Clovis Moura, intelectual brasileiro, faz um resumo preciso que responde como as elites brasileiras pensam a sua acumulação de riqueza, suas reflexões dividem esse processo em duas grandes fases, sendo a primeira escravocrata até 1888 e a República em 1889 se apoiando no capitalismo dependente (Florestan Fernandes), isso não é reducionismo, é um projeto. Sendo projeto de uma determinada classe dominante a sua interrupção ou mudança se daria por meio dos movimentos da base social que a sustenta ou que a ela se submete.
A história brasileira e seus historiadores/as a tempos concordam que a historicidade da relação entre as classes dominantes e dominadas foi de extrema repressão, onde qualquer questionamento a ordem estabelecida foi tratada com profunda violência, distante da idealização do "brasileiro cordial" de Sergio Buarque de Holanda para um tipo de "brasileiro subserviente, oprimido" num país onde a questão social era um "caso de polícia" como marco da República Velha e desde então a vida republicana nacional segue mais os ditames da acumulação de riqueza para classe dominante e menos, muito menos, ideais liberais de democracia, Estado de Direitos, fortalecimento de instituições, etc., isso diz muito sobre como as relações sociais foram se constituindo, uma desorganização organizada.
Bolsonaro é a expressão dos interesses dessa classe dominante com um componente adicional que é o fascismo verde amarelo. O fascismo brasileiro não é novo, Plinio Sampaio tentou na década de 1930-1940 por meio do movimento Integralista, Vargas flertou com a Alemanha nazista e os ditadores militares de 1964 compôs com o Plano Condor na especialização e interação entre as ditaduras militares na América do Sul com supervisão dos órgãos do governo dos EUA.
Os interesses direitos e ocultos se confundem e se fundem nessa conjuntura internacional e nacional. O pretexto da guerra fria era o conflito entre países capitalistas e socialistas, mas o Consenso de Washington reestabelece uma velha-nova ordem mundial do capitalismo, e o capitalismo dirigido pelo EUA se torna uma grande corporação que coloca alguns de seus órgãos a serviço da ampliação de mercados, como um plano de guerra para se apropriar das riquezas nacionais em nome da sua expansão.
Há informações públicas sobre a avaliação e interferência da diplomacia estadunidense no impeachment da presidente Dilma (ver em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/governo-biden-deve-revelar-papel-dos-eua-no-impeachment-de-dilma-diz-economista/), onde tais interesses se regula pela nova acumulação capitalista por meio do rentismo financeiro, erosão do processo de acumulação produtiva do capital, erodindo empregos e renda, reformas estruturais que retiram direitos trabalhistas, redução do orçamento público das políticas sociais e de proteção social, drenagem de recursos do Fundo Público para o interesse do setor privado sem nenhuma contrapartida à sociedade brasileira, da qual inclusive foi retirada dela.
2016 a 2021, entre Temer e Bolsonaro a regressão de direitos e a concepção do neoliberalismo do "cada um por si e o mercado por todos" tem guiado as reformas trabalhista e previdenciária, cujos efeitos serão sentidos progressivamente para sociedade brasileira.
A pandemia causada pela Covid-19 colocou a humanidade em estado de atenção e emergência, onde o que era frágil se evidenciou, e falo justamente do Estado Brasileiro. A intencional não implantação dos instrumentos que fortaleciam a máquina estatal, a Seguridade Social, taxação de grandes fortunas, enfim todas que estão previstos na Constituição de 1988 fragilizaram as suas instituições onde a quase única questão que foi resolvida de fato foi a preservação de privilégios internos pelas forças políticas dominantes que a compõem.
Das fragilidades? A não implantação efetiva do SUS (Sistema Único da Saúde) nessa conjuntura com o aprofundamento das privatizações e terceirizações ao longo dos anos precarizou sensivelmente os serviços e seus trabalhadores/as, mesmo não abalando algumas conquistas como o Plano de Imunização, desde que se constituíam estoques de vacinas, o atendimento por meio dos programas à pacientes específicos e públicos excluídos deliberadamente da saúde complementar privada, porém, a rede de urgência e emergência onde os custos são altos e o retorno é certo na relação com os recursos públicos. Isso foi agravado na pandemia, e informações não faltam sobre isso na grande imprensa. (ver: (1) https://medicinasa.com.br/corrupcao-na-saude/ (2) https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/reuters/2020/09/25/respiradores-que-nunca-chegaram-como-corrupcao-dificultou-combate-a-covid-no-pais.htm)
A postura do sr. Bolsonaro na presidência buscando afagar sua base de apoio negacionista, autoritária e fascista tem sido o tom desde o inicio da pandemia, com quatro trocas de comando do Ministério da Saúde em menos de um ano e durante a pandemia, é incrível como os liberais de plantão e que gostam de "cagar suas regras" sobre o público exaltando a gestão privada, agora se calam. Todos/as sabemos o que uma mudança de gestão causa no processo de trabalho.
As tentações autoritárias do sr. Jair agora começam a se estabelecer após dois anos completos de governo com uma mudança significativa no jogo eleitoral de 2022, onde a decisão que coloca sobre suspeita as condenações do ex-presidente Lula e restabelecendo seus direitos políticos o insere na disputa eleitoral para presidência. Ânimos mudando, com sinalização de Doria em pensar concorrer reeleição para o governo do estado de São Paulo e as divergências internas no PSDB com falas divergentes entre o presidente do partido que rechaça Lula e FHC que daria voto útil no mesmo, o Centrão reavaliando possibilidades minando candidaturas de Hulk, Ciro, entre outros, e mexendo com os ânimos da direção bolsonarista.
Jair foi deputado federal, é parte do sistema, é do establishment e entre seus ideais e o dinheiro, fica com o dinheiro. Jair está mais para Hermann Göring (ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hermann_G%C3%B6ring) do que para Hitler, ou seja, prefere reunir riquezas individuais, e sinaliza isso ao falar de garantir vacinação após um ano de pandemia. Conhece os caminhos e interesses das forças políticas que apoiadas pela classe dominante, da qual faz parte, e busca articular seu governo num pragmatismo ainda mais tradicional.
Se for isso, por que o debate do "Estado de Sítio"? Usando a retórica da critica ao lockdown praticado pelos estados na busca por conter o avanço da Covid-19 devido ao atraso e a lentidão do processo de vacinação, arriscou dizer que tal medida era uma forma de "Estado de Sítio" localizada e que seria uma prerrogativa presidencial, isso levantou questões em todas as instituições, seja Congresso, STF, OAB entre outras.
Se apegando no item "I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;", fez como sempre faz, "levanta a bola e joga pra massa", esperando algum apoio ou legitimidade. Após um ano de pandemia e a perda de mais de 290mil vidas querer aplicar uma medida que não tem haver com a politica de saúde é uma canalhice, já que medidas como fechamento de aeroportos e maior controle da circulação de pessoas é prerrogativa do "estado de emergência".
Blefe ou "vai que cola"? Já havia tratado esse assunto em outro artigo, sobre as cortinas de fumaça do sr. Jair, e isso é parte do seu método de governar, pode ser que ele mesmo espera a oportunidade, contudo várias duvidas no ar:
- O Estado de Sítio poderá ser aplicado em pacto acordado entre Executivo, Legislativo e Judiciário? E se for, há quem confie na palavra de Jair?
- Os militares irão num possível Estado de Sítio escamotear Jair?
- Ele terá peito para enviar o pedido ao Congresso caso lhe pareça favorável junto a sua base de apoio?
- Vai jogar para galera como faz até quando? E o que isso representa na sua estratégia negacionista e genocida com relação ao atraso na compra de vacinas?
E no final, voltando a questão da saúde e da pandemia, Estado de Sítio servirá do que? Declarar guerra contra alguma empresa farmacêutica? Encampar hospitais privados para ceder leitos de caráter universal? Abrir a economia com apoio das forças armadas? Para enfrentar a Covid-19 o Estado de Sítio não tem função social nenhuma. Apenas para dar um certo gosto de ditadura aos seus apoiadores.