amadeu, em entrevista por telefone à
IHU
On-Line. Entretanto, ele explica que há tensionamentos no texto. “Sem
dúvida alguma, as companhias de telefonia, junto com um grupo de deputados
conservadores, inseriram no
Marco
Civil alguns dispositivos
que são ruins, mas que não prejudicam a essência do projeto, nem destroem a
neutralidade na rede”, considera.
Segundo
dados do
Portal
de Notícias do Senado, o texto que foi enviado pela
Câmara
dos Deputados já recebeu
41 emendas. “Elas
(as
companhias de telecomunicações) já estão organizando o lobby das
operadoras com o Senado numa tentativa de alterar a redação da neutralidade. Por
isso nós estamos nos preparando para uma batalha, porque se o projeto de lei for
mudado no
Senado,
ele volta para a Câmara, e não volta para ser melhorado, volta para ser
piorado”, destaca o entrevistado.
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CODE
Ipea |
Sérgio
Amadeu, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo –
USP, participou da implementação dos Telecentros, na América Latina, e da
criação do Comitê de Implementação de Software Livre – CISL. Também foi
presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI da Casa Civil
da Presidência da República. É professor na Universidade Federal do ABC – UFABC.
É autor de, entre outros,
Software
Livre: a luta pela liberdade do conhecimento;
Exclusão
digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo,
2001); e
Comunicação
Digital e a Construção dos Commons: redes virais, espectro aberto e as novas
possibilidades de regulação.
Confira
a entrevista.
IHU
On-Line – Afinal de contas, depois de todas as quedas de braço entre as empresas
de telecomunicação e ativistas, de que maneira ficou o texto do Marco Civil da
Internet enviado ao Senado?
Sérgio
Amadeu – O texto do
Marco
Civil da Internet defende claramente a neutralidade da
rede. Ele é o texto que assegura que a internet continue livre, aberta e
diversificada.
Nós
conseguimos impedir os ataques mais fortes das operadoras. Sem dúvida alguma, as
companhias de telefonia, junto com um grupo de deputados conservadores,
inseriram no Marco
Civil alguns dispositivos
que são ruins, e que já estão organizando o lobby das operadoras com o Senado, numa tentativa de alterar a redação da
neutralidade. Por isso, nós estamos nos preparando para uma batalha, porque se o
projeto de lei for mudado no Senado, ele volta para a Câmara, e não volta para
ser melhorado, volta para ser piorado.
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"O
Marco Civil defende a
neutralidade"
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Quanto mais
interferência das empresas de telecomunicações, mais haverá influência no
financiamento de campanha, aumento do poder das teles e da força delas junto aos
grupos de deputados pragmáticos
– que não têm nenhum compromisso com as
causas finais, mas apenas com a suas reeleições.
Assim,
eu conclamo a todos para nos ajudar a pressionar o
Senado, para que possamos ter a
Internet mais avançada no mundo. Quem acha isso
não são apenas os ativistas da liberdade da rede no Brasil, são pessoas que
sempre lutaram pela liberdade e ajudaram a construir a Internet, como o criador
da web,
Tim
Berners-Lee, que recentemente pediu apoio pela aprovação do marco
civil com neutralidade da rede. Então, nós estamos ganhando, por enquanto nós
estamos ganhando!
IHU
On-Line – O atual texto da Lei está mais próximo da proposta construída
coletivamente desde 2009, por meio das audiências públicas, ou mais próximo aos
interesses corporativos?
Sérgio
Amadeu – Ele ficou mais
próximo da proposta da
Sociedade
Civil, apesar de ter tido várias idas e vindas. Quero lembrar,
inclusive, que eu me opus a uma das redações dele, referentes ao segundo
parágrafo no
artigo
15 [1], que inaugurava no
Brasil a remoção de conteúdos com ordem
judicial a pedido da
Rede
Globo e da indústria
do copyright. Foi feito um acordo e eles retiraram isso; nós conseguimos vencer.
Há alguns problemas que advêm do fato de o relator ter incorporado alguns textos
vindos de bancadas conservadoras, que do contrário não votariam no projeto.
Então, o projeto da sociedade civil era bem mais avançado, mas eu considero uma
vitória descomunal o fato de o projeto ter passado por um
Congresso
Nacional tão conservador
como o nosso.
Lei
pela liberdade
Nós
estamos prestes a ter uma vitória colossal no mundo. Queria deixar isso claro.
Em todo o planeta, nós estamos vivenciando leis para criminalizar, bloquear e
controlar a Internet.
No
Brasil,
o
Marco
Civil vem para fazer com
que a
Internet continue livre e aberta. Vários
jornalistas me perguntavam: “Mas o que muda na vida do cidadão com a aprovação
do
Marco
Civil?” Eu falava: “Olha, não muda nada! A
Internetcontinuará livre,
coisa que não vai acontecer se a gente não aprovar rapidamente o
Marco
Civil”. Por quê? Porque as operadoras de telefonia já articulam uma
série de ações para gradativamente ir transformando a internet em uma
grande
rede
de TV a cabo.
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"Se
o projeto de lei for mudado, será piorado"
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IHU
On-Line – É possível apontar alguma brecha na legislação que permita
interpretações no sentido de impactar a neutralidade da rede e mesmo a
privacidade?
Sérgio
Amadeu – Sim, existe. Por
exemplo: as operadoras de telefonia fizeram um 'cavalo de batalha' e conseguiram
incluir no artigo
3º [2] um
princípio – o da liberdade de modelo de negócios,
desde que respeitando os demais princípios da lei –,
e ele nos dará neutralidade. Mas por que eles fizeram questão de colocar essa
redação? Exatamente para poder brigar depois no Judiciário. Sabendo que eles
podem perder, e sem a aprovação do Marco
Civil, eles querem continuar a disputa, continuar a guerra, e a guerra
vai virar jurídica, com a interpretação do que for aprovado no Marco
Civil. Então, nós temos aí um exemplo claro.
Privacidade
Nós
também temos outro problema: eles se aliaram aos setores conservadores e
conseguiram iniciar a guarda de lobby por aplicação. Isso significa que todas as
empresas de comerciais que têm aplicações na web vão ter que guardar lobby por
um período de tempo obrigatoriamente, o que permite o manejo de dados e o uso
como várias empresas fazem.
Isto
é, vão organizar o nosso perfil para entender o comportamento das pessoas que
acessam seus sites. Na verdade, ao invés de estarem impedindo que as empresas
guardem os metadados que caracterizam nossa ação na rede, que elas manipulem os
nossos rastros digitais, esses grupos de conservadores estão na contramão, estão
fazendo de tudo para quebrar a nossa privacidade. Eles dizem que fazem isso em
defesa da nossa segurança. E eu digo que, quando se abre mão da privacidade, da
intimidade, em troca da segurança, na verdade se está construindo um cenário
totalitário, autoritário, e que no momento seguinte vira exatamente o seu
oposto, que é a incerteza, a insegurança, a chantagem, o controle por parte das
corporações. Agora eles colocaram isso no
Marco
Civil – a guarda de lobby e aplicação sobre o
período de tempo
–,
mas nós temos além de dados pessoais que vão ser enviados ao
Congresso,
onde nós trataremos exatamente desse assunto de modo detalhado. Assim, não é um
grande prejuízo colocar isso no
Marco
Civil, porque, no que se refere ao projeto de dados pessoais, nós vamos
poder efetivamente travar uma batalha em defesa da privacidade. Então, já alerto
a todos que a guerra mal começou.
IHU
On-Line – Deseja acrescentar algo?
Sérgio
Amadeu – Nós temos
chances de aprovar o Marco Civil no Senado, mas não vai ser tão simples.
Nós vamos ter que começar a nos mobilizar, porque não está fácil!
Notas
1 - Art. 15 - Salvo disposição legal em contrário, o
provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado por
danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial
específica, não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro do
prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
2
- Art. 3º - A disciplina
do uso da Internet
no Brasil tem os seguintes princípios:
I
- garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação
de pensamento, nos termos da Constituição;
II
- proteção da privacidade;
III
- proteção aos dados pessoais, na forma da lei;
IV
- preservação e garantia da neutralidade da rede, conforme
regulamentação;
V
- preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede,
por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo
estímulo ao uso de boas práticas;
VI
- responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos
termos da lei; e
VII
- preservação da natureza participativa da rede.
Parágrafo
único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no
ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria, ou nos tratados
internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja
parte.