segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Pacto Federativo para resgatar o SUAS.




Primeiro aviso, não é um artigo acadêmico, é uma análise política sujeita a erros, de questões que faltam aprofundamento e carregada da experiência que carrega a política da Assistência Social no Brasil. 

Segundo aviso, não é um artigo para aprofundar questões complexas do SUAS (Sistema Único da Assistência Social), o que não quer dizer que não sejam boas indicações para o próximo período, caso os ventos, votos e reação popular contra o fascismo vigente vire o jogo institucional e possamos contar com um governo democrático e popular (mesmo com suas alianças e configurações ao centro e a direita). 

Terceiro e último aviso, no embolado rolo da terceira via eleitoral para presidência, não tenho ilusões de que reformas, mesmo que pequenas, só serão executadas com a responsabilidade técnico-política que o SUAS exige, na minha visão, por um eventual governo Lula. 

Então, se isso torna o artigo pouco empolgante, fazer o que? A limitação no campo eleitoral é minha, mas a limitação de leitura em ver as premissas que trago é sua. Para os que continuam já adianto que não vou fazer um longo retorno histórico da política da Assistência Social, nem vou explicar os detalhes do SUAS, nem vou me ater a uma longa analise de conjuntura, nesse momento ir direito ao assunto é refletir sobre: 

1) O que temos a perder com a continuidade do governo do sr. Jair? (E há muito a perder, do que já foi perdido); 
2) O debate técnico ou tecnicista é inútil sem um programa político, então não vamos perder tempo com o "sexo dos anjos"; 
3) Não há espaço vago na política, quem tem programa e estratégia avança, dialoga, luta, negocia, rebola, troca pneu com carro em movimento, enfim, avalio que na Assistência Social, um eventual mandato de Lula a palavra de ordem será "Nóis capota, mas não breca". 

Dito isso, a política da Assistência Social mudou e é necessário dizer que o Estado Social Capitalista tem parte significativa nessa transformação, pois, a vertente da caridade vai sendo incorporada ao Estado Capitalista e a "assistência aos pobres" passa a ser um instrumento de controle efetivo e nos países do capitalismo de "bem estar" são reconhecidos pela Seguridade Social. 

No Brasil isso levou tempo do Estado varguista até a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica da Assistência Social de 1993, pois a heterogeneidade dos excluídos do trabalho formal e da renda se pulverizaram nas reivindicações populares por alimentação, habitação, educação, melhorias nos bairros, transporte, etc., não há uma coesão dos que se reconhecem enquanto parte da classe trabalhadora sem trabalho e sem renda, até porque se houvesse, teríamos uma revolta e uma situação pré-revolucionária. 

A pressão neoliberal com ataques constantes, aliados a uma situação histórica pós ditadura e uma constituinte de coalizão onde a direita se reorganiza, se autoabsolve e a fecha mantendo a contradição entre capital e trabalho, abre a democracia para situações como legislações sociais avançadas num contexto de economia capitalista periferica, dependente e empurrada para as reformas neoliberais, com Collor, Itamar e FHC o Brasil foi introduzido na lógica neoliberalizante com privatização, financeirização da economia, desendustrialização e retirada de direitos sociais (alguns que nem sairam do papel da nova constituição de 1988). 

A Assistência Social é um campo de luta de classes sui generis em particular para esquerda, já que parte dela prefere não reconhecer essa política nem como tática e muito menos estratégica, tratam como um lugar de controle, limitação de respostas à questão social e sem papel na resistência social e popular. Um outro campo de militantes já discorda e tem na tradição histórica dos movimentos que a incorpora ao Estado um lugar de garantir direitos de cidadania, explorar as contradições constantes do sistema e incorporar as massas excluídas ao precário sistema de Seguridade Social, mas para alçar meios de que parte desse processo de converta em lutas e resistências, assim como ensinou Betinho, "não dá pra falar de defesa da democracia para uma pessoa com fome". 

O governo Lula respeita as deliberações da sociedade civil organizada e a implantação do SUAS (Sistema Único da Assistência Social) acontece nessa conjuntura política. Contradições a parte, e quem quiser analisar isso leia "Os sentidos do lulismo" do Andre Singer, o certo é que desde as NOB's (Normas Operacionais Básicas) do SUAS e RH até a aprovação da lei federal 8742/93 alterada pela 12.435/2011 para consolidar as conquistas das NOB's, houve uma série de avanços tanto ao lugar da Política da Assistência Social, quanto ao seu desenvolvimento na estrutura político institucional no Estado Brasileiro. É inegável que a estrutura de CRAS e CREAS, e o conjunto dos serviços, seja pela reorganização dos já existentes ou criação dos novos, isso deu para as políticas públicas e sociais um caráter técnico-político e institucional que retira a Assistência Social da invisibilidade do passado e seu uso assistencialista pela política tradicional clientelista. 

Há assombrações vigentes? Sim. E em momentos de retrocesso político eles ressurgem. 2016 foi um ano terrível para democracia. O golpe contra a presidenta Dilma fez com que só nos primeiros meses do golpista Temer em poucas canetadas inúmeras políticas públicas e sociais se reduzissem ou se extinguissem, e a paulada final venho com uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) curta e direta, a PEC 95. Sobre a desculpa de um "novo regime fiscal" travou o processo de funcionamento, financiamento, desenvolvimento e orçamento do Estado. Nem vou me ater as diversas medidas que foram sendo criadas como o velho discurso de "combate a pobreza", medidas assistencialistas como "Criança Feliz", "vale gás" e a mudança oportunista do Bolsa Família pelo Auxilio Brasil, além do freio que congelou a política de Assistência Social no Brasil. 

Os efeitos pós 2016 em breves linhas: redução de serviços estatais, com maior terceirização dos serviços de proteção básica e de media e alta complexidade; redução de profissionais concursados, já que o ritmo de novos aposentados não foi seguida de novos profissionais concursados; desqualificação e descaracterização do papel do SUAS, em inúmeros municípios a lógica da "entrega de cestas básicas" em especial durante o período mais duro da pandemia da Covid-19 (2020/2021) afetou a integralidade e efetividade de programas como PAIF, por exemplo; erosão quase que completa do sistema democrático participativo do SUAS, com a redução ou desconsideração do papel deliberativos dos conselhos de Assistência Social, inclusive o CNAS que desde 2016 não tem poder sobre as "políticas" implantadas, e nos estados e municípios uma forte fragilização dos conselhos com evidente esvaziamento; isso em linhas gerais. 

E é nesse ponto que o SUAS não se reerguerá sem um programa de resgate por meio do Pacto Federativo. Eis porquê: 1) Precisamos falar de Recursos Humanos? Esse precisa ser o ponto de partida. Por vários motivos: fortalece o papel público do SUAS, dos fóruns de trabalhadores/as, aumenta significativamente o contingente da sociedade civil organizada e amplia alcance da política. Sem essa medida, melhor na ter muita esperança nas demais, por melhores que sejam. É uma resposta política que vai poder agregar gestores públicos, os/as trabalhadores/as do SUAS, da significado na resposta a crise econômica e social, pois o atendimento é uma carência efetiva da população. E como fazer? 

Primeiro, devemos focar na estratégia: Hoje o atual sistema de partilha de recursos via Fundo Nacional não permite o pagamento cofinanciado de profissionais, sabemos que era um sonho antigo, mas esse é o momento, atrelar parte do cofinancimento de manutenção dos serviços à contratação de profissionais, em especial, por concurso, é fundamental. Os meios de fazer também são urgentes: essa articulação e viabilização precisam ser no primeiro ano de governo, pois haverá condições favoráveis - novo governo, novo Congresso, apelo social por uma resposta técnico política a parte da crise social e ausência de questionamentos por ser um mandato presidencial que se inicia. 

Como fazer? Será preciso furar a PEC 95 e articular justificativa por dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal (quem diria!) já que poderiam ser criados níveis de autorização e contratação, como por exemplo a escalonação das prefeituras e governos estaduais que estiverem 20% abaixo do teto de 60% de "gastos com pessoal" permitir contratar "X" profissionais por concurso considerando vagâncias de cargos e funções deixamos por aposentadorias, novos cargos previstos na LOAS, NOB RH e Tipificação dos Servços Socioassistenciais; utilização de "X" recursos do IGD para compor salários pagos como é o cofinancimento de agentes comunitários da saúde pela Política de Saúde; Serviços compartilhados por consócios de municípios; cofinancimento de RH de Estados e municípios por meio dos Fundos Estaduais; Atrelado a garantia de reformulação e recomposiçao dos Cosenlhos de Assistência Social com a incorporação dos trabalhadores/as neles; criação de planos de argos e carreira do SUAS; criação ou ampliação das reuniões técnicas e em rede de políticas públicas, reduzindo o caráter individualista do trabalho técnico e resinificando o trabalho coletivo; Há possibilidades e vitórias nesse campo;

Segundo, fortalecer os espaços de pactuação, articulação e organização desde o CNAS, CIT-CIB''s, Forúns de trabalhadores/as e da sociedade civil organizada, enfim, promover a mobilização social em torno do SUAS sem medo de ser polo de aglutinação das iniciativas pontuais como os restaurantes solidários e as organizações como a CUFA, pois, a tarefa aqui é aproximar as populações excluídas dos serviços de referência, nem que para num primeiro momento fechemos alianças com o campo caritativo a nosso favor, entendendo que os serviços do SUAS podem ser a referencia e contra referencia da ação socioassistencial, numa estratégia que deveria ser chamada de "estratégia Betinho" onde "não tem como falar e fortalecer a democracia com gente com barriga vazia", e nesse caso, sem vacilar retomar o Cadúnico não só como grande banco de dados, mas como potencializador das políticas publicas e sociais que precisam ser implantadas progressivamente; Tem como fazer com a herança do período de 2004-2016, basta utilizar nossos três "R": resgatar, retomar e reerguer os instrumentos ora abandonados pelo golpismo-fascismo.

Terceiro, fazer das políticas de Saúde e de Educação parceiros centrais nesse momento de resgate do SUAS. É sabido que parte da estratégia fascista vem da criminalização das políticas de transferência de renda dos governos Lula-Dilma e com relação aos pobres a questão das condicionalidades são polemicas no campo restrito da intelectualidade, mas foram centrais para garantir direitos de cidadania em especial para aqueles/as cidadãs e cidadãos em desenvolvimento, ou seja, crianças e adolescentes. Fechar os olhos para isso é desconhecer que se para alguns as condicionalidades podem ser uma "coerção", do outro lado não será por campanhas instrutivas que o direito ao cuidado virá no Brasil, a exemplo do Estatuto da Pessoa Idosa, a coerção no estado de Direito em última instância é o meio pelo qual os cidadãos mais vulneráveis ou em risco podem efetivamente gozar de proteção social. Teorias a parte, o certo é que é preciso mudar as formas de acesso aos direitos de cidadania por meio das condicionalidades para derrubar os preconceitos e discriminações que rondam os mitos entre os profissionais da educação e da saúde sobre a condição dos pobres, esse distanciamento de classe estava sendo, em parte, superado pelo programa Saúde na escola com os profissionais se mobilizando na perspectiva efetiva dos ideais do SUS pelo caminho da prevenção e articulação territorial ou o PROJOVEM Adolescente que incorporava os jovens adolescentes no contra turno escolar em ações socioeducativas. Ou seja, há meios de promover uma onda contrária a criminalização dos pobres por meio dos instrumentos das políticas, fortalecer é um dever;

Quarto, é preciso um giro pela qualificação do atendimento aos beneficiários do BPC - Beneficio de Prestação Continuada. Se "salvar o mundo não é possível", construir e conquistar uma sociedade civil mais próxima ao pensamento progressista e de esquerda é possível. Programas como "BPC na escola" não podem ser iniciativas presas na burocracia do Estado, o BPC Idoso/a tem sido fundamental para enfrentar parte do abandono de pessoas idosas, enfim, é fato que o PAIF incidiu em baixa sobre o BPC. Esse é um direito que devemos potencializar para dialogar e incorporar os idosos que foram cuspidos pelo mundo do trabalho informal e precarizado, bem como as pessoas com deficiência e suas famílias.

Quinto, sabendo que a questão da geração de renda e trabalho no SUAS é ainda um engodo. Os debates intermináveis sobre se as ações realizadas na política de Assistência Social são de fato políticas para geração de renda ou apenas uma atividade meramente recreativa, como os cursos intermináveis de pequenos ofícios como artesanatos variados, panificações, entre outros, e a ausência de um processo que se alie a política de Economia Solidária, aí incorporando os desafios de uma economia não capitalista ou competitiva no mercado mas com um horizonte coletivo e solidário de geração de renda. Esse engodo permanece, mas não pode ser menosprezado. Se há uma perspectiva que se contrapõe a fantasia do empreendedorismo capitalista, essa é que é impulsionada pela economia solidária, que deveria se contrapor a ideia do "seja seu próprio patrão", pela "iniciativa coletiva de produção e comercio" que em termos de política seria promover na raiz iniciativas econômicas de sobrevivência não capitalistas, territorial (lembrando da resistência contra o globalismo neoliberal bem refletida por Milton Santos) e sustentável. Essa pode ser uma guerra perdida se observarmos a uberização, mas não podemos nos enganar com isso, podemos e devemos por meio do SUAS promover a retomada de um processo de socialização, sem alarde midiático, exigindo ineditamente uma articulação com os órgãos de fomento como BNDES, Banco do Brasil e Caixa, entre outros.

Aqui há muitas lacunas, mas seria arrogante querer propor um "programa de governo", esse deveria ser elaborado imediatamente, com visibilidade de resposta concreta contra a crise econômica do capital e seus efeitos, pensando pragmaticamente em termos eleitorais, mas programaticamente em termos de processo político, o SUAS pode ser retomado, porém dependerá da disposição inicial que disse, "nois capota, mas não breca", onde Lula exigirá que o governo atue oito anos em quatro, e não estará errado, já que as ameaças a democracia e os grupos que promovem a pilhagem das riquezas do país sempre estão a espreita.

Essas são reflexões iniciais. Tem muita rua e conversa para travar nos nossos espaços  de trabalho, família, amigos e outros. O momento é de guerra!