sábado, 3 de abril de 2021

Vai ter golpe militar de Bolsonaro?

 






"Vai ter golpe?!" Essa frase parece pertencer ao vocabulário latino americano a muito tempo. Assim como Galeano em "As veias abertas da América Latina" já nos alertava que a história de invasão colonizadora da Europa e do expansionismo capitalista de olho nas riquezas naturais, da sua mão de obra e sua capacidade consumidora, assim como tudo que interessa a fome do capital em acumular riqueza as custas dos povos iria trazer ao nosso cotidiano como um mal predestinado ao nosso continente latino americano enquanto não houvesse uma revolução que determinasse a nossa emancipação desse sistema.

Periferia do capitalismo, nossos países são experientes em ditaduras civis-militares, golpes de Estado, Estado e suas instituições fracas para o interesse geral e fortes na preservação de privilégios de classe e uma classe trabalhadora que foi sendo subjugada a cada tentativa de organização e mobilização, onde a reação das elites sempre atuou de forma preventiva e violenta. 

Essa semana a decisão de Bolsonaro de demitir o seu sinistro da Defesa, o general Fernando de Azevedo e Silva, que segundo informações de inúmeros canais de noticias teria sido exonerado do cargo devido a um capricho, mais um, do próprio Bolsonaro em querer a demissão do comandante do Exercito, o sr. Edson Pujol, que estaria "destoando" das opiniões de Bolsonaro. (ler em: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/comandos-militares-entregam-os-cargos-bolsonaro-dobra-a-aposta-no-caos/). 
O pedido de demissão dos três comandantes militares da Marinha, Aeronáutica e Exército abriu uma crise interna no governo neoliberal-fascista de Bolsonaro, pois, tal ação não deixa de ser uma resposta ao sr. Bolsonaro, mas um sinal que não vale apenas para ele, e sim sobre como entendem e se comportam os militares desde a redemocratização de 1988. 

Os caprichos de Bolsonaro são conhecidos. Age como se o Palácio do Planalto fosse seu gabinete pessoal e monta sua equipe por critérios que passam pela sua posição ideológica, dentro da legitimidade eleitoral que teve prefere jogar ainda nos marcos das eleições de 2018 e as vezes governa, agora cada vez mais refém dos líderes dos partidos do Centrão no Congresso.

Bom deixar explicado: as forças políticas de dirigem o capital no Brasil não querem um golpe militar!

Vou repetir: as forças burguesas não querem um golpe militar, não é bom para os negócios.

E porque? Vamos lá:

1) O Estado brasileiro desde 1990 vem sofrendo um desmonte do seu papel e das garantias legais da sua cidadania expressa em especial pela Seguridade Social, com as privatizações que ocorreram há um espaço quase limitado de atuação do Estado. A privatização da Vale do Rio Doce e a abertura de mercado da Petrobrás já selaram as condições de parte da soberania brasileira e abrindo uma série de novos modelos de privatizações como as concessões de serviços públicos em geral. Novos interesses e negócios dominados já por grandes setores financeiros e rentistas detém o controle desse novo mercado aberto durante o governo Collor, passando pelos governos FHC, Lula e Dilma cada um em proporções diferentes, mas dando resposta às regras que estavam estabelecidas inclusive pelo governo FHC no chamado (envergonhado) processo de "desestatização";

2) Capitalistas brasileiros assumiram sua condição periférica no capitalismo mundial, desde que garantida suas margens de lucro e sua acumulação. A política tributária brasileira já privilegia essa classe, tanto que não tem vergonha de serem cumplices da desindustrialização que privilegia o atual estágio de estagnação e apoiados sempre pelo Estado, pois, também são capitalistas preguiçosos, precisam sempre drenar do Estado recursos para suas aventuras, falências, etc.;

3) A pandemia anterior a Covid-19, que é a pandemia do projeto de povo já estava instalado com as velhas narrativas e reivindicações como a melhoria da Educação, dos serviços como a Saúde, da abertura democrática com conciliação das classes e anistia não apenas dos presos/as e exilados/as políticos, mas principalmente dos militares que estiveram a frente dos desmandos durante do período da ditadura militar. Até as portas sabem que os militares constituíram um poder paralelo que privilegiou as classes burguesas, encobriu e fez parte de esquemas de corrupção e usou o Estado para construir uma imagem mentirosa de "bem-estar" que endividou o Brasil, não entregou as obras e colapsou a vida nacional e transferiu a conta para democracia; Então, o neoliberalismo brasileiro é responsável pela grave tragédia político-cultural-educacional que impõe uma letargia social que anestesia o conjunto da classe trabalhadora;

4) Um golpe militar apenas radicalizaria o processo de resistência política que teria como foco enfrentar o neoliberalismo fascista, e mesmo que a esquerda brasileira não esteja preparada para resistir, a história prova que não se pode aprisionar o pensamento; A tensão iria causar prejuízos ao atual esquema de acumulação, já que iria confluir setores ora separados, divergentes e até antagônicos que poderiam atacar inclusive o atual modelo de acumulação do capital, numa distensão social o conflito levaria a novas lutas que poderiam buscar concluir parte dos princípios adormecidos na Constituição de 1988 como a taxação das grandes fortunas, já que o abismo social e econômico tenderia ao levante inclusive dos excluídos do sistema;

4.1) Nota Explicativa: Não quero aqui, com essa análise (4) me somar aos que desejam que haja um golpe para poder se colocar numa aventura irresponsável em querer assumir as frentes de resistência a um possível golpe. É apenas minha impressão, que com certeza a burguesia tem seus intelectuais que fazem com certeza essa avaliação, senão não teriam feito em duas cartas que foram assinadas por "notáveis", muitos inclusive causadores do caos politico-econômico-social que vivemos, uma foi a Carta Aberta à Sociedade Referente a Medidas de Combate à Pandemia (para saber mais: https://www.seudinheiro.com/2021/economia/economistas-assinam-carta-pedindo-efetividade-no-combate-a-covid-19-no-brasil/), assinada por Malan e cia., e a outra foi o "Manifesto pela consciência democrática" (para saber mais: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56604266) assinado pelos possíveis presidenciáveis, estes mais próximos do mercado financeiro (sim, inclusive Ciro, que foi ex-PSDB e ex-ministro da fazenda na implantação do Plano Real).

5) A maioria da classe burguesa que se sustentou nas figuras políticas do PSDB e seus aliados, não querem ruptura de nada, buscam embates para fazer avançar suas reformas neoliberais, porém, querem a estabilidade que é boa para os negócios, sinais disso não faltam por onde essa aliança esta governando, nem dos seus instrumentos como a Rede Globo, onde a eleição de Eduardo Paes foi uma reação. Vamos lembrar que Paes é cria de Cabral, e nem uma lembrança foi feita na mídia hegemônica, o entrave que seria o Psol, teve no seu principal candidato, Freixo uma posição de recuo, lá no RJ é de onde a família Bolsonaro opera, enfim, vários motivos e interesses evidentes; 

Então, não há ameaça? 

Depende, eu escrevi isso na minha opinião anterior - https://wagnerhosokawa.blogspot.com/2021/03/tentacoes-autoritarias-bolsonaro-vai.html - onde Bolsonaro gostaria sim de governar como um ditador autocrata, mas uma manobra dessa exige uma tática hitlerista, exigindo alguns elementos: 

a) manutenção de uma base fiel - isso ele faz desde o primeiro dia de governo, apesar de não ter conseguido organizar um partido como queria; 
b) cooptação de setores de classe - tem uma parte, mas que divide hoje com os partidos do Centrão, e mesmo os setores mais fieis, no campo econômico, não estão nem em sintonia com a própria equipe econômica dele, além do excesso de oportunismo maior que o idealismo - algo que nos primeiros anos da ditadura hitlerista era inverso, os idealistas eram maioria no governo nazista; 
c) Hitler se aproveitou de uma crise econômica para fortalecer sua narrativa, Bolsonaro ao inverso causa a crise econômica, o que não contribuiu para penetrar em outros setores da burguesia; 
d) a unidade das forças militares - a atual crise demostra que pelo menos, grande parte dos militares influentes não tem certeza com relação a colocar seus tanques nas ruas ou navios ou jatos, movimentar tropas exige habilidade, mesmo para o atual quadro das nossas forças armadas sucateadas inclusive pelas reformas neoliberais, ou seja, não há risco de golpe, porque não há certeza que haverá liderança para conduzir e não pelo apelo a Constituição

E mesmo os golpes realizados nesse nosso tempo em nosso continente latino americano não forma assim plenamente exitosos. Contra Chavez na Venezuela teve um revés e o chavismo resiste até hoje, na Bolívia o curto espaço de tempo e a pressão popular levou o MAS (partido de Evo Morales) a vitória, na América central a vergonhosa marcha dos imigrantes expôs que o golpe em Honduras jogou o povo num lamaçal social e econômico, levando as populações deste país e outros da América central a se submeter a tal fluxo imigratório por emprego e comida, no Paraguai mesmo destituindo Lugo, as mobilizações pela vacina e contra a inercia do presidente atual mostram o vigor das lutas sociais por lá, mesmo no Brasil o protagonismo de Lula e o revés da Lava-jato evidenciam força das esquerdas no processo eleitoral de 2022, a situação da Argentina, do Equador e do Uruguai, com sucessões democráticas que deram em governos ultraliberais já tiveram suas mudanças, onde primeiro foram os argentinos ao elegerem Fernandez, e esperasse que hajam mudanças ainda nos dois últimos. 

Um golpe como 1964 teve como centro os interesses imperialistas do domínio estadunidense sobre o capitalismo na região. Mas em 2021? Ou 2022? O império precisa intervir com um governo militar ou um dirigente subserviente ou funcional aos seus interesses financeiros? 

O golpe de Dilma não conta. Havia um dirigente confiável, Temer, ou seja, o jogo estava sob controle.

Por enquanto, nada sinaliza para uma quebra da "normalidade" institucional. Para burguesia a avaliação é evidente: "todos perdem!", e eles em particular. 

Ainda mais em uma conjuntura onde Bolsonaro cada vez mais está acuado debaixo da mesa pelos partidos do Centrão e Lula sinaliza para os mercados uma nova aliança. 

Não tem URSS, não há um Jango no governo, nem mesmo uma esquerda unida, orgânica e influente com pelo menos 30% da massa para agir e se levantar. 

Agora, nunca esqueçamos disso. A burguesia prefere medidas preventivas. Se nós, a esquerda estivéssemos orgânicos e proativos, não sei se essa seria minha opinião.

Mas não custa lembrar:

DITADURA NUNCA MAIS!