sábado, 20 de março de 2021

Tentações autoritárias: Bolsonaro vai declarar "Estado de Sítio"?

 



2021, março completa um ano da guerra contra Covid - 19 e de forma triste alcançamos o pior momento da pandemia com 35 mil óbitos (ver em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/03/19/marco-mes-mais-mortal-coronavirus.htm) e o Estado Brasileiro mostra duas situações que advém da transição do período pós ditatorial e a Constituição de 1988, sendo está a primeira carta constitucional que estabelece a cidadania brasileira como compromisso do Estado e da sociedade, ou seja, 488 anos depois da invasão das nossas terras pelo reinado português, império, independência comprada, república por meio de golpe militar, enfim, a cidadania ora uma ideia de origem liberal nunca foi de fato um ideal das nossas burguesias.

Clovis Moura, intelectual brasileiro, faz um resumo preciso que responde como as elites brasileiras pensam a sua acumulação de riqueza, suas reflexões dividem esse processo em duas grandes fases, sendo a primeira escravocrata até 1888 e a República em 1889 se apoiando no capitalismo dependente (Florestan Fernandes), isso não é reducionismo, é um projeto. Sendo projeto de uma determinada classe dominante a sua interrupção ou mudança se daria por meio dos movimentos da base social que a sustenta ou que a ela se submete.

A história brasileira e seus historiadores/as a tempos concordam que a historicidade da relação entre as classes dominantes e dominadas foi de extrema repressão, onde qualquer questionamento a ordem estabelecida foi tratada com profunda violência, distante da idealização do "brasileiro cordial" de Sergio Buarque de Holanda para um tipo de "brasileiro subserviente, oprimido" num país onde a questão social era um "caso de polícia" como marco da República Velha e desde então a vida republicana nacional segue mais os ditames da acumulação de riqueza para classe dominante e menos, muito menos, ideais liberais de democracia, Estado de Direitos, fortalecimento de instituições, etc., isso diz muito sobre como as relações sociais foram se constituindo, uma desorganização organizada.

Bolsonaro é a expressão dos interesses dessa classe dominante com um componente adicional que é o fascismo verde amarelo. O fascismo brasileiro não é novo, Plinio Sampaio tentou na década de 1930-1940 por meio do movimento Integralista, Vargas flertou com a Alemanha nazista e os ditadores militares de 1964 compôs com o Plano Condor na especialização e interação entre as ditaduras militares na América do Sul com supervisão dos órgãos do governo dos EUA. 

Os interesses direitos e ocultos se confundem e se fundem nessa conjuntura internacional e nacional. O pretexto da guerra fria era o conflito entre países capitalistas e socialistas, mas o Consenso de Washington reestabelece uma velha-nova ordem mundial do capitalismo, e o capitalismo dirigido pelo EUA se torna uma grande corporação que coloca alguns de seus órgãos a serviço da ampliação de mercados, como um plano de guerra para se apropriar das riquezas nacionais em nome da sua expansão. 

Há informações públicas sobre a avaliação e interferência da diplomacia estadunidense no impeachment da presidente Dilma (ver em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/governo-biden-deve-revelar-papel-dos-eua-no-impeachment-de-dilma-diz-economista/), onde tais interesses se regula pela nova acumulação capitalista por meio do rentismo financeiro, erosão do processo de acumulação produtiva do capital, erodindo empregos e renda, reformas estruturais que retiram direitos trabalhistas, redução do orçamento público das políticas sociais e de proteção social, drenagem de recursos do Fundo Público para o interesse do setor privado sem nenhuma contrapartida à sociedade brasileira, da qual inclusive foi retirada dela.

2016 a 2021, entre Temer e Bolsonaro a regressão de direitos e a concepção do neoliberalismo do "cada um por si e o mercado por todos" tem guiado as reformas trabalhista e previdenciária, cujos efeitos serão sentidos progressivamente para sociedade brasileira. 

A pandemia causada pela Covid-19 colocou a humanidade em estado de atenção e emergência, onde o que era frágil se evidenciou, e falo justamente do Estado Brasileiro. A intencional não implantação dos instrumentos que fortaleciam a máquina estatal, a Seguridade Social, taxação de grandes fortunas, enfim todas que estão previstos na Constituição de 1988 fragilizaram as suas instituições onde a quase única questão que foi resolvida de fato foi a preservação de privilégios internos pelas forças políticas dominantes que a compõem.

Das fragilidades? A não implantação efetiva do SUS (Sistema Único da Saúde) nessa conjuntura com o aprofundamento das privatizações e terceirizações ao longo dos anos precarizou sensivelmente os serviços e seus trabalhadores/as, mesmo não abalando algumas conquistas como o Plano de Imunização, desde que se constituíam estoques de vacinas, o atendimento por meio dos programas à pacientes específicos e públicos excluídos deliberadamente da saúde complementar privada, porém, a rede de urgência e emergência onde os custos são altos e o retorno é certo na relação com os recursos públicos. Isso foi agravado na pandemia, e informações não faltam sobre isso na grande imprensa. (ver: (1) https://medicinasa.com.br/corrupcao-na-saude/ (2) https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/reuters/2020/09/25/respiradores-que-nunca-chegaram-como-corrupcao-dificultou-combate-a-covid-no-pais.htm)

A postura do sr. Bolsonaro na presidência buscando afagar sua base de apoio negacionista, autoritária e fascista tem sido o tom desde o inicio da pandemia, com quatro trocas de comando do Ministério da Saúde em menos de um ano e durante a pandemia, é incrível como os liberais de plantão e que gostam de "cagar suas regras" sobre o público exaltando a gestão privada, agora se calam. Todos/as sabemos o que uma mudança de gestão causa no processo de trabalho.

As tentações autoritárias do sr. Jair agora começam a se estabelecer após dois anos completos de governo com uma mudança significativa no jogo eleitoral de 2022, onde a decisão que coloca sobre suspeita as condenações do ex-presidente Lula e restabelecendo seus direitos políticos o insere na disputa eleitoral para presidência. Ânimos mudando, com sinalização de Doria em pensar concorrer reeleição para o governo do estado de São Paulo e as divergências internas no PSDB com falas divergentes entre o presidente do partido que rechaça Lula e FHC que daria voto útil no mesmo, o Centrão reavaliando possibilidades minando candidaturas de Hulk, Ciro, entre outros, e mexendo com os ânimos da direção bolsonarista. 

Jair foi deputado federal, é parte do sistema, é do establishment e entre seus ideais e o dinheiro, fica com o dinheiro. Jair está mais para Hermann Göring (ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hermann_G%C3%B6ring) do que para Hitler, ou seja, prefere reunir riquezas individuais, e sinaliza isso ao falar de garantir vacinação após um ano de pandemia. Conhece os caminhos e interesses das forças políticas que apoiadas pela classe dominante, da qual faz parte, e busca articular seu governo num pragmatismo ainda mais tradicional.

Se for isso, por que o debate do "Estado de Sítio"? Usando a retórica da critica ao lockdown praticado pelos estados na busca por conter o avanço da Covid-19 devido ao atraso e a lentidão do processo de vacinação, arriscou dizer que tal medida era uma forma de "Estado de Sítio" localizada e que seria uma prerrogativa presidencial, isso levantou questões em todas as instituições, seja Congresso, STF, OAB entre outras. 

O que é o Estado de Sítio? Segundo a Constituição:


"Art. 137

Título V - Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; Capítulo I- Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio; Seção II - Do Estado de Sítio: Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta." (C.F. 1988)

Se apegando no item "I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;", fez como sempre faz, "levanta a bola e joga pra massa", esperando algum apoio ou legitimidade. Após um ano de pandemia e a perda de mais de 290mil vidas querer aplicar uma medida que não tem haver com a politica de saúde é uma canalhice, já que medidas como fechamento de aeroportos e maior controle da circulação de pessoas é prerrogativa do "estado de emergência".

Blefe ou "vai que cola"? Já havia tratado esse assunto em outro artigo, sobre as cortinas de fumaça do sr. Jair, e isso é parte do seu método de governar, pode ser que ele mesmo espera a oportunidade, contudo várias duvidas no ar: 

- O Estado de Sítio poderá ser aplicado em pacto acordado entre Executivo, Legislativo e Judiciário? E se for, há quem confie na palavra de Jair? 

- Os militares irão num possível Estado de Sítio escamotear Jair?

- Ele terá peito para enviar o pedido ao Congresso caso lhe pareça favorável junto a sua base de apoio?

- Vai jogar para galera como faz até quando? E o que isso representa na sua estratégia negacionista e genocida com relação ao atraso na compra de vacinas? 

E no final, voltando a questão da saúde e da pandemia, Estado de Sítio servirá do que? Declarar guerra contra alguma empresa farmacêutica? Encampar hospitais privados para ceder leitos de caráter universal? Abrir a economia com apoio das forças armadas? Para enfrentar a Covid-19 o Estado de Sítio não tem função social nenhuma. Apenas para dar um certo gosto de ditadura aos seus apoiadores.