domingo, 14 de março de 2021

Pior momento para um militante permanecer em crise individual.

 




Na adolescência quando você é incluído em um lugar que faz sentido e lhe dá identidade, você se entrega de corpo e alma (literalmente). Peço licença para você, leitor e leitora, desse blog para compartilhar algumas inquietações particulares.


Na escola de militância política que eu me inseri os valores humanos e a luta por esses valores eram defendidos com fervor. Poucas eram as questões particulares, pessoais ou individuais que eu levava para o cenário das lutas, coletivos, movimentos, partido ou qualquer outro espaço da política. Era assim que eu era.

Então não passei pela fase da adolescência onde o indivíduo da classe assalariada média era diagnosticado com problemas de saúde mental que fazem sucesso hoje no controle do ser. TDHA e outros não eram problemas cognitivos na época, as vezes era um problema de "rebeldia juvenil". Para mim, militante do movimento estudantil secundarista, os limites eram mesmo fruto do sistema seja a defasagem escolar, o desestímulo a leitura, o ódio ou indiferença de algumas disciplinas, enfim, tudo era componente de um sistema em que o capitalismo determinava o grau da nossa ignorância.

Eu ainda tenho certeza de parte dessa reflexão, já que a sociedade e o Estado não mudaram dos meus quinze anos de idade pra cá. E o neoliberalismo com sua retórica de liberdade ao mercado e exploração da nossa força de trabalho seguem com sadismo e anestesia geral da população.

Mas a gente vai amadurecendo, tomando sempre cuidado para não apodrecer nesse processo. E isso é muito bom, viver a materialidade da suas concepções filosóficas, sociológicas e ideológicas acontecendo na sua vida. A dialética opera em nós. É foda.


Eu havia dito em algum dessas “prosas" no blog que estava passando, pessoal e individualmente, por um momento de transição. E por incrível que pareça não fiz ainda a travessia necessária.

Alguns conhecidos já devem estar de “saco cheio" das minhas reclamações e da minha caminhada nessa transição que teve início no final de 2014 segue ainda sem fim.

E o que eu posso dizer? Não deu ainda! Entre traumas, ex-amigos/as e ex-companheiros/as, rompimentos com coletivos ora tão sólidos e projetos tão românticos, quanto desafiadores, traições não esperadas e rompimentos de outras relações tudo causado pelas escolhas que fiz na luta política.

Humano que sou, eu dizia “não ter arrependimentos”, mas hoje não tenho condições de dizer isso. Seria hipócrita, mentiroso, egocêntrico, melhor aceitar que há sim escolhas e ações ruins na vida.

Para não deixar você, leitor e leitora, com mais curiosidades sobre os fatos, como se eu fizesse jogos mentais com vocês, posso revelar um arrependimento: minha decisão de ser candidato a vereador.

Das tarefas políticas que me prestei, essa é a única que gera profundo arrependimento.

Sei que o momento político e a conjuntura exigia a necessidade de assumir essa tarefa, estava no auge da militância, articulando e discutindo questões importantes, mais experiente e com condições mínimas. 

Mesmo atravessando a crise moral do PT de 2006, o que foi em frente era promissor. A experiência e vigor do chavismo na Venezuela, uma resistência político institucional que não virou mais um golpe de Estado promovida por Washington (EUA) mexia com alguns de nós.

E no PT, mesmo contrariando as estatísticas e a realidade institucional interna, o programa político do qual fazia parte, a esquerda do PT, ainda mexia com a militância inclusive do campo majoritário.

Sempre fui militante de tarefas difíceis. Fazendo um balanço das tarefas que assumi ou que minhas direções me designaram, a totalidade delas tem uma característica: nunca de destaque, mas intermediária, entre a articulação, organização e mobilização. Confesso que cumpri a totalidade de todas como um soldado.

E nem preciso dizer que a candidatura a vereador era uma diferença na curva, eu ficava mais exposto e à frente da tarefa.

Progressivamente, disputando espaço, fui candidato a presidente do PT municipal em 2008, e seguindo assim foram as tarefas que ocorreram: primeira derrota para vereador, depois fiz parte do governo municipal da minha cidade em 2009, fui secretário municipal da assistência, coordenador de juventude, em 2012 segunda tentativa e nova derrota para vereador e depois de algum tempo de novo na coordenadoria de juventude segui para o ostracismo entre 2014-2015. Como eu costumava dizer pra mim mesmo, depois desse período recuei as tropas para dentro do quartel.

De lá para cá preferi fazer comigo mesmo o que julgava ser melhor para lidar com os traumas, tentei resolver por conta própria. Não deu certo. Saúde mental é coisa séria, e mesmo a gente sendo militante, carregamos nossos preconceitos.

Guardei, guardei, remexi e explodi. Basta uma faísca perto da gasolina para gerar uma crise que se mostrou uma depressão. Não foi severa, porém, reveladora.

Se cuidar não é admitir fraqueza. O/a militante tem que assumir que não somos fortes, ainda mais se negamos ou combatemos esse sistema, no final tudo nos perturba, nos indigna, nos fere e ainda nos dá esse sentimento de estar acuado.

As primeiras consultas com psiquiatra foram angustiantes, contrariei os medicamentos, fiquei em negação diante da regulação dos sentimentos por meios psicotrópicos, me entreguei e segui. No atendimento psicológico descobri parte do que me angústia, diagnóstico preliminar: ansiedade. Sim ansiedade é doença mental e é séria.

Sempre gostei de planejar tudo, guardar tudo, organizar tudo, não faltar a reuniões ou compromissos, assumir tarefas e conclui-las, tudo estava encaixado no meu roteiro militante, contudo, parte disso se revela como uma ansiedade que se expressa de várias formas. Como disse, foda!

Progredi e conheci a homeopatia, muito bom e adequado a minha crença de não medicalizar a vida.

Paralelo a isso vem a interminável transição pelo que passo.

Um dia olhando para as inúmeras caixas acumuladas no meu escritório senti um insight que tomou meus pensamentos. Primeiro, o sentido de guardar aquilo tudo? Memória é fundamental, mas a que custo? Memória das lutas da classe trabalhadora que a própria classe não irá poder desfrutar, pesquisar ou descobrir? Mexer no passado e avaliar o que tem sentido ou não passou a ser minha tarefa pessoal. 

Tem sido muito bom e tem feito progressos. Essa ideia do minimalismo é interessante, o desapego as coisas deveria ser parte da concepção de vida de qualquer militante de esquerda, e foquei nisso. Parte doei, parte em processo de doação e parte joguei, joguei fora. Sentimento extraordinário.

Segundo, o sentido que damos a vida. Eu sou militante, depois de mais de duas décadas de uma vida dedicada a luta, não preciso de carteirinha ou diploma para atestar meus compromissos com a minha classe. Não estou dedicado como antes e nem assumi compromissos que não estão dentro dos valores que acredito. Reconheço que a falta de um coletivo, uma direção política faz falta, muita falta. 

As vezes bate um sentimento de inutilidade, acomodação.

Porém, sem estar bem, não dá pra fazer boa luta. Consigo lidar com a inquietação fazendo boas reflexões. Confesso que é um misto de trauma e falta de confiança, não quero de novo contribuir para projetos que se apresentam coletivos e depois seguem rodeadas de interesses contrárias as necessidades da classe, egos, disputas mesquinhas, guerra entre nós e não aos senhores.

Sigo contribuindo em outro ritmo. Não abandonei a luta, apenas estou me organizando e resistindo num tempo da reflexão, do estudo e da paciência revolucionária. Nas histórias das minhas referências, esses momentos centrais, como quando Lênin se manteve em exílio entre tantos e tantas de nós que não hibernou nas trevas, mas se resignou para poder seguir contribuindo para luta da nossa classe.

Do que não me arrependo? Da experiência vivida e das lembranças que eu guardo com carinho, em especial da primeira campanha para vereador, talvez isso no balanço seja extremamente positivo. 2008 ao reunir esforços para campanha recebi solidariedade de onde menos esperava, de dentro do PT o apoio de conhecidos da CNB (a corrente majoritária), de antigos militantes e amigos/as como Eduardo, Paulo e Neide, que foram incríveis ao ceder a casa onde era o comitê, outros companheiros que dedicaram o seu tempo como o tio Hélio, seu Donizete, colegas de outra cidades como Felipe, enfim, foi uma campanha carregada do idealismo que jamais deveria ter abandonado durante a aventura institucional. Nessa lista me cabe fazer um registro de um respeito que recebi e não esperava e que até o último segundo da tarefa institucional me foi leal, do ex-prefeito Sebastião Almeida, que confiou em mim mais do que alguns companheiros mais próximos de mim. A vida tem das suas contradições. Sinto falta dessa relação na política.

Hoje sei que fui injusto e abandonei ou esqueci de agradecer o esforço que foi em nome de uma causa. Esse é um erro pessoal que tento corrigir no exercício da luta política, a generosidade.

Bem, se você chegou até aqui, explico que esse texto neste blog é despretensioso, servindo mais para o autor do que para os leitores.

Como disse desde do início, a aventura institucional foi uma coleção de dissabores grande, olhar para trás é recordar também de lembranças ruins. Não imaginava que poderia usar os termos ex-amigos/as e ex-companheiros/as, mas é possível. Não sei o que se passa na cabeça destes, imagino hoje que eu nunca deveria de fato ter sido considerado amigo ou companheiro dessas pessoas. 

O sentimento é de ser visto como o “idealista otário”, alguém fácil de enganar. E leitor/a, como eu fui otário! Empenhado nas causas dispunha do bens materiais, com desprendimento e mesmo tendo como retorno apenas prejuízos, me reerguia. Era difícil para alguém perder a minha confiança. Ainda sou assim, porém mais cauteloso, cético, tenho medo do compromisso na política. Muita coisa me aconteceu.

Não sou santo nesse processo. Em nome da luta política fiz o que qualquer dirigente faria assumindo riscos. Hoje pago preço por isso. Ainda sendo temido por alguns, pois parece que o fato de eu estar vivo ou participar de algo fosse suficiente para gerar desconfiança. E mesmo na melhor das intenções, não tenho crédito nenhum, mesmo que eu verbalize a despretensão das minhas ações ainda assim sou um párea.

Antes solicitado para debates, hoje esquecido e ainda com a foto e o nome apagado da história, empurrado para total várzea da história. Nesse ponto, eu apenas tenho certeza que a escola me formou e me forjou me apropriou de qualidades que posso empreendera qualquer momento. Sou um leninista, um agitador, organizador e articulador de coletivos, isso é o que melhor sei fazer e disso não há dúvidas. Por isso, quando estiver bem, não tergiverso, cumpro tarefas e faço o que for necessário à luta de classes.

Então, pra quem acha que é moleza fazer essa travessia, essa transição, eu só posso dizer que as feridas da alma não se curam com medicamentos, curativos, palavras, ou qualquer coisa do tipo. Ideologia é coisa séria.

Ainda há algumas novas frustações, pena constatar que a sinceridade não faz parte do gesto na nossa esquerda. E mesmo assim eu incorro do mesmo erro, onde no final de 2020 para 2021 enviei cartas junto com materiais que imaginei estarem melhor guardados com seus destinatários e instituições. Mas até o momento nenhuma resposta. Isso abre a nova fase do meu desprendimento e minimalismo. Quanto mais me desprendo das coisas, mais me apego ao meu ser, a minha existência.

E por enquanto é isso leitores e leitoras corajosas mentes que deram seu tempo para esse desabafo.

Inicialmente era para ser uma reflexão das tarefas políticas frente a minha experiência na luta institucional, mas fica pra próxima.

Ainda no campo da esquerda espero uma absolvição pelas tarefas que cumpri e os erros que possa ter carregado, espero a redenção e espero ser redimido. Termino com a musica "Redimir" da Pitty, uma boa mensagem para os que entenderem!


Obrigado pela leitura!

Redimir (Pitty)

Se era pra sangrar, já sangrei
Se era pra perder, já perdi
Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir?
Se era pra sangrar, já sangrei
Se era pra perder, já perdi
Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir?
O chicote em minhas mãos
O chicote em minhas costas
Rasgando rios, o vergalhão
Via-crucis autoimposta
Ninguém me persegue melhor
Na cabeça, no corpo
Eu, meu próprio general
Prazer em te reconhecer, minha inquisição
Não encontrei ironia pra dizer
Mea culpa
Se era pra sangrar, já sangrei
Se era pra perder, já perdi
Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir?
Se era pra sangrar, já sangrei
Se era pra perder, já perdi
Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir?
O chicote em minhas mãos
O chicote em minhas costas
Rasgando rios, o vergalhão
Via-crucis autoimposta
Ninguém me persegue melhor
Na cabeça, no corpo
Eu, meu próprio general
Prazer em te reconhecer, minha inquisição
Não encontrei ironia pra dizer
Mea culpa
E ele que não bebia, bebeu
E ela que nem rezava, rezou
Quando o desalento desceu
Até a razão suplicou
Basta de tanto calabouço, é hora de alforria
Um novo tempo, que fora e dentro
Nos faça resgatar uma besta alegria
Se era pra sangrar, já sangrei
Se era pra perder, já perdi
Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir?
Se era pra sangrar, já sangrei
Se era pra perder, já perdi
Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir?
Se era pra sangrar, já sangrei
Se era pra perder, já perdi
Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir?
Se era pra sangrar, já sangrei
Se era pra perder, já perdi
Se era pra chorar, já chorei
O que mais falta pra me redimir?
O que mais falta pra me redimir?
O que mais falta pra me redimir?
Fonte: LyricFind
Compositores: Priscilla Novaes Leone
https://www.youtube.com/watch?v=pX3kVzxWA4I