sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

O PT abriu mão da organização-partido?




O PT nos seus 39 anos institucionalizou mesmo. Pode ser apenas impressão de quem militou desde os 16 anos de idade e as uns cinco anos preferiu fortalecer a esquerda como pensamento e ação. Já expliquei minha intensa militância partidária, não vou dissertar isso de novo. Tenho autoridade pra falar.

Uma imagem dessas que ficou foi emblemática, ainda no processo de construção da campanha presidencial de 2002, não me recordo a data, quando Guarulhos sediou alguns encontros nacionais setoriais e a plenária da juventude do PT acabou sendo na garagem do hotel. Um dos embates, hilários pensando agora, foi nas palavras de ordem, sendo que a esquerda petista entoava "Pra que Lula lá sem um programa pra radicalizar" e os "lulistas" respondiam "Pra que programa sem Lula lá", enfim, era infantil, reconheço!

Mas tem um fundo de verdade esses embates. Nosso centro gravitacional é Lula. Nunca deixou de ser, e tanto à esquerda, quando à ala moderada, em momentos diversos tentaram superar o criador, sem sucesso.

Antes tinha certeza que essa super dependência era a porta que permitia os membros da elite no PT a criarem suas personagens e personalidades, desconstruindo a identidade do partido, o individuo tinha força extraordinária no PT, antes mesmo das personalidades da internet. Isso mesmo, internamente, cultuar pessoas, em especial com destaque pelo cargo, posição ou influencia era a máxima da organização partidária que foi permeando a máquina partidária em especial no final da década de 1990 e ganhou ascensão nos anos 2000. O marketing era a direção indireta do partido, os assessores ocultos e eram os novos influenciadores do processo político e parte dos dirigentes apenas tinham os cargos, não necessariamente o poder. 

Antes de você dizer: "lá vem ele de novo recorrer ao passado", sim, passados são reveladores, principalmente quando não se aprende nada ou não se reflete sobre ele. Eis a questão: 2016 não existiu para o PT. O partido como estrutura orgânica parece paciente de terapia, orientado a "esquecer o passado e seguir em frente", como se um divorcio entre duas pessoas tivesse o mesmo peso que um golpe institucional contra uma presidenta eleita e depois um processo que extinguiu quase a totalidade das conquistas sociais de quase 16 anos de governos do PT fossem coisas secundárias. 

Tratando Bolsonaro como um adversário eleitoral esquecemos o fato de que a direta não precisa se organizar, ela nunca abandonou sua organização, está nas instituições, nas tradições, no cotidiano, nas mídias, nunca abandonou o controle do poder. Pode sazonalmente perder o poder institucional do poder executivo, mas nunca abandona suas posições originarias. É capitalismo. (ponto)

Já o fascismo presente é funcional, alimentado como um bode que precisa feder, mas não se reproduzir e assumir o controle da sala, serve a direita porque mantêm a polarização extrema contra a esquerda e joga no saco do "todos iguais", pois, ambos são extremos, gerando a boa e velha confusão. O problema é quando a direita tradicional, puro sangue, perde e (as vezes) recorre ao seu bode e prefere o fedor e confusão que causa a ter que redistribuir parte da riqueza que tributada ao Estado, ainda assim, ela (a direita) se acha dona desse recurso. Hitler, Mussolini, Trump, Bolsonaro entre outros só expressam a luta de classes e a luta pelo poder é o que é, isso só pra citar parte do século XX e essa terrível segunda década do século XXI.

Porém, quero falar do PT. Que em vez de combater o reducionismo intelectual que o neoliberalismo impôs em várias áreas, sito, educacional, cultural, político, etc., preferiu se adaptar. Adaptação que foi tão profunda que nos joga para a realidade que temos hoje. Depois de uma década na máquina do Estado o PT daquele tempo e a elite que nela estava dava como certa que o projeto político eleitoral do partido estava dado, mesmo após a crise de 2005, a reeleição de Lula e a vitória de Dilma sinalizavam para estes que eram favas contadas a certeza de que o PT liderava um novo centro de poder, inclusive sem a vergonha das seguidas alianças, sendo a última com o PMDB de Temer.

2013 não foi causa, mas consequência. Que poderia ter sido evitada se a percepção da analise política não fosse subjugada pela institucionalização incorporada a vida partidária. Olimpíadas e Copa do Mundo poderiam ser parte de um legado, sim, mas se tivesse sido fiel a "inversão de prioridades" defendida pelo "modo petista de governar". 

2016 é mais importante sim que 2013. E cada vez mais o mito de que 2013 foi central para abrir a porta do fascismo presente cai por terra, pois, o bode bolsonarista sempre esteve presente e atuante ao longo das décadas, criando tentáculos, elegendo filhos, mantendo vivo o serviço sujo de criar contrapontos a esquerda em suas pautas ideológicas. Nós é que relativizamos e preferimos pintar o bode de "bobo da corte", "baixo clero do congresso", entre outros adjetivos. 

Em cálculo eleitoral não tem erro de matemática, tem ludicidade com os números e as suas próprias formulas. "Ser antissistema" antes de ser  uma posição político ideológica, é uma forma de construir base, eleitores e influenciar a opinião pública no Brasil. Vejamos o PT , que em 1998-1999 abandonou a luta anticapitalista pela "luta contra corrupção", agora o bolsonarismo persegue a "defesa da família, da moral, do nacionalismo sem nação, mas com valores cristãos" e aí vai. Não faltam teses e pesquisas sobre como o processo de erosão socioeconômica elevam a busca individual por saídas míticas.

Antes implicava com o Lula. É o presidente de honra do PT, sendo onipotente, onipresente e onisciente está acima das instâncias, até se afastou por um tempo quando deixou a presidência, contudo, não perdeu a influência. em 2002 queria cheque em branco, teve que engolir uma prévia interna contra Suplicy, que apelou para que a democracia petista não fosse questionada pelos adversários e a opinião pública, eu e muitos fomos votar na certeza de que Lula era mais um filiado a "serviço do partido", foi um momento histórico e 15% da militância disse Lula lá, respeitando o PT como centro do programa e das decisões (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2002/03/20/suplicy-anuncia-resultado-das-previas-do-pt-com-vitoria-de-lula), foi bom pra alma. Não durou muito. Depois venho "carta aos mercados financeiros", vice empresário, alianças com centrão, enfim, foi a velha lógica.

A prisão de Lula no joguete da "lava jato" mexeu com os ânimos internos e externos. Até quem não estava mais entusiasmada com o PT e Lula vestiu a camisa, e isso foi um processo de retomada de posições antes confusas com o PT no poder e suas alianças e o golpe de 2016. Coesionou parte significativa da esquerda brasileira e reestabeleceu Lula no centro da oposição ao bolsonarismo como figura pública de contraponto. Não vamos negar a realidade. Sei que os movimentos e os partidos de esquerda se colocaram em luta, as frentes nacionais e as contrais foram as ruas (eu estava lá) nos colocamos contra as reformas pós golpe, porém, pra que nadar contra a maré? No quesito influencia pública e popular, Lula segue imbatível. 

E é isso que tem me levado a pensar que discutir o PT frente a Lula, ás eleições ou eventual governo tem se tornado um exercício chato e de perda de tempo. Nesse momento não culpo Lula pela completa anestesia do PT. As vezes fiquei incomodado com os movimentos do "grande líder", contudo, ao ver como se comporta a bancada na Câmara e no Senado penso que não há saída, o PT é dependente de Lula (ponto).

Sem maniqueísmos. A questão não é se é bom ou ruim. A questão é se haverá partido para de fato ter capacidade política, ideológica e orgânica para decidir. Antes o PT era uma federação de tendências, mas tinha seu valor, cada organização tinha como intuito construir o partido, havia mais pluralidade interna, os mandatos parlamentares se guiavam por outras frentes de luta. 

Agora, se há bancada e votos, se dá exclusivamente ainda ao fator Lula. Isso não expressa, necessariamente, a qualidade política dos parlamentares que são eleitos. Digo isso pela capacidade de articulação, combate e ação política, vazio que o PSOL ocupa dentro ainda de uma metodologia que o PT adotava e que já era postura dos partidos tradicionais da esquerda. Nenhum dos dois "inventou" essa combatividade, ela pertence a uma tradição de resistência. 

Concordar que o PT abriu mão do protagonismo, não quer dizer que endosso as articulações do grande líder. Mas não carrego as mesmas ilusões de 2002, disso tenho certeza.

Lula para derrotar Bolsonaro pode ser um objetivo bem reduzido. Porém, é o que tem para hoje. 

O risco é grande. Já que derrotar Bolsonaro não extingue e nem reduz as tensões do fascismo presente, agora temos novos sujeitos no cenário político brasileiro que são os "conservadores puros", o MBL e seus derivativos, os liberais liberalizantes do partido Novo, entre outras alegorias político ideológicas que irão seguir influenciando o público. Eles pregam a sua palavra e nós?

Seguimos presos ao medo. Medo digno de um xingamento que poderia sair da boca de Paulo Freire contra nossa arregada ideológica. E mesmo a historia provando que as massas entendem, quando a esquerda vai as ruas, os termos "mais complexos", há uma esquerda liberal que prefere subestimar a inteligência do povo (e não só na elite do PT). Os plebiscitos da divida externa, da ALCA, da Vale do Rio Doce e do Sistema Político provaram em MILHÕES de que a população compreende sim quais são as causas que afetam a sua vida.

Voltamos ao PT. Inerte, travado, envergonhado, entre outras situações, prefere manter um discurso que não consegue sustentar na prática, basta ver a ausência de uma avaliação séria sobre porque após a reascenso de Lula, seguimos um patamar tão medíocre nos últimas eleições municipais? 

Mesmo com tantas instituições sindicais e institucionais, ainda assim é medíocre a articulação com o precariado brasileiro? 

Lula é um político tradicional e do nosso campo. Tem suas prioridades e legitimidade pra fazer e está fazendo. Já o PT? O que ouço e vejo são articulações microscópicas dos seus indivíduos para construir candidaturas, muitas agora federal, pensando em como pilhar o futuro governo Lula e não como construir o processo que irá durante o mandato de Lula fortalecer esse campo popular, proteger a classe trabalhadora e blindar, mesmo que de forma inicial o fascismo vigente.

Há muitos erros nas nossas políticas públicas implantadas no período de 2003 a 2013. Isso é bom, pois, vai permitir que possamos retomar em bases renovadas e criar meios de consolidar pela força do próprio povo. Porém, há disposição pra isso? 

O tal trabalho de base? Esse ficará para depois. Já que no tempo presente vários grupos internos preferiu associar trabalho de base a busca de votos ou a atividades pontuais de rua, isso agora vai pra gaveta, 2022 está aí. O panfletinho que vai circular na quebrada, no bairro, na região, nas casas, enfim, será o pedido de voto. 

Quem prefere discordar, me responda como anda as reuniões do seu diretório? Se somos oposição nas cidades que vivemos, quantas ações e discussões programáticas foram realizadas? Que debate de programa de governo está sendo feito para impulsionar o grande líder? Lembrando que construção de programa de governo não tem impedimento legal ou jurídico e é um bom instrumento de trabalho de base. Agora pensando bem, que direção quer se comprometer a botar uma virgula e depois não poder nem divulgar na campanha? 

Já disse. Isso tudo já vivi, construí e dei o sangue. Chega uma hora na vida militante que você para pra pensar "o que estou ajudando a construir mesmo?" 

Quem sabe os ventos mudam.

Pra quem quer falar as mesmas bobagens que não sabe sustentar como "porque você não volta e ajuda então?", eu digo, VAI CAGAR. O sentido das ações, são os sentidos das ideias. Quando não há sentido, não há razão para perder tempo. Tempo é valioso, o capitalismo sabe disso, a um bom tempo.