Afasta de mim esse Lula!
Na política nada é previsível. Mas alguns fatos ainda deixam
inquieto esse inexpressivo militante, que depois de quase 24 anos dedicados ao
partido, ainda se surpreende com algumas posições.
Os personagens da semana são Jaques Wagner, Alberto
Cantalice e Paulo Paim, para citar alguns que declararam publicamente que após
o resultado das eleições municipais de 2020, “o PT deve seguir sem Lula",
"buscar se renovar e ter mais autonomia”, ou seja, que o partido siga sem
a interferência do grande líder dos povos, presidente de honra do partido, filho
incontestável da categoria metalúrgica do ABC, enfim, pedem “renovação” que
passam por “dar férias” para Lula.
Já vi movimentos parecidos como este e que naufragaram, sito
a “Mensagem ao partido" que surge como alternativa de ex-dirigentes do
campo majoritário envergonhados com a crise do “mensalão" e que em geral
tentam oportunamente se aproveitar das crises pelo qual passam o partido. A
proposta não vingou porque subestimou a máquina partidária majoritária que no pós
Lula 2002 mudou de nome de “Articulação Unidade na Luta” para “CNB” Construindo
um Novo Brasil.
Quero aqui declarar minha posição histórica: no PT nunca fui
lulista. Militei na esquerda socialista do PT, compus coletivos e teses como
“Socialismo ou Barbárie” no final da década de 1990, a “Esperança é
vermelha", dentre outras chapas e teses que defendiam que Lula, como
figura pública, deveria se centralizar como militante e filiado, se submetendo
a decisões coletivas do partido. Relembremos 2002, onde Lula na sua postura
arrogante de exigir do partido “unanimidade", votamos em Suplicy defendendo
o debate e da democracia interna.
Sempre fui petista, buscando construir um partido da classe
trabalhadora, por isso, nunca fui lulista. Não desprezo e nem desrespeito sua
história e o que representa, mas o partido deve ser o instrumento das lutas e
não suas personalidades.
Muito bem. Diferente de mim e de vários militantes que tem
essa compreensão e construção do PT, os companheiros Jaques Wagner, Alberto
Cantalice e Paulo Paim literalmente cospem no prato que comeram e se lambuzaram,
são do campo majoritário e dirigentes da CNB (Construindo uma Nova Balbúrdia) e
ao se referirem assim ao grande líder é a mais alta traição.
A conjuntura política é caótica. O Bolsonarismo fascista
neoliberal dá sinais que sobreviverá e não irá sair tão cedo do poder, pois se mantém
vivo pela política econômica entreguista e financeira de que é fiadora ancorada
em Paulo Guedes, o seu mandato e a pilhagem do Estado entregue aos partidos do
“centrão” seguem como um projeto de tornar o país numa caricatura da economia
dos EUA.
Assim, devemos considerar a narrativa fascista mais
funcional ao financerismo neoliberal e dessa elite medíocre, do que um governo
dos “bons costumes” tipo Jânio Quadros. Não, esse é um projeto que une mais
interesses particulares de riqueza pessoal por meio do Estado que inclui um laissez
faire laissez passer geral do bloco político e econômico dominante. Como disse a
economista Maria da Conceição Tavares, “o tempo dos capitalismos nacionais
ficou no século XX”, esse século XXI retrocedeu duas casas e se converteu em
século XIX nas relações de trabalho e na brutal normalização da desumanidade.
Defender projetos nacionais sem que possamos antes discutir
como construir um processo que recomponha a condição da classe trabalhadora em vínculos
duradouros primeiro de sobrevivência e depois de organização, mesmo que não
seja por um vinculo formal, mas que garanta uma renda fixa, continua e não essa
lógica da uberização, que coloca a vida humana sempre no fio da navalha, ou
enfrentamos essa realidade ou nenhum discurso ou ação pontual será capaz de
retomarmos a luta de classes pelo menos num nível aceitável de resistência.
O fato é que essa classe trabalhadora apoiada na grande indústria,
com vinculo formal e que compunha parte orgânica do Estado está fragilizada,
isso quando observamos que a indústria nacional corresponde por 22% em 2019,
empregando 20% dos/as trabalhadores/as formais frente aos quase 20 milhões de desempregados
em 2020, parte causada pela pandemia do COVID-19 e da negligência do governo
Bolsonaro e dos estados como Doria em São Paulo, e frente aos 38 milhões de
trabalhadores/as informais, temos um vazio que é acompanhado pela redução de políticas
públicas que poderiam reduzir esse desastre nacional.
Não derrotamos a lógica da privatização durante os governos
do PT, a escolha foi uma “convivência pacifica”, não potencializamos e nem aproveitamos
para criar alternativas como na economia solidária ou cooperativismo, menosprezamos
as possibilidades de democratização e democracia participativa por meio de
políticas sociais, não fortalecemos no campo, em particular, as organizações
camponesas, quilombolas e indígenas, nos apoiamos num republicanismo pobre que
em 131 anos de República sempre foi marcado por regimes autoritários, ditatoriais
e antidemocráticos, subestimamos a formação da Escola Superior de Guerra e que forma
ainda nas suas salas de aula um típico militar oportunista e autoritário, de
ideologia dominante, vê na ascensão dos pobres uma declaração de guerra contra sua
civilização perfeita.
E diante disso tudo, Lula ainda teve que ser “cancelado” pelas
elites e seus mercenários no Poder Judiciário, não bastava o golpe midiático-judicial-parlamentar-machista,
precisava neutralizar a esquerda e a centro esquerda. Lula livre acabou se
tornando uma ideia frente a uma ameaça que não privava apenas o PT, mas toda
esquerda brasileira, ausente e escamoteada dos instrumentos do Estado. Não construímos
hegemonia, e mesmo as armas que temos precisariam ser retiradas, nessa
conjuntura totalitária, Lula “paz e amor” também não poderia jogar o jogo.
Reafirmo minha análise anterior: o partido não compreendeu o
que aconteceu em 2016. Não compreendendo a dimensão do golpe segue tratando
2018 como uma “gripezinha” e anestesiado com um segundo turno que levou Haddad não
vê as ameaças que seguem construindo o poder das elites e destruindo o Brasil.
Quer tratar a disputa de 2022 como um problema de nomes ou alianças.
Atua ainda na ação cosmética e estética dos problemas dos movimentos sindical,
popular e da esquerda, segue fazendo disputas, cálculos e negações diante da
realidade.
Prefere do esgoto das velhas articulações usando palavras
como “renovação”, querem ser a patética reprodução falseada da sua “revolução
democrática” que não construiu um novo Brasil, mas pela ausência de constituir
uma classe trabalhadora fortalecida, preferiu governar para uma classe
assalariada média despolitizada, medíocre e ávida por privilégios das quais não
tem e não terá acesso, já que estes privilégios pertencem a classe dominante,
que ri em demasia da submissão destes trabalhadores mergulhados na piscina de
merda das ilusões do “empreendedorismo” num país que caminha para se tornar
numa caricatura de serviços e dependente (novamente) dos países desenvolvidos
do capitalismo.
Ascender ao poder não dá ao indivíduo um livre passe para
fazer o que quer, na esquerda inclusive, alçar espaços de poder deveria ser uma
tarefa que deve se submeter a organizações e coletivos, já que para angariar
votos prega a ideia da defesa e do serviço a estas organizações e coletivos.
Nosso mito construiu sua trajetória, fez opções e compôs o
projeto de poder que o fez ser quem ele é, Lula resiste ao tempo. Não é eterno,
não mesmo. Poderia dar um giro na defesa dessa “renovação”, poderia. Mas teria
poder? Ninguém ousa questionar Lula no PT. Mas quanto de poder Lula possui para
mudar a lógica interna?
Eu arriscaria que no momento nem mesmo o grande líder
poderia mudar a lógica como se movimentam as forças internas, seus interesses e
questões que estão em jogo. Muito se atribui a Lula, mas como se comprova?
E mesmo que Lula apoiasse a renovação. Não há indivíduos no
PT que não estejam alinhados a tendências, teses, projetos ou um coletivozinho
que seja, é um partido e as pessoas não estão flutuando no ar. Portanto,
renovar seria, por exemplo, colocar a juventude do PT no centro da estratégia,
e não apenas nos discursos. Teria que determinar que independente dos
interesses internos, alguns jovens seriam designados como tarefa do partido
colocar no centro das decisões e inclusive das eleições. Quem renunciaria a seus
interesses internos? E quantos pedidos Lula teria que fazer Brasil afora para
que isso se concretizasse?
Não são perguntas com respostas fáceis.
Só sei que nunca fui lulista. Mas não sou aloprado.