segunda-feira, 16 de maio de 2016

"A música só existe no dia em que alguém a ouve. Se estiver na gaveta de uma gravadora, ela não existe."

Entrevista com Fernando Anitelli

16/05/2016 10:15 AM / Raphael Pozzi / Atualizado em 16/05/2016 10:15 am
Criador do grupo “O Teatro Mágico”, em 2003, Fernando Anitelli conversou com a Folha Metropolitana sobre o lançamento do novo álbum da banda: “Allehop”. De acordo com o cantor, a função do artista é provocar sentimentos, “falar com variadas cores, tons mais escuros, mais leves, misturas”. Além disso, segundo Anitelli, a música não pode fugir das discussões políticas, “ainda mais com o momento sensível que vivemos hoje”. Para o cantor, as pessoas não devem se acomodar com o que as incomoda.
O grupo é referência por sua estética própria, que reúne a música com as artes performáticas. Atuando na música de forma totalmente independente, tanto na produção como na venda, a banda já lançou, agora, seis CDS de estúdio, três DVDS e um álbum ao vivo. Mesmo disponibilizando todo seu conteúdo para download gratuito, o grupo já vendeu mais de 3 milhões de CDs e mais de 450 mil DVDs.
O mais novo álbum, “Allehop”, faz referência a uma expressão usada pelos circenses que indica o tempo para o início de um número acrobático.
O lançamento foi feito no final de abril deste ano e já está nas plataformas digitais, como o Youtube e o Facebook, e lojas do Brasil.

Folha Metropolitana –­ Quando o novo álbum foi gravado?
Fernando Anitelli – A gente gravou em janeiro de 2016. Toda a produção foi realizada no ano passado. Eu, com muitos parceiros, compus as dez canções. São músicas que a gente gravou no Rio de Janeiro.

Quais são as novidades que podem ser conferidas nelas?
Esse é um álbum que visita o som mais eletrônico, mais festivo, alegre, dançante. O “Allehop” é um grito ancestral do circo. É como dizer “se joga”, “arremessa a faca”. Allehop! Essa é a ideia do álbum.

Qual é a diferença dessas músicas para as do último álbum?
O último foi o “Grão do Corpo”, mais introspectivo. Ele estava nas entranhas, atravessava o primeiro levante do País, com as manifestações de 2013. Com o “Allehop”, trazemos uma temática mais construtiva, positiva, contra a violência, homofobia, o ódio, o machismo. O “Allehop” é uma maneira de expressar a igualdade. É o momento de unificarmos as nossas lutas. O que vemos nesse momento é um povo dividido, quando na verdade temos que nos unir, trabalhar juntos para o bem comum.

Como é cantar, alegrar as pessoas, mesmo com o momento ruim que o País atravessa?
Na verdade, a gente não canta só pra alegrar as pessoas. Nós cantamos para provocar. Podemos provocar um questionamento, uma alegria, uma coragem, uma compaixão.
A questão é não achar que o que acontece é natural, as coisas que estão acontecendo hoje. E eu digo que não dá para dissociar o teatro, a dança e a arte da política. Não dá para achar normal uma pessoa oferecer o voto para um torturador num momento sensível da política. As vezes eu acho que está tudo errado. Mas se vamos conversar, temos que falar sobre valores, sobre questão das mulheres.
De certa forma, você pode falar com variadas cores, com tons mais escuros,  mais leves, com misturas. O trabalho do compositor, músico, ator, da dançarina é esse: provocar. Não se sentir apático. Temos que afetar o público de alguma jeito.
Nós cantamos para que as pessoas não se acomodem com o que as incomoda.

Falar sobre política é uma função do artista?
Isso faz parte da expressão artística. Mas temos que falar sobre política também na escola, na igreja, dentro do salão, na padaria.
Claro, o que não podemos é ficar criticando, apontando. Temos que ser construtivos. As pessoas estão mais interessadas na política e esse momento tem que ser pedagógico. A luta  contra a corrupção tem que ser pedagógica, para que possamos aprender com tudo o que estamos vivendo.

Você sente que a banda está mais madura?
Cada álbum é um álbum. A gente naturamente amadurece mediante acertos e erros. O que já aprendemos, nós aplicamos nas apresentações. Tudo isso com apoio de grandes pessoas e de grandes músicos.

O que mais te marcou nesses 13 anos de Teatro Mágico?
São muitas coisas, em vários âmbitos. O que eu me lembro agora é de o público soltando bexigas, arremessando rosas,  mostrando faixas. Isso tudo é muito bonito. A nossa relação com o público é maravilhosa.
Mais recentemente, o que vai ficar para a história é o financiamento coletivo. Foi impressionante. A gente precisava  de dinheiro para levantar o circo, palco, iluminação. Pedimos R$ 100 mil para que em 60 dias fosse alcançado. Conseguimos essa quantia em 5 dias. No final, eles quadruplicaram a meta. Foram quase R$ 400 mil. Nesse momento entendi o ditado da presidente (Dilma Rousseff): deixar a meta  aberta. Lembrando que essa quantia toda foi arrecadada agora, em depressão econômica. Foi inesquecível, veio como uma bênção para o nosso trabalho.

O download do álbum é gratuito. Como uma banda pode sobreviver hoje tendo essa exposição?
As plataformas disponíveis on-line são as nossas amigas. Se as rádios e as televisões não tocam a música livre, nós disponibilizamos nossa arte gratuitamente.
A música só existe no dia em que alguém a ouve. Se estiver na gaveta de uma gravadora, ela não existe.
O Brasil tem milhares de compositores, mas as pessoas não os ouvem porque a canção não toca. O primeiro passo da música livre é esse: se você é o autor, você pode fazer o que bem entender com sua obra.
O músico não ganha em cima da venda de CD. Quem ganha não é o artista, são as editoras e as gravadoras. O músico recebe com shows. O CD é apenas mais um desdobramento da música.