segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Afasta de mim esse Lula!

 


Afasta de mim esse Lula!

Na política nada é previsível. Mas alguns fatos ainda deixam inquieto esse inexpressivo militante, que depois de quase 24 anos dedicados ao partido, ainda se surpreende com algumas posições.

Os personagens da semana são Jaques Wagner, Alberto Cantalice e Paulo Paim, para citar alguns que declararam publicamente que após o resultado das eleições municipais de 2020, “o PT deve seguir sem Lula", "buscar se renovar e ter mais autonomia”, ou seja, que o partido siga sem a interferência do grande líder dos povos, presidente de honra do partido, filho incontestável da categoria metalúrgica do ABC, enfim, pedem “renovação” que passam por “dar férias” para Lula.

Já vi movimentos parecidos como este e que naufragaram, sito a “Mensagem ao partido" que surge como alternativa de ex-dirigentes do campo majoritário envergonhados com a crise do “mensalão" e que em geral tentam oportunamente se aproveitar das crises pelo qual passam o partido. A proposta não vingou porque subestimou a máquina partidária majoritária que no pós Lula 2002 mudou de nome de “Articulação Unidade na Luta” para “CNB” Construindo um Novo Brasil.

Quero aqui declarar minha posição histórica: no PT nunca fui lulista. Militei na esquerda socialista do PT, compus coletivos e teses como “Socialismo ou Barbárie” no final da década de 1990, a “Esperança é vermelha", dentre outras chapas e teses que defendiam que Lula, como figura pública, deveria se centralizar como militante e filiado, se submetendo a decisões coletivas do partido. Relembremos 2002, onde Lula na sua postura arrogante de exigir do partido “unanimidade", votamos em Suplicy defendendo o debate e da democracia interna.

Sempre fui petista, buscando construir um partido da classe trabalhadora, por isso, nunca fui lulista. Não desprezo e nem desrespeito sua história e o que representa, mas o partido deve ser o instrumento das lutas e não suas personalidades.

Muito bem. Diferente de mim e de vários militantes que tem essa compreensão e construção do PT, os companheiros Jaques Wagner, Alberto Cantalice e Paulo Paim literalmente cospem no prato que comeram e se lambuzaram, são do campo majoritário e dirigentes da CNB (Construindo uma Nova Balbúrdia) e ao se referirem assim ao grande líder é a mais alta traição.

A conjuntura política é caótica. O Bolsonarismo fascista neoliberal dá sinais que sobreviverá e não irá sair tão cedo do poder, pois se mantém vivo pela política econômica entreguista e financeira de que é fiadora ancorada em Paulo Guedes, o seu mandato e a pilhagem do Estado entregue aos partidos do “centrão” seguem como um projeto de tornar o país numa caricatura da economia dos EUA.

Assim, devemos considerar a narrativa fascista mais funcional ao financerismo neoliberal e dessa elite medíocre, do que um governo dos “bons costumes” tipo Jânio Quadros. Não, esse é um projeto que une mais interesses particulares de riqueza pessoal por meio do Estado que inclui um laissez faire laissez passer geral do bloco político e econômico dominante. Como disse a economista Maria da Conceição Tavares, “o tempo dos capitalismos nacionais ficou no século XX”, esse século XXI retrocedeu duas casas e se converteu em século XIX nas relações de trabalho e na brutal normalização da desumanidade.

Defender projetos nacionais sem que possamos antes discutir como construir um processo que recomponha a condição da classe trabalhadora em vínculos duradouros primeiro de sobrevivência e depois de organização, mesmo que não seja por um vinculo formal, mas que garanta uma renda fixa, continua e não essa lógica da uberização, que coloca a vida humana sempre no fio da navalha, ou enfrentamos essa realidade ou nenhum discurso ou ação pontual será capaz de retomarmos a luta de classes pelo menos num nível aceitável de resistência.

O fato é que essa classe trabalhadora apoiada na grande indústria, com vinculo formal e que compunha parte orgânica do Estado está fragilizada, isso quando observamos que a indústria nacional corresponde por 22% em 2019, empregando 20% dos/as trabalhadores/as formais frente aos quase 20 milhões de desempregados em 2020, parte causada pela pandemia do COVID-19 e da negligência do governo Bolsonaro e dos estados como Doria em São Paulo, e frente aos 38 milhões de trabalhadores/as informais, temos um vazio que é acompanhado pela redução de políticas públicas que poderiam reduzir esse desastre nacional.

Não derrotamos a lógica da privatização durante os governos do PT, a escolha foi uma “convivência pacifica”, não potencializamos e nem aproveitamos para criar alternativas como na economia solidária ou cooperativismo, menosprezamos as possibilidades de democratização e democracia participativa por meio de políticas sociais, não fortalecemos no campo, em particular, as organizações camponesas, quilombolas e indígenas, nos apoiamos num republicanismo pobre que em 131 anos de República sempre foi marcado por regimes autoritários, ditatoriais e antidemocráticos, subestimamos a formação da Escola Superior de Guerra e que forma ainda nas suas salas de aula um típico militar oportunista e autoritário, de ideologia dominante, vê na ascensão dos pobres uma declaração de guerra contra sua civilização perfeita.

E diante disso tudo, Lula ainda teve que ser “cancelado” pelas elites e seus mercenários no Poder Judiciário, não bastava o golpe midiático-judicial-parlamentar-machista, precisava neutralizar a esquerda e a centro esquerda. Lula livre acabou se tornando uma ideia frente a uma ameaça que não privava apenas o PT, mas toda esquerda brasileira, ausente e escamoteada dos instrumentos do Estado. Não construímos hegemonia, e mesmo as armas que temos precisariam ser retiradas, nessa conjuntura totalitária, Lula “paz e amor” também não poderia jogar o jogo.

Reafirmo minha análise anterior: o partido não compreendeu o que aconteceu em 2016. Não compreendendo a dimensão do golpe segue tratando 2018 como uma “gripezinha” e anestesiado com um segundo turno que levou Haddad não vê as ameaças que seguem construindo o poder das elites e destruindo o Brasil.

Quer tratar a disputa de 2022 como um problema de nomes ou alianças. Atua ainda na ação cosmética e estética dos problemas dos movimentos sindical, popular e da esquerda, segue fazendo disputas, cálculos e negações diante da realidade.

Prefere do esgoto das velhas articulações usando palavras como “renovação”, querem ser a patética reprodução falseada da sua “revolução democrática” que não construiu um novo Brasil, mas pela ausência de constituir uma classe trabalhadora fortalecida, preferiu governar para uma classe assalariada média despolitizada, medíocre e ávida por privilégios das quais não tem e não terá acesso, já que estes privilégios pertencem a classe dominante, que ri em demasia da submissão destes trabalhadores mergulhados na piscina de merda das ilusões do “empreendedorismo” num país que caminha para se tornar numa caricatura de serviços e dependente (novamente) dos países desenvolvidos do capitalismo.

Ascender ao poder não dá ao indivíduo um livre passe para fazer o que quer, na esquerda inclusive, alçar espaços de poder deveria ser uma tarefa que deve se submeter a organizações e coletivos, já que para angariar votos prega a ideia da defesa e do serviço a estas organizações e coletivos.

Nosso mito construiu sua trajetória, fez opções e compôs o projeto de poder que o fez ser quem ele é, Lula resiste ao tempo. Não é eterno, não mesmo. Poderia dar um giro na defesa dessa “renovação”, poderia. Mas teria poder? Ninguém ousa questionar Lula no PT. Mas quanto de poder Lula possui para mudar a lógica interna?

Eu arriscaria que no momento nem mesmo o grande líder poderia mudar a lógica como se movimentam as forças internas, seus interesses e questões que estão em jogo. Muito se atribui a Lula, mas como se comprova?

E mesmo que Lula apoiasse a renovação. Não há indivíduos no PT que não estejam alinhados a tendências, teses, projetos ou um coletivozinho que seja, é um partido e as pessoas não estão flutuando no ar. Portanto, renovar seria, por exemplo, colocar a juventude do PT no centro da estratégia, e não apenas nos discursos. Teria que determinar que independente dos interesses internos, alguns jovens seriam designados como tarefa do partido colocar no centro das decisões e inclusive das eleições. Quem renunciaria a seus interesses internos? E quantos pedidos Lula teria que fazer Brasil afora para que isso se concretizasse?

Não são perguntas com respostas fáceis.

Só sei que nunca fui lulista. Mas não sou aloprado.