segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Você é Arthur Fleck ou Coringa? (Tem spoiler de Coringa - Delírio a dois)

 


Em que beco estamos? Confesso que assisti "Coringa - Delírio a dois" com grande preconceito, não fui ao cinema assim que me disseram que era um musical. Não gosto de musicais, enfim, gosto é gosto. Prefiro boas histórias com enredo, tramas e tudo mais. Musicais, veja bem, ficam presos nessa coisa alegórica, cantoria, o show...talvez "Chicago" com Renée Kathleen Zellweger.

Bom, vamos ao que interessa. Tirando a cantoria, o filme me surpreendeu, pois joga luz a questão que foi o estopim do primeiro, a vida social dos indivíduos, numa sociedade marcada pelo capitalismo financeiro, numa cidade afogada no marasmo da rotina determinada por um vazio existencial, ricos sendo ricos, fodidos sendo fodidos, passividade do fim dos serviços públicos e indiferença geral. 

Coringa 1, estabeleceu desse debate do anti-herói que, em sequencia, reage ao abuso dos três imbecis no metrô, vamos lembrar a cena, os três "investidores" de família formada por "cidadãos de bem" assediam uma moça no vagão onde estava o desempregado Arthur Fleck, ele nem foi tão altruísta assim, sua risada de nervoso apenas mudou o foco dos três imbecis para ele mesmo. Diante da agressão destes, a reação, tiro pra todo lado, a força humana irracional em se defender. Não justifica? Bem, eu diria que não, como também não justificaria ele apanhar de três imbecis, isso vira um bom debate ético não é?

Sobre a degola do "colega" de trabalho, voltemos para trás, quem deu a arma de fogo para o indefeso Arthur Fleck? O "colega", que a principio queira vender a arma. Depois de perceber que a mesma foi usada no atentado aos três imbecis, ficou com medo, tentou de tudo para reaver o revolver. Mereceu morrer? Acho que não! Agora, Arthur podia ter rejeitado o artefato, com certeza. Vejam como a sequencia de merda acontece. 

Matar a mãe. Outro ponto de virada, já que descobriu ou rememorou fatos do seu passado, da infância e das mentiras da mãe, já idosa. Outro gatilho, daqueles que vai criando o "Coringa" na alma. 

O tiro no meio da cara do apresentador Murray Franklin, precisava? Olha, esteticamente (falando de filme) adorei, tanto quanto a morte do Wayne. mas voltando o social da coisa, vamos lembrar que o objetivo do Arthur era se matar em público, contudo, outro sentimento desencadeou, chamemos de indignação numa variação de alto nível. Sim, adrenalina nas alturas. Lá nasce o Coringa? Eu achava que sim, até assistir "Delírio a dois"

Lá temos uma pessoa, Arthur Fleck, domesticado pela medicação, sem a euforia e os gatilhos que desencadearam a fúria anterior. O argumento da advogada de defesa sobre as "duas personalidades" até poderia ser um bom argumento legal, mas de fato pelo andar da carruagem, não era verdade. 

Talvez o "Coringa" em nós esteja por outras vias e não duplas, triplas ou múltiplas personalidades. Nós associamos indignação como um ato político, quando na verdade não é sempre. Aas vezes é um impulso individual, algo que pisou no nosso calo, o não reconhecimento, a indiferença dos demais por nós, enfim, só é ato político se é coletivo.

Novamente talvez, o que o "Coringa" em Arthur Fleck tenha causado na massa tenha sido uma indignação coletiva, já Arthur não, foi mais impulso individual. Ele nunca quis defende ruma causa, e sempre deixou isso bem explicado, várias vezes. 

Mas a provocação da sua admiradora Harley Quinn, engraçado tentaram fazer um trocadilho com "Arlequina", foi sendo assedio puro, pois, ela tinha na sua cabeça de que existia "Coringa", e nunca considerou Arthur Fleck, ela sempre o chama por "Coringa". E isso dá o gatilho que Arthur (não precisava) para aos poucos buscar ser aquele indignado que mais tentava ser o "astro da comedia" do que uma simbologia das massas. Outra incoerência, já que Harley queria o "Coringa" das massas e Arthur queria o astro do palco, tanto que os delírios, talvez por isso a cantoria, sempre foi ele representando no palco, como apresentador, cantor...e não um líder de ideais. Contradição danada né. 

A contradição que eu considero mais canalha é aquela do inicio, dos três imbecis no metrô, em nenhum momento, a moça branca assediada pelo menos tem dignidade de dizer em algum lugar que seja de que se não fosse a intervenção involuntária de Arthur Fleck, ela poderia ter sido inclusive estuprada. Nada. Não aparece nada. Isso diz muito sobre a tal a empatia, esse sentimento mentiroso, ligado apenas ao que interessa no intimo do umbigo de quem faz querendo cartaz, likes ou qualquer outro reconhecimento de merda dessa sociedade doente. 

O desfecho é o mais significativo. Começa na última argumentação do tribunal, quando ele novamente volta ao chão da realidade e decide que quem vai falar é a única pessoa que de fato existe, Arthur Fleck. Gerando frustração dos admiradores, com a saída de Harley e várias pessoas do tribunal.

Confesso que quando rolou o final fiquei chateado, achei uma bosta. Mas depois de um tempo refletindo, cheguei nestas conclusões, e no final um dos detentos que também depositou confiança no "Coringa" também entrou na fila dos frustrados e encerrou com o golpe a facadas no estomago do real e único Arthur Fleck. 

Vamos lá. O filme não é sobre o "vilão" de Batman, é sobre a existência humana. Ou a falta dessa existência para nós, para nós todos, ricos, pobres, fodidos, trabalhadores, polícia, todo mundo em pânico!

Como esse atual sistema capitalista tem conduzido a ausência da  nossa existência.

Sim, por incrível que pareça, o filme superou minhas expectativas e como sempre jogou pra baixo, num grande lago de merda, as expectativas com o ser social do capitalismo. 

Assistam, vale a pena!

Resista, meu povo, resista | Carta semanal 52 (2024) Mensagem do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social

 Queridas amigas e amigos,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

A dor percorre as artérias da sociedade global. Dia após dia, o genocídio contra o povo palestino continua e os conflitos na região dos Grandes Lagos da África e no Sudão aumentam. Mais e mais pessoas caem na pobreza absoluta à medida que os lucros das empresas de armas aumentam. Essas realidades endureceram a sociedade, permitindo que as pessoas façam vista grossa e ignorem os horrores que acontecem no mundo todo. A indiferença pela dor dos outros se tornou uma forma de se proteger de um intenso sofrimento. O que se pode fazer com a miséria que passou a definir a vida em todo o planeta? O que posso fazer? O que você pode fazer?

Em 2015, a poetisa palestina Dareen Tatour escreveu Qawim ya sha’abi, qawimhum [Resista, meu povo, resista a eles], pelo qual foi presa e encarcerada pelo Estado israelense. Um poema que pode te mandar para a prisão é um poema poderoso. Um Estado ameaçado por um poema é um Estado imoral.

Resista, meu povo, resista a eles.
Em Jerusalém, curei minhas feridas e expressei minhas tristezas a Deus.
Eu carreguei a alma na palma da minha mão
para uma Palestina árabe.
Não sucumbirei à “solução pacífica”,
nunca abaixe minhas bandeiras
até que eu os expulse da minha terra natal
e os faça ajoelhar por um tempo vindouro.
Resista, meu povo, resista a eles.
Resista ao roubo do colono
e siga a caravana dos mártires.
Destrua a constituição vergonhosa
que impôs uma humilhação implacável
e nos impediu de restaurar nossos direitos.
Eles queimaram crianças inocentes;
Quanto a Hadeel, eles atiraram nela em público,
mataram-na em plena luz do dia.
Resista, meu povo, resista a eles.
Resista ao ataque colonialista.
Não dê atenção a seus agentes entre nós
que nos acorrentam com ilusões de paz.
Não temam os Merkava [tanques do exército israelense];
a verdade em seu coração é mais forte,
enquanto você resistir em uma terra
que sobreviveu a ataques e vitórias.
Ali gritou de seu túmulo:
resista, meu povo rebelde,
escreva-me como prosa no ágar,
pois você se tornou a resposta para meus restos mortais.
Resista, meu povo, resista a eles.
Resista, meu povo, resista a eles.

Choi Yu-jun (República Popular Democrática da Coreia), A Bela Adormecida, 2018.

“Hadeel” no poema se refere a Hadeel al-Hashlamoun (18 anos), que foi morta a tiros por um soldado israelense em 22 de setembro de 2015. Este assassinato ocorreu junto com uma onda de tiroteios – muitos fatais – contra palestinos por soldados israelenses em postos de controle na Cisjordânia. Naquele dia, Hadeel chegou ao posto de controle 56 na rua al-Shuhada em Hebron (Território Palestino Ocupado). O detector de metais apitou e os soldados disseram para ela abrir a bolsa, o que ela fez. Dentro havia um telefone, uma caneta Pilot azul, um estojo marrom e outros pertences pessoais. Um soldado gritou com ela em hebraico, e ela não entendeu. Fawaz Abu Aisheh, de 34 anos, que estava por perto, interveio e traduziu o que estava sendo dito. Mais soldados chegaram e apontaram suas armas para Hadeel e Fawaz. Um soldado disparou um tiro de advertência e depois atirou na perna esquerda de Hadeel.

Nesse momento, um soldado, alegando ter visto uma faca, disparou vários tiros no peito de Hadeel, que foi fotografada parada momentos antes. Depois de ficar no chão por algum tempo, ela foi levada para um hospital, onde morreu por hemorragia e falência múltipla dos órgãos resultante dos ferimentos à bala. Organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional e a B’Tselem disseram que a questão da faca era irrelevante, já que Hadeel havia sido alvo de uma “execução extrajudicial” (sem falar no fato de que os depoimentos sobre a faca eram inconsistentes). A representação de Tatour da execução de Hadeel em plena luz do dia é um enorme lembrete das ondas de violência que estruturam a vida cotidiana dos palestinos.

Maksudjon Mirmukhamedov (Tadjiquistão), Meu Mustang, 2020.

Um mês depois da morte de Hadeel, conheci um grupo de adolescentes em um campo de refugiados perto de Ramallah. Eles me disseram que não veem nenhuma saída para suas frustrações e raiva. O que eles veem é a humilhação diária de suas famílias e amigos pela Ocupação, o que os leva ao desespero. “Temos que fazer alguma coisa”, diz Nabil. Seus olhos estão cansados. Ele parece mais velho do que seus anos de adolescência. Ele perdeu amigos para a violência israelense. “Marchamos até Qalandiya no ano passado em um protesto pacífico”, Nabil me conta. “Eles atiraram em nós. Meu amigo morreu”. A violência colonial pesa sobre seu espírito. Ao redor dele, crianças são executadas impunemente pelos militares israelenses. O corpo de Nabil se contorce de ansiedade e medo.

Pensei muito nesses adolescentes, especialmente no último ano, que foi definido pela escalada do genocídio dos EUA e de Israel contra os palestinos. Penso neles por causa da enxurrada de histórias sobre jovens como Hadeel e o amigo de Nabil sendo mortos por tropas israelenses não apenas em Gaza, mas na Cisjordânia.

Em 3 de novembro de 2024, Naji al-Baba, de quatorze anos, de Halhul, ao norte de Hebron, voltou da escola com seu pai, Nidal Abdel Moti al-Baba. Eles comeram molokhia, seu prato favorito, no almoço, e então Naji disse ao pai que iria jogar futebol. Naji e seus amigos brincavam perto da loja de seu avô. Soldados israelenses chegaram e atiraram nos meninos, atingindo Naji na pélvis, no pé, no coração e no ombro. Após o funeral, Nasser Merib, gerente do Halhul Sports Club, onde Naji jogava futebol, disse que ele tinha um pé direito forte. “Ele era ambicioso e sonhava em se tornar internacional como Ronaldo”. Esse sonho foi destruído pela ocupação israelense.

Chuu Wai (Myanmar), Quando Amelie e Khin encontram a revolução, 2021.

A morte de um jovem é um ato imperdoável. A morte de uma criança é particularmente difícil de entender. Naji poderia ter sido capitão do time de futebol palestino. Hadeel poderia ter se tornado uma cientista extraordinária. As famílias olham para as fotografias que restam e choram. Em Gaza, outras famílias estão sentadas em tendas sem nenhuma maneira de se lembrar de seus filhos perdidos, seus corpos destruídos ou desaparecidos e suas fotos transformadas em cinzas nos escombros. Tanta morte. Tanta desumanidade.

Se o tempo e a luta nos permitirem, seremos capazes de despertar adequadamente os sonhos da humanidade. Mas a noite antes do amanhecer será longa e difícil. Ansiamos pela humanidade, mas não esperamos que ela chegue facilmente. Pequenas vozes clamam por um novo mundo, e muitos pés marcham para construí-lo. Para chegar lá, será necessário pôr fim à guerra, à ocupação e à feiura do capitalismo e do imperialismo. Sabemos que vivemos na pré-história, na era anterior ao início da verdadeira história humana. Ansiamos por esse mundo socialista, onde Naji e Hadeel terão um futuro pela frente e não apenas um breve interlúdio em nosso mundo.

Feliz Ano Novo. Que ele nos aproxime da humanidade.

Cordialmente,

Vijay

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Jovens, se o "futuro" do PT for eleger Jo´se Dirceu deputado federal, então saiam do PT !

Respeito a história do Zé. Eu era de uma geração que não teve medo de gritar "Stalin não morreu, necarnou no Zé Dirceu. Eu respeito a história até ele ser o líder do Campo Majoritário do PT. José Dirceu tem direito de disputar eleição. Com certeza, uma vez resolvida todas as questões com a justiça é seu direito buscar um mandato de deputado para "lavar a sua honra", mesmo sendo esse conceito de "honra" bem pequeno burguês. Como militante e dirigente acredito que teriam melhores formas de preservar sua história, honra e desforra ao que enfrentou nos últimos anos. Poderia liderar uma grande frente que buscasse reeleger e eleger uma bancada de jonens lutadores (as). Poderia liderar um novo pacto nacional com um amplo grupo de forças políticas do campo progressista ao centro esquerda para resurgir um projeto de nação. Poderia, mas prefere não fazer. Buscar um mandato para dizer que é seu é melhor, mais comôdo e bom para os negócios. Se em 2026 o que restou para jovem militância polítca do PT é escutar "não é o momento", para "ajudar na vitória" do "grande líder" José Dirceu de Oliveira, eu diria, com conhecimento de causa que: jovens deixem o PT e busquem se organizar, mobilizar, articular e construir um espaço que lhes valorize. A frase "não é o momento" é o que minha geração escutou na década de 1990. Sobre o discurso de inexperiência, "vocês ainda são jovens" e todo tipo de desculpa, minha geração serviu para tudo: votar, eleger e reeleger (até hoje) os mesmos dirigentes nos seus cargos de executiva, carregar bandeira, organizar listas, distribuir jornais, fazer campanha na rua, se fazer presente em reuniões, plenárias, encontros, congressos, seminários, etc., etc., só que poucos tomaram a frente e ocuparam espaços fundamentais de luta política. Eu mesmo tive poucas dessas tarefas e mesmo assim escutando o velho mantra "não é momento", fui dirigente municipal, da executiva da macro região, membro de chapa municipal, estadual e nacional e as vezes negociador. ontudo, a luta interna por um programa de esquerda e socialista foi solitária, a candidatura a vereador por duas vezes foi solitária e derrotada. No fim, aos 45 anos, nunca foi o momento e nunca seria se depender da lógica dos dirigentes que agora empurram seus familiares para alçar o lugar do parlamento e poucos governos do PT. Sobrenomes agora são eleitos pela normalidade da sucessão patriarcal que criticamos nas ruas e são reproduzidas nos nossos espaços. Então jovens, se alguém disser que não é o seu momento, saia, procure constrruir o seu lugar na luta política de classes, pois isso não pertence a ninguém. Leia Lênin, que diz, "Há décadas em que nada acontece e a semanas em que décadas acontecem", não espere o tempo do momento, o momento da luta, do levante, da revolução, do enfrentamento, da resistência esses são os momentos. Não é apenas 2026, mas antes, durante e depois. Um jovem que dispõe sesu esforços para eleger o velho, que com seu passado nesse caso levou a vitória de Lula em 2002 com Roberto Jeferson, Valdemar da Costa, Maluf e companhia, sim estes mesmos que deram o golpe, que se aliaram ao bolsonarismo fascista, estes que eram chamados de companheiros e quem criticasse a política de alianças era considerado "inimigo", foram construidos pelo velho modo de vera política como uma oportunidade pessoal e não coletiva. Coletivo é palavra que usada é apenas um, item de discurso. Coletivo como exercicío é a ação, o estudo, escuta, fala, diálogo e principalmente gesto. Lula no Seminário do PT sobre a realidade brasileira no dia 06/12/24 fez um discurso (novamente) duro sobre a militancia e o trabalho de base (assista:https://www.youtube.com/watch?v=zwGfAVpLQEM) e amídia adora essa contradição (ver; https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/12/06/a-petistas-lula-faz-mea-culpa-reclama-de-comunicacao-e-pede-volta-a-base.htm), porém, isso é suficiente? O chamado de Lula quando deixou a carceragem de Curitiba foi uma convocação aos jovens para ocuparem os espaços da política, mas foi para todos/as ou só para alçar Boulos para sua lista de sucessão futura? Aos que querem pagar para ver ou fazer parte da turma do "não é o momento", só tenho que lamentar. Cada vez que um jovem em um partido que se denomina de esquerda como PT tem que ser contido com a frase, "não é o momento", essa sim é a morte da primavera!