sábado, 18 de dezembro de 2021

Chapa Lula-Alckmin, isso dá samba?

 


Pode ser especulação, pode ser conversa pra distrair, pode ser fakenews adversário ou pode ser uma articulação em curso. O que importa é que o bode, ou chuchu, está na sala e oficialmente até haverá um jantar fake para justificar o primeiro encontro dos enamorados (segundo nota da jornalista Mônica Bergamo, ver site: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/12/jantar-que-deve-reunir-lula-e-alckmin-pela-primeira-vez-em-publico-esta-lotado.shtml), apesar do Diretório Nacional alegar de joelhos que tal negociação não está na pauta, como já disse, Lula é autoridade e seus interlocutores uma direção a parte (que é a que manda).

Pelo menos por aqui, não vou ficar justificando meu voto. Nem vou apelar para a condição secreta do voto. Só quero trazer algumas reflexões.

Primeiro, concordo que um estranho no ninho (Alckmin) é sim a reprodução da governabilidade pregada em 2010 para ter Michel (golpista) Temer na chapa de Dilma. Com um elemento pré agregador que são os votos que supostamente a chapa atrairia (segundo seus defensores), o que a Falha de SP contesta em sua recente pesquisa, apontando a "indiferença" de 70% dos entrevistados/as para possível aliança (link: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/12/17/datafolha-70percent-dizem-que-ter-alckmin-como-vice-nao-muda-intencao-de-voto-em-lula.ghtml).

Segundo, a esquerda liberal que ronda a classe assalariada média e que milita por redes sociais em suas bolhas prefere seguir sendo o que é: arregona. Prefere jogar os ímpetos da democracia para um baixo padrão, essa esquerda liberal iria na revolução francesa tentar convencer os liberais a encontrar um meio termo entre "aristocracia e liberalismo" e iria aceitar em vez de guilhotina uma saída tipo João Goulart, ou seja, "vira presidente, num parlamentarismo de última hora". Eu acho que essa esquerda liberal perderia suas cabeças diante dos ânimos e a determinação da burguesia em dar seu golpe fatal na aristocracia, na monarquia e na igreja, e deu, pois só assim poderiam moldar o poder aos seus interesses, por isso é revolução. 

Mas a questão não é essa, minha questão é que essa esquerda liberal  insiste em dourar uma pílula que no máximo é um placebo, pois, chamar de tático ou estratégico a aliança de Lula com Alckmin é no mínimo um exercício intelectual porco. Seria honesto se a justificativa ficasse no discurso do pragmatismo eleitoral mesmo, o numa vingança contra Doria, enfim, qualquer justificativa mais honesta do que ficar manchando a ciência política colocando plumas em pombo.

Terceiro, os argumentos contrários a Alckmin estão presentes no conteúdo do filme "Eu sei o que você fez no verão passado", mas convenhamos, 2003-2010 foi bom para classe trabalhadora e os pobres, porém, excelente para os banqueiros, o capital financeiro e outros né. Então, sim pesa a forma como o fascismo emplumado de Alckmin agiu contra a classe trabalhadora e os pobres, pesa porque só vivendo no "mundo colorido do estado de São Paulo" para entender como o Psdb ficou quase três décadas no poder mesmo pilhando o Estado, arrebentando com direitos sociais, humanos e públicos, jogando o estado para a vala da precarização com falta de água, educação pública de baixa qualidade, segurança pública repressiva, entre outras, essa aliança tinha tudo para não dar certo. 

Contudo, parece que há uma situação que em política tradicional tudo se releva quando um inimigo ou adversário é maior, a vida como ela é. 

A questão é o preço. Que preço a pagar para retirar Bolsonaro do palácio do Planalto? 

Não prevejo futuro, mas isso pode levar a um período de estagnação da esquerda revolucionária, pelo simples fato de que nada terá mais sua identidade. Lula prefere a aliança, a conciliação e um longo período de paz institucional, tendo o centro como polo irradiador das decisões políticas. Nada de novo, a não ser pela possibilidade de conseguir construir com e fora do PT o que ele já queria com Dilma-Temer: estabilidade institucional, manutenção do poder e reformas que já tem nome: neodesenvolvimentismo.

Lembrando: neodesenvolvimentismo não é anticapitalismo

Então, aos anticapitalistas como eu, que se preparem para gelo da Sibéria. Não porque seremos silenciados ou perseguidos, pior, seremos ignorados enquanto organização política  e ainda bem quistos no mundo acadêmico, que é o que vai restar.

E o trabalho de base? Bom, legal fazer. Mas não acho que Lula joga apenas pelo Estado desse vez. O sinal é que ele quer um partido ou partidos forte de articulação e reprodução dessa lógica, não manda interlocutores, vai a campo. Eu assisti a fala e presença dela no 5º congresso da juventude do PT que está ocorrendo em São Paulo nesses dias. (ver link: https://youtu.be/5mkaoy9tjlc), prevejo que seja sério a busca por "renovação".

Voltamos ao preço de retirar Bolsonaro do poder. Sabemos que o fascismo presente não abrirá mão de seguir na sua jornada pelo poder, então fica um alerta: não basta apenas ganhar eleição, vai ter que fazer.

Outro problema: Lula pode vencer e deverá jogar com um congresso que mesmo sem o parlamentarismo, exerce hoje um poder extraordinário sobre os recursos do Estado e sabemos que Cunhas, Liras e outros sempre então mais preocupados em reeleger a si e seus colegas para manter essa lógica que alimenta a direita no poder. como vai contornar isso? E já digo, não há reforma política que dê jeito, o caminho seria construir uma maioria robusta em 2028 jogando dois jogos: mantendo um olho no peixe e outro no gato.

Será que fará isso?

São mais duvidas do que certezas. Então, no momento ser contra Lula-Alckmin para uns como eu é preservar alguma dignidade, para outros que embarcarão é vencer a todo custo.

Ainda tem chão e jogo para andar e jogar. Só não queria estar nesse "Round 6" do jogo eleitoral de 2022.  


  

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

O PT abriu mão da organização-partido?




O PT nos seus 39 anos institucionalizou mesmo. Pode ser apenas impressão de quem militou desde os 16 anos de idade e as uns cinco anos preferiu fortalecer a esquerda como pensamento e ação. Já expliquei minha intensa militância partidária, não vou dissertar isso de novo. Tenho autoridade pra falar.

Uma imagem dessas que ficou foi emblemática, ainda no processo de construção da campanha presidencial de 2002, não me recordo a data, quando Guarulhos sediou alguns encontros nacionais setoriais e a plenária da juventude do PT acabou sendo na garagem do hotel. Um dos embates, hilários pensando agora, foi nas palavras de ordem, sendo que a esquerda petista entoava "Pra que Lula lá sem um programa pra radicalizar" e os "lulistas" respondiam "Pra que programa sem Lula lá", enfim, era infantil, reconheço!

Mas tem um fundo de verdade esses embates. Nosso centro gravitacional é Lula. Nunca deixou de ser, e tanto à esquerda, quando à ala moderada, em momentos diversos tentaram superar o criador, sem sucesso.

Antes tinha certeza que essa super dependência era a porta que permitia os membros da elite no PT a criarem suas personagens e personalidades, desconstruindo a identidade do partido, o individuo tinha força extraordinária no PT, antes mesmo das personalidades da internet. Isso mesmo, internamente, cultuar pessoas, em especial com destaque pelo cargo, posição ou influencia era a máxima da organização partidária que foi permeando a máquina partidária em especial no final da década de 1990 e ganhou ascensão nos anos 2000. O marketing era a direção indireta do partido, os assessores ocultos e eram os novos influenciadores do processo político e parte dos dirigentes apenas tinham os cargos, não necessariamente o poder. 

Antes de você dizer: "lá vem ele de novo recorrer ao passado", sim, passados são reveladores, principalmente quando não se aprende nada ou não se reflete sobre ele. Eis a questão: 2016 não existiu para o PT. O partido como estrutura orgânica parece paciente de terapia, orientado a "esquecer o passado e seguir em frente", como se um divorcio entre duas pessoas tivesse o mesmo peso que um golpe institucional contra uma presidenta eleita e depois um processo que extinguiu quase a totalidade das conquistas sociais de quase 16 anos de governos do PT fossem coisas secundárias. 

Tratando Bolsonaro como um adversário eleitoral esquecemos o fato de que a direta não precisa se organizar, ela nunca abandonou sua organização, está nas instituições, nas tradições, no cotidiano, nas mídias, nunca abandonou o controle do poder. Pode sazonalmente perder o poder institucional do poder executivo, mas nunca abandona suas posições originarias. É capitalismo. (ponto)

Já o fascismo presente é funcional, alimentado como um bode que precisa feder, mas não se reproduzir e assumir o controle da sala, serve a direita porque mantêm a polarização extrema contra a esquerda e joga no saco do "todos iguais", pois, ambos são extremos, gerando a boa e velha confusão. O problema é quando a direita tradicional, puro sangue, perde e (as vezes) recorre ao seu bode e prefere o fedor e confusão que causa a ter que redistribuir parte da riqueza que tributada ao Estado, ainda assim, ela (a direita) se acha dona desse recurso. Hitler, Mussolini, Trump, Bolsonaro entre outros só expressam a luta de classes e a luta pelo poder é o que é, isso só pra citar parte do século XX e essa terrível segunda década do século XXI.

Porém, quero falar do PT. Que em vez de combater o reducionismo intelectual que o neoliberalismo impôs em várias áreas, sito, educacional, cultural, político, etc., preferiu se adaptar. Adaptação que foi tão profunda que nos joga para a realidade que temos hoje. Depois de uma década na máquina do Estado o PT daquele tempo e a elite que nela estava dava como certa que o projeto político eleitoral do partido estava dado, mesmo após a crise de 2005, a reeleição de Lula e a vitória de Dilma sinalizavam para estes que eram favas contadas a certeza de que o PT liderava um novo centro de poder, inclusive sem a vergonha das seguidas alianças, sendo a última com o PMDB de Temer.

2013 não foi causa, mas consequência. Que poderia ter sido evitada se a percepção da analise política não fosse subjugada pela institucionalização incorporada a vida partidária. Olimpíadas e Copa do Mundo poderiam ser parte de um legado, sim, mas se tivesse sido fiel a "inversão de prioridades" defendida pelo "modo petista de governar". 

2016 é mais importante sim que 2013. E cada vez mais o mito de que 2013 foi central para abrir a porta do fascismo presente cai por terra, pois, o bode bolsonarista sempre esteve presente e atuante ao longo das décadas, criando tentáculos, elegendo filhos, mantendo vivo o serviço sujo de criar contrapontos a esquerda em suas pautas ideológicas. Nós é que relativizamos e preferimos pintar o bode de "bobo da corte", "baixo clero do congresso", entre outros adjetivos. 

Em cálculo eleitoral não tem erro de matemática, tem ludicidade com os números e as suas próprias formulas. "Ser antissistema" antes de ser  uma posição político ideológica, é uma forma de construir base, eleitores e influenciar a opinião pública no Brasil. Vejamos o PT , que em 1998-1999 abandonou a luta anticapitalista pela "luta contra corrupção", agora o bolsonarismo persegue a "defesa da família, da moral, do nacionalismo sem nação, mas com valores cristãos" e aí vai. Não faltam teses e pesquisas sobre como o processo de erosão socioeconômica elevam a busca individual por saídas míticas.

Antes implicava com o Lula. É o presidente de honra do PT, sendo onipotente, onipresente e onisciente está acima das instâncias, até se afastou por um tempo quando deixou a presidência, contudo, não perdeu a influência. em 2002 queria cheque em branco, teve que engolir uma prévia interna contra Suplicy, que apelou para que a democracia petista não fosse questionada pelos adversários e a opinião pública, eu e muitos fomos votar na certeza de que Lula era mais um filiado a "serviço do partido", foi um momento histórico e 15% da militância disse Lula lá, respeitando o PT como centro do programa e das decisões (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2002/03/20/suplicy-anuncia-resultado-das-previas-do-pt-com-vitoria-de-lula), foi bom pra alma. Não durou muito. Depois venho "carta aos mercados financeiros", vice empresário, alianças com centrão, enfim, foi a velha lógica.

A prisão de Lula no joguete da "lava jato" mexeu com os ânimos internos e externos. Até quem não estava mais entusiasmada com o PT e Lula vestiu a camisa, e isso foi um processo de retomada de posições antes confusas com o PT no poder e suas alianças e o golpe de 2016. Coesionou parte significativa da esquerda brasileira e reestabeleceu Lula no centro da oposição ao bolsonarismo como figura pública de contraponto. Não vamos negar a realidade. Sei que os movimentos e os partidos de esquerda se colocaram em luta, as frentes nacionais e as contrais foram as ruas (eu estava lá) nos colocamos contra as reformas pós golpe, porém, pra que nadar contra a maré? No quesito influencia pública e popular, Lula segue imbatível. 

E é isso que tem me levado a pensar que discutir o PT frente a Lula, ás eleições ou eventual governo tem se tornado um exercício chato e de perda de tempo. Nesse momento não culpo Lula pela completa anestesia do PT. As vezes fiquei incomodado com os movimentos do "grande líder", contudo, ao ver como se comporta a bancada na Câmara e no Senado penso que não há saída, o PT é dependente de Lula (ponto).

Sem maniqueísmos. A questão não é se é bom ou ruim. A questão é se haverá partido para de fato ter capacidade política, ideológica e orgânica para decidir. Antes o PT era uma federação de tendências, mas tinha seu valor, cada organização tinha como intuito construir o partido, havia mais pluralidade interna, os mandatos parlamentares se guiavam por outras frentes de luta. 

Agora, se há bancada e votos, se dá exclusivamente ainda ao fator Lula. Isso não expressa, necessariamente, a qualidade política dos parlamentares que são eleitos. Digo isso pela capacidade de articulação, combate e ação política, vazio que o PSOL ocupa dentro ainda de uma metodologia que o PT adotava e que já era postura dos partidos tradicionais da esquerda. Nenhum dos dois "inventou" essa combatividade, ela pertence a uma tradição de resistência. 

Concordar que o PT abriu mão do protagonismo, não quer dizer que endosso as articulações do grande líder. Mas não carrego as mesmas ilusões de 2002, disso tenho certeza.

Lula para derrotar Bolsonaro pode ser um objetivo bem reduzido. Porém, é o que tem para hoje. 

O risco é grande. Já que derrotar Bolsonaro não extingue e nem reduz as tensões do fascismo presente, agora temos novos sujeitos no cenário político brasileiro que são os "conservadores puros", o MBL e seus derivativos, os liberais liberalizantes do partido Novo, entre outras alegorias político ideológicas que irão seguir influenciando o público. Eles pregam a sua palavra e nós?

Seguimos presos ao medo. Medo digno de um xingamento que poderia sair da boca de Paulo Freire contra nossa arregada ideológica. E mesmo a historia provando que as massas entendem, quando a esquerda vai as ruas, os termos "mais complexos", há uma esquerda liberal que prefere subestimar a inteligência do povo (e não só na elite do PT). Os plebiscitos da divida externa, da ALCA, da Vale do Rio Doce e do Sistema Político provaram em MILHÕES de que a população compreende sim quais são as causas que afetam a sua vida.

Voltamos ao PT. Inerte, travado, envergonhado, entre outras situações, prefere manter um discurso que não consegue sustentar na prática, basta ver a ausência de uma avaliação séria sobre porque após a reascenso de Lula, seguimos um patamar tão medíocre nos últimas eleições municipais? 

Mesmo com tantas instituições sindicais e institucionais, ainda assim é medíocre a articulação com o precariado brasileiro? 

Lula é um político tradicional e do nosso campo. Tem suas prioridades e legitimidade pra fazer e está fazendo. Já o PT? O que ouço e vejo são articulações microscópicas dos seus indivíduos para construir candidaturas, muitas agora federal, pensando em como pilhar o futuro governo Lula e não como construir o processo que irá durante o mandato de Lula fortalecer esse campo popular, proteger a classe trabalhadora e blindar, mesmo que de forma inicial o fascismo vigente.

Há muitos erros nas nossas políticas públicas implantadas no período de 2003 a 2013. Isso é bom, pois, vai permitir que possamos retomar em bases renovadas e criar meios de consolidar pela força do próprio povo. Porém, há disposição pra isso? 

O tal trabalho de base? Esse ficará para depois. Já que no tempo presente vários grupos internos preferiu associar trabalho de base a busca de votos ou a atividades pontuais de rua, isso agora vai pra gaveta, 2022 está aí. O panfletinho que vai circular na quebrada, no bairro, na região, nas casas, enfim, será o pedido de voto. 

Quem prefere discordar, me responda como anda as reuniões do seu diretório? Se somos oposição nas cidades que vivemos, quantas ações e discussões programáticas foram realizadas? Que debate de programa de governo está sendo feito para impulsionar o grande líder? Lembrando que construção de programa de governo não tem impedimento legal ou jurídico e é um bom instrumento de trabalho de base. Agora pensando bem, que direção quer se comprometer a botar uma virgula e depois não poder nem divulgar na campanha? 

Já disse. Isso tudo já vivi, construí e dei o sangue. Chega uma hora na vida militante que você para pra pensar "o que estou ajudando a construir mesmo?" 

Quem sabe os ventos mudam.

Pra quem quer falar as mesmas bobagens que não sabe sustentar como "porque você não volta e ajuda então?", eu digo, VAI CAGAR. O sentido das ações, são os sentidos das ideias. Quando não há sentido, não há razão para perder tempo. Tempo é valioso, o capitalismo sabe disso, a um bom tempo.


  

Desculpas para as/os leitores do Blog - A vida é dura!

 


Imagem: https://br.pinterest.com/pin/535083999476652589/

Referência ao personagem O Pequeno Príncipe de  Antoine De Saint - Exupéry


Confesso, que desde 07 de novembro de 2021 não entrei mais no blog. As justificativas não são poucas, preparo para um concurso público, um serviço de consultoria que apareceu e as tarefas do dia a dia. Porém não justifica ausência em momento tão importante da história do país.

Chegando a mais de 103.028 visualizações fiquei surpreso com o interesse do público, em particular com as duas últimas publicações, pelo alcance e interesse na opinião desde militante, que já foi mais atuante e agora é mais reclamante. 

Pedir desculpa não ajuda e também não indica fôlego para escrever com uma intensidade que o público mereça. 

Como muitos percebem ao entrar, pela primeira vez, que eu não habilitei o espaço de "comentários", e explico que esse lugar do blog é para emitir posições e opiniões sobre a luta política anticapitalista e sobre os rumos da esquerda brasileira e internacional, das quais ninguém precisa concordar, apoiar , discordar, enfim, quando esse blog começou foi um lugar de exercício da liberdade de expressão, mas, na luta política não existe respeito quando o assunto são os interesses que rondam os intestinos de cada um, e no fim (ou no começo) deu merda. Pessoas preferiram usar esse espaço como lugar de ataque, inverdades e de vontades intestinais. Fechei, pronto! esse não é canal de comunicação de massa, não é institucional, não é imprensa e em de longe preciso ficar perdendo tempo em responder poucas linhas de ataques sem reflexão alguma. Vai seguir como um "diário de consciência pessoal".

Outra coisa, fico envergonhado com a pouca regularidade que tenho na emissão de artigos aqui, já que sei que há pessoas valorosas e que tem interesse em pensar o Brasil, a classe trabalhadora.

Assunto represado não falta: filme Marighela, Carolina Maria de Jesus, chapa LulAlckimin, entraves na luta pelo Fora Bolsonaro, ou seja, há questões que estão esfriando e outras pegando fogo.

Vamos ver se o fechamento de 2021. Se for possível mais umas duas ou três provocações.

Obrigado e força pra resistir!

domingo, 7 de novembro de 2021

Fora Bolsonaro. Virou luta de ano pré-eleitoral?



 As noticias para os militantes não são boas. Confusas como ainda está a perspectiva da luta unitária da esquerda brasileira e a campanha nacional Fora Bolsonaro. As primeiras lutas convocadas presencialmente alcançaram públicos diversos e desaproximou-se dos encontros de velhos e bons companheiros e companheiras, assim como foi o Fora Temer. Bolsonaro expressa uma ideia e permitiu uma transição geracional importante para que parte considerável da juventude se colocasse em oposição ao modelo autoritário, doutrinador e moralizador da extrema direita brasileira. Aqui há riscos, que devem ser analisados, pois, não sabemos se parte dessa oposição jovem se dá também no "eucentrismo" neoliberal que se apresenta como "moderno" e mercantiliza as lutas da diversidade sexual, racial e feminina, sabemos que as grandes corporações tem investido na "colorização" das suas marcas, buscando se aproximar dos jovens associados o ter bens materiais reconfigurados em expressões de modernidade tecnológica e cultural, tanto que vemos o investimento pesado das mídias em ressignificar as formas de relação com o mercado financeiro, com os jogos, compras, entre outras. Esses riscos existem e não podemos deixar de considerara-los. 

Evidente que na luta antifascista atual, essa aliança é fundamental. O enfrentamento ao capital se dá na permanente resistência em quebrar essas ilusões do mercado e do capital, e há espaço e momento para isso agora, não vamos ficar presos ao "etapismo", isso já deu errado pelas mãos reformistas e pela acomodação stalinista no leste europeu. 

O filme Marighella dirigido pelo ator e diretor Wagner Moura a partir do livro de Mario Magalhães chegou tarde devido a oposição e boicote institucional do bolsonarismo no poder executivo central mas parece ser providencial, já que tem sido expressivo nas bilheterias e traz a narrativa da necessária luta de projetos de país que estão ainda em aberto, a importância dos ideais enquanto sociedade e não apenas projetos individuais.

Beleza, estamos num processo de retomada, ok, porém, retomada para que direção política? Pela direita e o centrão, abre a oportunidade da manutenção e retomada da velha política em reaparelhar o Estado de um lado usando a máquina bolsonarista em crise, ocupando cargos no governo e utilizando para seus interesses no parlamentarismo de oportunidades em que se tornou nosso sistema presidencialista ou em lançar nomes velhos em combate a crise econômica que se tornou a aventura bolsonarista, como a ressuscitação de Alckmin em São Paulo.

E pela esquerda? A retomada parece estar mesmo presa na lógica político institucional. O tempo passou e a retorica critica ao governo Bolsonaro travou, onde as demandas institucionais em série associadas a uma pandemia da Covid-19 não permitiram uma retomada político ideológica que exigiria, por exemplo a retomada do trabalho de base. 

O trágico ato nacional de 02 de outubro que reuniu oportunistas de todas as matizes centralizadas no MASP só expressam que a unidade sem uma articulação que deveria ser construída pelo debate dos programas, limites, problemas de organização, enfim, uma unidade que não pode ser constituída por meio de eventos, mas de bundas sentadas e sem hora para sair, não há unidade que se construa sem paciência, divergência e disposição. Os aceites das direções para que o ato simplesmente desconsiderasse os ânimos das bases e que "gregos e troianos" subissem no caminhão de som, como se por mágica, as divergências se pulverizassem no sentimento "fora bolsonaro" não aconteceu. Não é de bom tom acusar quem jogou a primeira garrafa de água ou a primeira vaia, já que as direções - tão capacitadas - desconsideraram uma unidade que não foi construída por um processo que deveria ser iniciado na base, com todos os problemas que isso fosse acarretar. 

Amadurecer deveria ser um objetivo subjetivo a ser alcançado diante do caos que estamos vivendo. E não basta de forma simplista considerar que o governo Bolsonaro em si já é ponto de unidade. Não é. Já que estamos pulverizados pelo próprio governo bolsonaro nas diversas áreas do Estado e das políticas públicas. Tudo tem relevância nessa conjuntura. A história sempre foi elemento fundamental, contudo, em determinados momentos foi colocada de lado nas decisões centrais, como a "carta aos brasileiros" de 2002, as alianças no campo dos governos do PT e entre outros, antigos inimigo durante a ditadura militar sentaram-se a mesa para governar. Porém, agora o trauma de 2013, do golpe de 2016, das eleições de 2018 e a crise da Covid-19 ainda estão presentes na subjetividade política dos militantes, dos não militantes, dos novos militantes, dos que estão se aproximando, enfim, do público que em oposição a Bolsonaro não está necessariamente UNIDA num mesmo projeto político ideológico, institucional, eleitoral, etc., e uma parte mesmo participante dos nosso "fora bolsonaro" ainda estão assistindo que via seguir.

Afoitos com o momento e sem analisar conjuntura, chegaram a convocar o dia 02 de outubro e 15 de novembro querendo "guardar lugar" na fila da simbologia, já que 07 de setembro foi o "fascist day", o dia da proclamação da república deveria ser capitaneado pela esquerda, na cabeça das direções. Duas datas que antes do bolsonarismo só eram bons feriados. No final, o fiasco da unidade de 02 de outubro levou a desmentida das direções com relação ao 15 de novembro, ou seja, apagar o dito pelo não dito. 

Numa inflexão débil ao nosso fraco "Black Lives Matter" com atraso histórico e com vários corpos negros já brutalizados, as direções resolvem reabilitar o 20 de novembro para limpar a cagada do 15 de novembro: reestabelecer a unidade pela esquerda e aliançar-se ao lado dos movimentos negros. Sim, antes tarde do que nunca! E agora convocam efusivamente como se pertencessem a unidade da causa negra. Inclusive se o 20 de novembro fosse tão prioritário antes, como será agora, quem sabe teríamos uma unidade real da classe trabalhadora.

Bom, não estou bem para ficar no entusiasmo do "fora bolsonaro" e "viva a esquerda brasileira" porque não há motivos para isso nessa conjuntura. Estamos chegando no fim de 2021 e adentrando 2022 em quase que área cega causada pela anestesia do debate político institucional eleitoral. Perdemos o bonde do trabalho de base, da solidariedade de classe e o "fora bolsonaro" entrou em rota de colisão com as urnas de 2022, se fundindo. 

Quando digo direções, não estou fixo na lógica maniqueísta sobre o bem e o mal das direções, e sim como se constitui a forma que constrói o "tipo ideal de militante", do roteiro bem lido, da boa ficha hereditária e até mesmo acadêmica, dos "quem indica" e quem se submete a uma forma como se dão os perfis aceitos de fazer parte desse "mundo". Eu tentei habitar esse "modus vivendi", mas não gostei do que vi, vivi e percebi que identidade de classe exige mais do que ficar figurando num teatro das lideranças. 

Escrevo pela minha consciência de classe, pela minha experiência de luta, pela certeza de que cada um contribui como pode no momento histórico que vive, que não quer errar as mesmas coisas, mas errar por motivos e causas diferentes, sigo impaciente pacientemente a enfrentar seja quem for: traidor, capitalista ou fascista e todos os seus derivativos.

Nos vemos na luta!

domingo, 10 de outubro de 2021

ROUND 6 : A perturbadora forma de viver do capitalismo atual.

 


Gosto dos recursos da sétima arte e acredito no seu papel educador. A despeito das criticas ao enredo onde um grupo de fudidos da nossa classe trabalhadora endividados pela sociedade do capital são convencidos a participarem de um jogo em que podem ficar ricos. Porém, o que tem perturbado parte da critica popular é que os jogos são jogos praticados na infância e os perdedores perdem a vida. A grande sacada do enredo da série é a critica acida e dura sobre o momento em que nos encontramos diante da forma de vida e sobrevivência do capitalismo global, indico a analise de Luciana Coelho (FSP, 07/10/21) (link: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/lucianacoelho/2021/10/round-6-faz-sucesso-ao-opor-capitalismo-selvagem-a-totalitarismo-igualitario.shtml

A verdade é perturbadora, ainda mais quando a contradição transborda pelos poros de um bando de "espertos". Os mesmos tipos de hipócritas, oportunistas, bons de conversas, moralistas, estudados, "bem sucedidos", racistas, machistas, religiosos sem caráter, enfim, só "tutti buona gente" que a sociedade capitalista produz. Os velhos estereótipos que são vistos na prática das relações sociais em momentos de crise da humanidade evidenciam o mal que representa a sociedade do capital. Basta ver o começo da pandemia da Covid-19 em março de 2020, e eu vivi para ver desde a escassez do álcool em gel e o vazio das baias de papel higiênico, passando pelos fura-filas da vacina, e só isso explica o vazio que a sociedade de mercado trouxe para todxs nós.

Então, reconhecendo a dor e desgraça pelo que passamos, porque ainda assistir Round 6? Simples, porque o Brasil chega aos 600 mil pessoas mortes pela Covid-19 sem causar nenhuma comoção que exigiria já uma revolta popular, nem uma "comoção nacional" já que a sociedade esta anestesiada pela mais velha lógica da alienação, apresentando os desafios do nosso tempo com domínio das novas tecnologias sobre as pessoas numa relação de dominação individualista, auto regulável, como se a exploração passassem ilesa como parte integrante da vida e não uma ideologia à enfrentar.

Pessoas merecem morrer pelos erros que cometem? Sigo minha posição em defender que não. Porém, o que a série mostra é como já nos relacionamos com desgraça humana desse sistema, via os "big brothers", os shows que impõem como competição destruir o coletivo, derrubar o próximo, ou seja, destruir o próximo se tornou uma diversão que permitimos deixar entrar em nossas casas e nossas mentes sem refletir criticamente.

Agora, isso vem sem uma intenção? Se prefere achar assim, siga em frente e cuidado para não acabar num desses jogos. Inclusive nem precisa procurar, se o seu banco já lhe incomodou em algum momento bem vindo (a).

E se alguém duvida que estejamos já inseridos nessa roda vida, basta ver o noticiário oficial: 

Segundo a Agencia Brasil de 05/08/21, o "Endividamento das famílias bate novo recorde em julho" (link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-08/endividamento-das-familias-bate-novo-recorde-em-julho), diz que "O percentual de famílias que relataram ter dívidas no mês de julho chegou a 71,4%, o maior patamar da série histórica, iniciada em 2010. A alta é de 1,7 ponto percentual na comparação com junho e de 4 pontos em relação a julho de 2020, o maior aumento anual verificado desde dezembro de 2019.(...) Dívidas, o tempo médio de atraso para quitação das dívidas ficou em 61,9 dias em julho. A principal dívida das famílias é no cartão de crédito, modalidade assinalada por 82,7% dos endividados, o maior nível da série histórica. Carnês de lojas foram indicados por 18% das famílias, 9,8% têm dívidas com crédito pessoal e 9,7% com financiamento da casa própria.".

Jogar para o individualismo ou "livre escolha" é apenas um discurso liberal sem vergonha que encobre o verdadeiro abismo que está colocada a maioria da população mundial. O capitalismo indiretamente cria seu jeito de controlar e combinar o crescimento populacional com a produção em larga escala de mais valia, acrescido de juros, capital e caos social.

Depois de maratonar a série haveriam muitos aspectos para serem levantados dentro de cada episódio, contudo, muita coisa se confunde com uma outra série de sucesso,"The Walking Dead", onde descobrimos que o problema não é a pandemia global que dizimou humanos e transformou uma parte em zumbis, mas a própria humanidade sobrevivente que mergulhou no caos sob uma hegemonia dos valores dominantes, opressores e explorador que castrou ideais coletivos, e o que fica presente nas relações é essa ideologia dominante. 

Então, poderia dizer que não há nada que acrescentar já que ambas tratam da mesma configuração político ideológica? 

Não necessariamente. Round 6 ainda é contemporâneo em termos do nosso tempo presente, daquilo que não nos surpreende, já que não nos importamos com a vida do outro até que a nossa esteja em perigo ou que o mundo cotidiano a nossa volta se feche mais e mais diante das dívidas financeiras contraídas para manutenção dessa forma de vida do capitalismo neoliberal. E o Estado neoliberal que se torna uma representação repressora dos interesses coletivos, incorporando a passividade do absurdo, na chamada da série um dos jogadores tenta alertar a polícia, mas é desacreditado já que a definição de "loucura" segue a mesma de tempos passados, tudo que "foge ao normal" é "louco" e não deve ser levado em consideração, desde que não interfira na ordem vigente.

E o que levou "homens brancos" endinheirados a propor um jogo mortal que tira vidas humanas? A palavra "diversão" sai com a naturalidade de quem assiste os atuais jogos de realidade como os "big" da vida, escolhe um para se tornar vencedor e determina o destino dos outros a expulsão (ou morte moral, ainda não corporal). A noção de diversão inclusive é uma questão que difere as classes e seja em nome de uma suposta "igualdade totalitária" como é definida em Round ou em nome de uma "paz social" purificada em nome de Deus nos filmes do gênero "Noite de Crimes", diversão também é a motivação dos estadunidenses endinheirados que vieram pousar em "Bacuraru". Sim, a diversão dos ricos pode ser cruel, já que não há limites para opressão da classe dominante.

E se em algum momento ao assistir Round 6, em particular após o quarto episódio, podemos até intimamente nutrir a ideia de que "fulano merecia morrer", e se você pensou assim, como eu, já cometemos um deslize ideológico e político grave contra direitos humanos.

A questão ainda é a humanidade: se ajoelhar ou resistir? Será que, se nos shows de realidade, como os "Big Brothers" sua ligação telefônica determinasse a morte do oponente você seguiria colaborando? O tempo presente nos diz que sim! E isso é uma constatação de uma sociedade que está erodindo por dentro por um sistema que mesmo mutante, como o capitalismo, segue mudando não para o melhor da humanidade, mas para o pior.

Desculpem pelas más noticias. Assistam Round6 e se possível sigam com necessárias reflexões sobre que sociedade queremos construir e por onde começar. 

Se quer respostas, se desafie a pensar.

Pra terminar, #forabolsonaro!


terça-feira, 11 de maio de 2021

A esperança vem de Kerala! Segue o artigo publicado na Tricontinental: "Em Kerala, o presente é dominado pelo futuro | Carta semanal 18 (2021)"

 

Em Kerala, o presente é dominado pelo futuro | Carta semanal 18 (2021)

E. Meera (Kerala), Red Dawn, 2021.

E. Meera (Kerala), Red Dawn [Aurora vermelha], 2021.

Queridos amigos e amigas,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Kerala, um estado indiano com uma população de 35 milhões, reelegeu a Frente Democrática de Esquerda (FDE) para liderar o governo por mais cinco anos. Desde 1980, o povo de Kerala vota contra o governo no poder, buscando alternância entre esquerda e direita. Este ano, decidiram ficar com a esquerda e dar ao líder do Partido Comunista da Índia (Marxista), Pinarayi Vijayan, um segundo mandato como ministro-chefe. O secretário da Saúde, K. K. Shailaja, popularmente conhecido como Professor Shailaja, venceu sua reeleição com uma contagem recorde de mais de 60 mil votos, ultrapassando em muito seu principal concorrente.

Está claro que o povo votou no governo de esquerda por três razões:

  1. A maneira eficiente e racional como o governo da FDE gerenciou crises em cascata, como a do ciclone Ockhi (2017), enchentes (2018 e 2019) e vírus (Nipah em 2018 e coronavírus em 2020-21).
  2. Apesar dessas crises, o governo continuou a atender às necessidades das pessoas, construindo casas a preços acessíveis, escolas públicas de alta qualidade e a infraestrutura pública necessária.
  3. O governo e os partidos de esquerda lutaram para defender a estrutura secular e federal da Índia contra o crescente e sufocante neofascismo do Partido Bharatiya Janata (BJP) e seu líder Narendra Modi, o atual primeiro-ministro da Índia.

Se em outras partes do mundo o presente é dominado pelo passado, em Kerala o presente é dominado pelo futuro e pelo que é possível.

 

 

Niharika Ram (Kerala), Plucking the Saffron, 2021.

Niharika Ram (Kerala), Plucking the Saffron [Tirando o açafrão], 2021.

No domingo, o ministro-chefe Vijayan abriu sua coletiva de imprensa não com os resultados das eleições, mas com uma atualização da Covid-19. Só depois de contar ao povo de Kerala sobre a atual situação da pandemia no estado é que saudou a “vitória do povo”. Essa vitória, disse, “nos torna mais humildes. Exige que estejamos mais comprometidos”. Do ciclone de 2017 à pandemia de coronavírus, o ministro-chefe veio à público por meio de entrevistas coletivas calmas e racionais durante cada uma dessas crises, oferecendo avaliações baseadas na ciência dos problemas e esperança para as pessoas que se desesperavam com as circunstâncias impostas.

Jeo Baby – o cineasta malayalam que fez o grande sucesso The Great Indian Kitchen (2021) – fez uma paródia carinhosa de suas coletivas de imprensa; ano passado, ele dublou um vídeo de Vijaiyan, e postou no Facebook, no qual o humorista “usa” a imagem calma do secretário para dizer a seu filho de quatro anos que escove os dentes antes de beber seu chá da manhã. A coletiva de imprensa de 2 de maio – após o surgimento dos resultados das eleições – deu continuidade à tradição da calma racional.

 

 

Nipin Narayanan (Kerala), Flag in the Storm, 2021.

Nipin Narayanan (Kerala), Flag in the Storm [Bandeira na tempestade], 2021.

A comparação com a atitude do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, ficou evidente para o povo de Kerala. Em 28 de janeiro, Modi discursou no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, onde anunciou que a Índia havia vencido a Covid-19, em clima de fanfarronice. “Não seria aconselhável julgar o sucesso da Índia com o de outro país”, disse Modi. “Em um país que abriga 18% da população mundial, esse país salvou a humanidade de um grande desastre ao conter o coronavírus de forma eficaz”. Naquele mesmo dia, o ministro da Saúde de Modi, Harsh Vardhan, disse: “A Índia achatou a curva da Covid-19”. Certamente, naquele dia, os casos recém-confirmados somavam 18.855Observadores atentos alertaram que esses números mostravam uma subnotificação e que o vírus – assim como suas novas variantes – poderia se espalhar muito rapidamente, dada a falta de precauções da sociedade.

Poucos dias antes de Modi e Vardhan fazerem esses comentários, o membro do partido de Modi e ministro-chefe de Uttarakhand, Trivendra Singh Rawat, permitiu que 7 milhões de pessoas conduzissem o Kumbh Mela em abril. O Kumbh Mela é uma reunião de pessoas religiosas que celebram a rotação de Jupitar (Brihaspati), que ocorre a cada doze anos. Em meio a uma pandemia, as aglomerações deste ano foram permitidas com um ano de antecedência. Autoridades do governo alertaram no início de abril que o Kumbh Mela e outros eventos semelhantes poderiam acelerar a transmissão do vírus. O Ministério da Saúde disse que isso era “incorreto e falso”. O Kumbh Mela prosseguiu, assim como os comícios de campanha em massa de Modi para as eleições à Assembleia.

Gopika Babu (Kerala), Armed with Red, 2021.

Gopika Babu (Kerala), Armed with Red [Armados com vermelho], 2021.

O comentário de Modi no Fórum Econômico Mundial foi insensível e ridículo. No último dia do mês de abril, mais de 400 mil casos diários de Covid-19 foram confirmados na Índia. Todo o sistema de saúde está sobrecarregado. Os gastos governamentais com saúde são extraordinariamente baixos, cerca de 1,3% do PIB em 2018. No final de 2020, o governo indiano admitiu que tinha 0,8 médicos para cada mil indianos e 1,7 enfermeiras para cada mil indianos. Nenhum país do tamanho e riqueza da Índia tem uma equipe médica tão pequena.

Fica pior. A Índia tem apenas 5,3 leitos para cada 10 mil pessoas, enquanto a China – por exemplo – tem 43,1 leitos para essa mesma quantidade. A Índia tem apenas 2,3 leitos de cuidados intensivos para 100 mil pessoas (em comparação com 3,6 na China) e tem apenas 48 mil ventiladores (a China tinha 70 mil ventiladores apenas em Wuhan).

A fraqueza da infraestrutura médica deve-se inteiramente ao modelo de privatização, em que os hospitais do setor privado operam seus sistemas com base no princípio da capacidade máxima e não têm condições para lidar com sobrecargas. A teoria da otimização não permite que o sistema absorva sobrecarga de demandas, pois em tempos normais isso significaria que os hospitais teriam capacidade ociosa. Nenhum setor privado vai desenvolver voluntariamente leitos ou ventiladores excedentes. Isso é o que causa inevitavelmente a crise em uma pandemia. Os baixos investimentos do governo com saúde significam baixos investimentos com infraestrutura médica e baixos salários para profissionais de saúde. Essa é uma maneira inadequada de administrar uma sociedade moderna, tanto em tempos normais quanto em tempos extraordinários.

 

 

Watch the Video

Xavier Chittilappilly, do Partido Comunista da Índia (marxista), canta Internacional em Malayalam; ele ganhou seu assento em Wadakkanchery, Kerala.

 

O partido de Modi – o BJP – teve uma derrota decisiva nas eleições para a Assembleia em Kerala (não conquistando um único assento), sua aliança perdeu em Tamil Nadu (população de 68 milhões) e perdeu em Bengala Ocidental (população de 91 milhões). O mandato nesses estados é contra a catástrofe criada pelos sistemas de saúde impulsionados pelo mercado e por um governo insensível e incompetente. Deve-se dizer, entretanto, que essas não são as áreas centrais da base de apoio de Modi. Esses estão principalmente no norte e no leste da Índia e não serão consultados nas pesquisas por pelo menos um ano. No entanto, a continuação da revolta dos agricultores, que começou em novembro de 2020, provavelmente mudará o equilíbrio de forças em muitos desses estados do norte e leste da Índia, de Haryana a Gujarat.

Nada reflete melhor a cruel incompetência do governo do que a situação das vacinas. A Índia produz 60% das vacinas do mundo. Ainda assim – como apontado por Tejal Kanitkar, professor do Instituto Nacional de Estudos Avançados – no ritmo atual, a Índia não completará sua campanha de vacinação antes de novembro de 2022. Esta é uma situação confusa. Kanitkar faz três sugestões de política que são sensíveis e devem ser endossadas imediatamente:

  1. Compra em grande escala de vacinas pelo governo indiano a preços regulados.
  2. Um programa de distribuição transparente, entre os 28 estados e 8 territórios da Índia, em discussão com especialistas em saúde pública e governos estaduais para determinar a necessidade e a taxa de fornecimento, a fim de garantir a equidade em todo o país.
  3. Estratégias dirigidas pelo governo local para aumentar a ingestão de vacinas entre as massas trabalhadoras para garantir o acesso equitativo entre as classes econômicas.

Este é um programa que faz sentido não apenas para a Índia, mas para a maior parte do mundo.

 

 

Junaina Muhammed, Captain and Teacher, 2021.

Junaina Muhammed, Captain and Teacher [Capitã e Professora], 2021.

O clima em Kerala é de alegria, com pessoas sensíveis em toda a Índia olhando para a forma como o governo de esquerda está lidando com a pandemia e promove a agenda popular. Um jovem poeta, Jeevesh M., captou o espírito da vitória:

Ei, flor,
Por que você está tão vermelha?
As raízes se aprofundaram,
Tocando a base.
E isso é tudo.

Poucos dias antes da eleição, o ministro da Saúde de Kerala, K. K. Shailaja, foi questionado sobre o estado da pandemia. Suas palavras encerram esta carta semanal:

Acho que há duas lições importantes dessa pandemia. Uma, que o país precisa de planejamento adequado e mecanismos de implementação descentralizados para melhorar nosso sistema de saúde; a segunda lição é que não pode haver demora em aumentar o investimento público em saúde. Gastamos apenas 1% de nosso PIB em saúde; deve ser aumentado para pelo menos 10%. Países como Cuba investem muito mais. O sistema de médicos de família cubano me influenciou quando iniciamos os Centros de Saúde da Família aqui em Kerala. Os cuidados de saúde devem ser universais, com alguns regulamentos nas unidades terciárias de saúde. Deve haver mais investimento nos níveis primário, secundário e terciário. Deve haver um planejamento descentralizado com regulamentação. Cuba conquistou muito por causa de seu planejamento centralizado e implementação descentralizada. Seu sistema de saúde é focado nas pessoas e no paciente. Seu conceito de igualdade e descentralização podem ser emulados aqui.

Eu sou de esquerda. Minha palavra não tem nenhum valor na política sanitária desse país no momento. Mas se a esquerda estivesse no poder central agora, teríamos nacionalizado a saúde e a educação. O governo deve ter controle sobre os cuidados de saúde para que todos – pobres e ricos – recebam tratamento equitativo.

Cordialmente,

Vijay.

Resta-me humanidade? Por Frei Betto

 

Resta-me humanidade?

 

Por Frei Betto, para a Folha de SP

 



 

 

Todos os dias, na oração da manhã, me pergunto: resta-me humanidade?  Como posso aplicar, recluso em casa, que lá para morreram, por descaso do governo, mais de 400 mil pessoas no Brasil ? E mais de 14 milhões de infectados não sabem o futuro que os aguarda - se a cura, se as sequelas, se a morte.

 

O que faz meu grito ficar parado no ar, a gota d'água não entornar minha paciência, a esperança me fazer acreditar que serei poupado do genocídio? Como fazer parar a máquina da morte? Como dar um basta ao negacionismo que alimenta essa política necrófila que vitimiza, indiscriminadamente, ricos e pobres, idosos e jovens, portadores de comorbidades e atletas ativos?

 

Mais de 400 mil mortos! Não ouço os sinos tocarem por eles. Vejo apenas múltiplas mãos encharcadas de sangue se lavando, ponciopilatamente, na bacia do mais escancarado cinismo. A dor de mais de 400 mil famílias não dói em mim. O que me resta de humanidade?

Na  Guerra do Paraguai , o Brasil perdeu 50 mil combatentes. Em pouco mais de um ano deixamos a pandemia multiplicar esse número por oito. Porque?  Talvez por não presenciar o desespero de quem bate em vão as portas dos hospitais desprovidos de leitos, nem o indescritível sofrimento de quem, entubado e sem receber analgésicos, não conhece corpo como infinitas dores das torturas medievais.

 

Na  guerra do Afeganistão , ao longo de 14 anos (2001-2015), 149 mil vidas foram perdidas. Aqui, em 14 meses, esse número foi multiplicado por três. Como admitir tamanha mortandade? Por ter como causa um vírus invisível?

 

Não, o vírus não age sem que humanos o transmitam. O vírus é como uma bomba atômica jogada sobre Hiroshima e que ceifou 140 mil vidas. A bomba não viajou sozinha dos EUA ao Japão. Foi conduzida por uma aeronave B-29. Cada um de nós é um aeronave que transporta o vírus letal. Cada um de nós é potencialmente um míssil carregado de artefatos nucleares. Basta abrir a boca e como narinas para detonar os projéteis que haverão de semear a morte alheia.

 

Em 1912, o Titanic , navio invencível, foi vencido por um iceberg.  Morreram mais de 1.500 passageiros. Aqui no Brasil já afundaram 266 Titanic e ainda há quem não enxergue a cor rubra do mar ...

 

As  quedas das Torres Gêmeas de Nova York soterraram 2.996 pessoas. O mundo parou, estupefato, frente à tamanha atrocidade. Até os religiosos religiosos suprimiram a palavra perdão. No Brasil já desabaram 134 Torres Gêmeas e ainda não foram apontados os responsáveis por esse terror.

 

Resta sim, humanidade, mas preciso beber no poço aberto por Santo Agostinho, o da indignação, para protestar, e o da justiça, para mudar esse estado de coisas.

 

Link da matéria: https://outline.com/2tumYL

sexta-feira, 7 de maio de 2021

A esquerda deve defender um programa de esquerda - Colunista Valerio Arcary publicado no Jornal rasil de Fato

 Reproduzindo, boa leitura!


A esquerda deve defender um 

programa de esquerda

Imagem de perfil do Colunistaesd
Precisamos defender que a única saída para a crise é um governo de esquerda. Precisamos responder a pergunta: quem deve governar? - Fotos Públicas
Ser oportunista é dizer somente aquilo que as pessoas já estão dispostas a ouvir e concordar

"Ter esperança ensina a ter paciência"
Sabedoria popular portuguesa

 

Ser de esquerda não é fácil no Brasil. Nos últimos cinco anos ficou ainda pior. Estamos o tempo todo tendo que explicar por que somos “contra”. Contrariar o senso comum exige de nós muita paciência no trato, habilidade emocional e, sobretudo, uma imensa força de caráter ou resiliência.

Por isso, a esquerda deve ter coluna vertebral. Ser oportunista é dizer somente aquilo que as pessoas já estão dispostas a ouvir e concordar. Ser de esquerda exige mais do que isso. Ser de esquerda significa ter a lucidez de defender ideias que são justas porque correspondem ao que deve ser feito para ir à raiz dos problemas, mas que ainda não foi assimilado pela maioria dos trabalhadores e da juventude. Ser de esquerda é, na maioria das ocasiões, “marchar contra a corrente”.

A luta da esquerda se desenvolve, simultaneamente, em várias dimensões distintas. Temos o terreno das lutas pelas reivindicações imediatas que respondem às necessidades mais sentidas pelas amplas massas. Hoje, no Brasil, diante da calamidade sanitária, elas são a luta pela vacinação e por um auxílio emergencial.

:: Leia também: Governo pode usar "teto de gastos" para travar renda básica determinada pelo STF ::

São elas que podem abrir a conversa com qualquer um, seja onde for. Nas camadas populares, por incrível que isso possa parecer, há quem seja contra ou pelo menos muito desconfiado das vacinas, pelas mais variadas e esdrúxulas razões. Há, também, aqueles que são contra o auxílio emergencial de R$600,00, e esgrimem argumentos surpreendentes. Mas há uma maioria a favor, embora não sejam poucos aqueles que só estão dispostos a abraçar estas bandeiras.

Acontece que há outras tarefas. No terreno da luta contra a pandemia é necessário a defesa das quarentenas. Não haverá como poupar vidas se, além das medidas emergenciais para conseguir a vacina no braço e comida na mesa, a esquerda não tiver a coragem da defesa de lockdown.

A escala do contágio permanece muito elevada, e o cataclismo não pode ser contido, se não for conquistada a interrupção da circulação por algumas semanas. Acontece que há poderosas frações burguesas contra as quarentenas, e elas se apoiam na mobilização da maioria da pequena-burguesia proprietária. Mas não há direitos absolutos. Todos os direitos são limitados por outros direitos. Os interesses de maioria devem prevalecer sobre os de uma minoria.    

:: Leia também: Oposição critica barganha com verba de Saúde e Educação para liberar auxílio ::

Mas há ainda outras tarefas. No âmbito político, nada é mais importante que a luta pelo Fora Bolsonaro, um terreno de discussão mais elevado porque exige a disposição de se unir em um movimento pela derrubada do governo.

Entre aqueles que concordarão com a luta pela vacina e pelo auxílio emergencial, ou até com a necessidade de lockdown, não serão todos que concordarão que é necessário derrotar Bolsonaro, mas não podemos ceder. Não devemos nos calar.

Bolsonaro é o responsável por uma estratégia genocida. Defendeu durante um ano inteirinho que o contágio de massas era o caminho mais rápido para a imunidade coletiva, e que as mortes dos vulneráveis seria inevitável. A média mundial é que algo em trono de 3% daqueles que contraem o vírus morrem. Na última quinta-feira (29, superamos os 400.000 óbitos.

:: Leia também: Campanha "Fora Bolsonaro" lamenta as 400 mil mortes e convoca plenária para dia 11 ::

A conversa até aqui muitas vezes não é fácil. Mas fica mais difícil. Temos mais tarefas. Precisamos defender que a única saída para a crise é um governo de esquerda. Precisamos responder a pergunta: quem deve governar? De novo, encontraremos dificuldades. Mesmo entre aqueles que concordaram conosco até na defesa do Fora Bolsonaro, não será simples a argumentação da necessidade de um governo de esquerda.

Alguns porque estão envenenados pela ideia de que a esquerda é corrupta, outros porque foram seduzidos pela promessa da melhoria de vida pelo “empreendedorismo” e sonham em ser patrões, mesmo que “patrões de si mesmos” e, finalmente, porque há os que nos dirão que socialismo “fracassou”.

A conversa já foi longa, mas "agora é que são elas”. Temos tarefas ainda mais difíceis. Porque não basta dizer que queremos um governo de esquerda. Devemos ter a honestidade de dizer o que queremos de um governo de esquerda.

Queremos um governo de esquerda que lute contra as injustiças e a desigualdade social. Isso exige a revogação da lei do Teto dos Gastos, da contrarreforma trabalhista, da contrarreforma da previdência. Queremos a suspensão da tramitação parlamentar da contrarreforma administrativa. Queremos a valorização real do salário mínimo.

Queremos a garantia das condições materiais de vida de toda a população. Para isso, é fundamental a adoção de um plano de obras públicas sociais – construção de creches, hospitais, escolas, estrutura de saneamento básico, etc. – para gerar milhões de empregos.

Queremos uma reforma tributária com a diminuição de impostos para a classe trabalhadora e os mais pobres e aumento da carga tributária para os mais ricos; a redução da taxação sobre o consumo e ampliação da taxação sobre o patrimônio, com destaque para a taxação das grandes fortunas e dos lucros das multinacionais.

Queremos a aprovação da Lei de Responsabilidade Social, que submeta a disciplina fiscal às metas de desenvolvimento social; o financiamento público a taxas de juros reduzidas para os pequenos negócios nas cidades e para a pequena produção agrícola no campo; a auditoria e suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes credores, com o objetivo de reverter recursos para o financiamento da educação e saúde públicas; Petrobras, Correios, Eletrobrás e demais empresas públicas devem ser 100% estatais.

Queremos a desmilitarização das Polícias Militares, pela legalização do aborto, pelo combate a todas as formas de discriminação no mercado de trabalho e pela adoção de medidas efetivas de combate à violência racista, misógina e LGBTfóbica. O trabalho doméstico deve ser crescentemente socializado, por meio da abertura de lavanderias e restaurantes populares, reduzindo o peso das jornadas duplas e triplas que recaem sobre as mulheres.

:: Leia também: Para combater “pandemia da fome”, MTST inaugura cozinha solidária em SP ::

Queremos a garantia do direito de moradia e da segurança alimentar, com a implementação do aluguel social e desapropriação dos imóveis abandonados e com dívidas com o Estado; reforma agrária com a desapropriação de latifúndios, e fomento à produção agroecológica de alimentos saudáveis e baratos para a população; política de rígida proteção das terras indígenas, quilombolas e de proteção da biodiversidade nacional, punindo duramente o agronegócio predador e o garimpo, a mineração e as madeireiras ilegais.

Queremos a organização de espaços permanentes de participação e deliberação de políticas públicas por representações dos movimentos sociais, como os movimentos negro, feminista, sindical, ambientalista, indígena, entre outros. Queremos a revogação das leis antiterrorismo e de segurança nacional.

Queremos a responsabilização dos militares que cometeram crimes na ditadura e uma reforma geral das Forças Armadas, com a mudança do seu comando, estrutura e doutrina, colocando-as a serviço da soberania nacional e dos interesses da maioria trabalhadora do povo. Queremos a democratização da mídia, com a quebra do monopólio das grandes redes.

Queremos um governo de esquerda com um programa de esquerda.

 

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Poliana Dallabrida