Quantos professores/as à UNICEF vai enterrar?
Ao ler as notícias do dia, uma de destaque no site UOL me
chamou atenção: “Unicef: Fechamento de escolas na pandemia fez Brasil regredir
duas décadas”, no conteúdo o centro da informação era o “perigo de regressão no
desenvolvimento escolar brasileiro” devido o fechamento das escolas como medida
de proteção adotada pelos poderes executivos dos estados e municípios,
lembrando que o governo negacionista e genocida de Bolsonaro via MEC apenas emitiu
normativas adiando ou mudando tanto os calendários, quanto a forma de ensino do
presencial para o remoto, pressionado pela pandemia da Covid-19 e pela opinião
pública.
A posição oficial da UNICEF chama atenção pelo coro que faz
com certos “movimentos” como o “Escolas Abertas” financiada por setores da
elite paulistana como os Setúbal ligados ao Itaú.
E a matéria jornalística em si é curta e traz um discurso
básico do representante da UNICEF no Brasil que precisa ser desmontada ao longo
desse artigo de opinião.
Antes de tudo, explico que não sou um comentarista alheio à
realidade. Militei no movimento de defesa do Estatuto da Criança e do
Adolescente, fui membro da coordenação do Fórum Municipal de Defesa da Criança
e do Adolescente (FMDCA), fui membro pela sociedade civil do Conselho Municipal
DCA, pertenci ao Fórum Estadual DCA, membro do Comitê Estadual Contra a Redução
da Idade Penal, participei da Jornada Internacional Contra o Trabalho Infantil,
ou seja, conheço a área de defesa de direitos de crianças e adolescentes. Recentemente
fui membro da Comissão Estadual que elaborou o Plano Estadual de Educação em
Direitos Humanos do estado de São Paulo.
Dito isso, a questão é o atual quadro das instituições como
a UNICEF que é um organismo internacional ligado ao sistema de proteção de
Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) e teria como dever conhecer
a realidade dos países membros e compreender que garantir direitos não se aplicam
da mesma forma entre os países. Tais diferenças implicam inclusive manter a permanente
vigilância sobre a situação política destes.
A preocupação do UNICEF poderia ser louvável ao apontar na
matéria do UOL que “O risco, de acordo com Bauer, é que os números da evasão
escolar não mudem com o fim da pandemia e a reabertura das instituições, já
que, uma vez desvinculadas, as crianças acabam se envolvendo em atividades de
trabalho infantil, o que dificulta o retorno”, ok isso é trágico.
Mas antes da pandemia da Covid-19 o Brasil passava por uma
tragédia ainda maior que a própria crise internacional de saúde, já que em 2016
a Emenda Constitucional 95 que impôs o teto de gastos reduziu os recursos dos
orçamentos púbicos e das áreas afetadas, em especial, o social foi o grande
afetado. Segundo o Relatório da própria UNICEF de 2018 informa que “No Brasil,
quase 27 milhões de crianças e adolescentes (49,7% do total) têm um ou mais
direitos negados. Os mais afetados são meninas e meninos negros, vivendo em
famílias pobres monetariamente, moradores da zona rural e das Regiões Norte e
Nordeste.” (2018, p.05) e com um detalhe importante: um ensurdecedor silêncio
sobre a causa.
A UNICEF não se manifestou nem uma linha sobre a EC 95, enfim,
soube acertar nos dados da exclusão sem coragem de denunciar um dos seus
motivos que é a política ultraliberal implantada pelo governo ilegítimo de
Temer.
O INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos) a anos tem contribuído para analise crítica
do orçamento público e os impactos das reformas neoliberais interferindo para
que as políticas públicas e sociais não saiam do papel e sigam financiando a
lógica rentista e financeira do mercado com recursos dos/as contribuintes, e em
artigo publicado em outubro de 2019 informa que “Entre 2016 e 2019, nenhum
orçamento autorizado para políticas públicas destinadas às crianças e
adolescentes foi gasto integralmente.”, e das várias “descobertas” nos códigos
do orçamento verificou que “em 2018 e 2019 a ação que contempla em seu plano
orçamentário a fiscalização para erradicação do trabalho infantil simplesmente
sumiu em termos de recurso do planejamento do governo.”
Outra situação perversa que piorou após a EC 95 do Teto de
Gastos: o trabalho infantil. O Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (PETI)
criado durante o governo FHC foi objeto de criticas inclusive durante os
governos Lula e Dilma, já que os valores e a condução do programa não atendia às
propostas da sociedade civil, pelo fato de que os valores sempre foram
insuficientes para competir com o mercado de trabalho precarizado, o acompanhamento
das famílias não existia como parte de um processo de inclusão social, a fiscalização
e o combate eram limitados de recursos humanos, as campanhas não atingiam o
coração de uma cultura escravista e atrasada sobre o mito do “trabalho infantil
= formação do cidadão de bem” apregoado no senso comum e desastroso para suas vítimas.
Então, a UNICEF agora “preocupada com a evasão e com o
trabalho infantil” não se empenhou suficiente antes da pandemia da Covid-19 e
nem foi muito combativa frente ao governo Bolsonaro em cobrar tal
responsabilidade no início de 2019, apesar de já ter em 2018 os dados que
apontam “No conjunto de aspectos analisados, o saneamento é a privação que
afeta o maior número de crianças e adolescentes (13,3 milhões), seguido por
educação (8,8 milhões), água (7,6 milhões), informação (6,8 milhões), moradia
(5,9 milhões) e proteção contra o trabalho infantil (2,5 milhões)” e mesmo
assim diante da crise de saúde pública da Covid-19 preferiu agora se posicionar
num discurso que, em tese, todos e todas defendemos, mas sobre estratégias
diferentes.
O UNICEF sabe inclusive que a realidade das escolas públicas
no Brasil é de perversidade e que não se agravou só na COVID-19 se observarmos as
informações analisadas pelo Laboratório de Dados Educacionais (LDE) da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) dos dados coletados em março do ano passado
(202) que pertencem ao Censo Escolar da Educação Básica, do Ministério da
Educação (MEC) apontaram que “o número de escolas públicas que não têm banheiro
e internet de banda larga cresceu entre 2019 e 2020 no Brasil. Em 2019, 3,5 mil
escolas públicas não tinham banheiros, em 2020 aumentou para 4,3 mil. A
internet banda larga não chegava a 15 mil escolas urbanas em 2019, já em 2020
este número saltou para 17,2 mil.”, segundo o jornal A Tarde associada ao site
UOL de março de 2021.
E mesmo contrariando os dados e as estatísticas preferiu fazer
um discurso que atende interesses dos donos de escolas privadas ao alimentar o
discurso da evasão = escolas fechadas, desconsiderando a realidade brasileira que
depois de um ano de pandemia da Covid-19 no Brasil o resultado é um desastre
social e humanitário com mais de 330 mil mortes evitáveis se tivesse havido um
combinado de pactos que passariam por ações coordenadas pelo Poder Executivo Federal
de proteção coletiva, investimento de recursos nas políticas sociais centrais
como saúde (SUS), assistência social e educação na dimensão de promover
mudanças na infraestrutura e acesso ao ensino remoto durante o período da
pandemia.
A escola é uma das poucas políticas públicas universais que
estão presentes nas mais distantes regiões do país, podendo nesse momento ser um
lugar de proteção das famílias periféricas como polo de apoio inclusive de
saúde coletiva, assistência social e proteções sociais diversas.
Mas a UNICEF no Brasil preferiu o caminho da pequenez política. Se calou em momentos importantes, tem os dados, mas não faz os combates necessários e faz um discurso funcional aos setores que nunca tiraram a bunda da cadeira para defender a educação pública, de qualidade e universal.
Setores como deste pseudomovimento “Escolas
Abertas” se omite nos pontos que são os mais fundamentais, pois, quando a
sociedade civil de fato estava mobilizada contra as reformas que prejudicavam a
educação no Brasil não vimos essa disposição. E sabemos que quando a vacinação avançar e o
país voltar a “normalidade” com certeza essas novas vozes irão se calar, pois,
a sua defesa é pontual, é uma defesa de classe, das classes dominantes e pequeno
burguesas, em nome de privilégios que desconsideram a verdade:
Por mais cara que seja a escola privada, tudo que parece
proteger as pessoas se torna estético, as serviço da publicidade dos donos, já
que a situação de precarização dos professores/as persiste, a cultura de
cuidado inexiste, mesmo entre as crianças, já que o individualismo cultuado a
anos não muda como girar uma chave.
Abrir escolas públicas ou privadas diante de um desgoverno
federal, estadual e municipal com uma nova onda que atinge terrivelmente
milhões de famílias e já matou mais de 330 mil brasileiros/as é fora da
realidade, já que nem a transmissibilidade do vírus é controlável. Ainda é
necessário repetir o que desde março de 2020 já havíamos apontado: Escolas
fechadas, vidas preservadas!
Wagner Hosokawa – Assistente Social, Militante, Docente, mestre, doutor
e atualmente puto da vida!
Fonte utilizadas
nesse artigo de opinião:
Unicef: Fechamento de escolas na pandemia fez Brasil
regredir duas décadas. Link: https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/05/fechamento-de-escolas-pandemia-fez-brasil-regredir-duas-decadas-diz-unicef.htm?cmpid=copiaecola
Artigo | O impacto do Teto dos Gastos na vida de crianças e
adolescentes
POBREZA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA – link: https://www.unicef.org/brazil/media/156/file/Pobreza_na_Infancia_e_na_Adolescencia.pdf
Crianças e adolescentes são prioridade absoluta no orçamento
público?
- link: https://www.inesc.org.br/criancas-e-adolescentes-sao-prioridade-absoluta-no-orcamento-publico/
Número de escolas públicas sem banheiro e internet cresce no
Brasil
Sinopses Estatísticas da Educação Básica
- link : http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica