Recuar não é o problema. A questão é fingir resistir. Sobre a greve geral de 30 de junho de 2017.
2017 já está marcada na história do Brasil como o ano em que a classe trabalhadora brasileira vivenciou o seu período mais desafiador. As reformas do governo golpista de Temer (PMDB/PSDB) atingem no coração dos direitos, trabalhista e previdenciária, daqueles que dependem do salário mínimo como única fonte de sobrevivência.
Os pontos da reforma trabalhista devolvem os trabalhadorxs para condição de antes da CLT (leis trabalhistas) de Vargas e ampliam a lógica do neoliberalismo que é o individualismo, ou seja, institui o “cada um por si” legalmente.
A reforma da previdência, a grosso modo, vai criar uma série de dificuldades para quem vive do salário possa se aposentar. “Trabalhar até morrer” não será uma piada e sim uma realidade.
E por isso, desde março o país tem vivido permanente estado de greve, com paralisações gerais pontuais como meio de pressão sobre o congresso nacional.
Das mobilizações mais significativas a de 28 de abril foi a de maior força, paralisando diversas atividades e manifestações massivas, na sequência a ocupação de Brasília seguida de violenta repressão demostraram o vigor da classe trabalhadora em resistir.
A questão é de fôlego.
A conjuntura que é retomada remota ao campo de lutas simbólicas das classes. O país sempre foi dividido e o saudoso Betinho lutou para que pudéssemos reconhecer essa divisão pela raiz das desigualdades econômicas, sociais e políticas demostrada pelo problema da fome. Agora dizer que o país estava dividido por conta do governo do PT é puro oportunismo manipulando a ignorância das massas.
A reação conservadora e financista do capitalismo brasileiro ao apresentar estas reformas é a certeza de que houve golpe contra Dilma e que com Temer as forças políticas no congresso e o tempo estão favoráveis para eles. As elites estão apenas aproveitando a sua janela de oportunidade.
Lênin, líder máximo da revolução russa, e formulador dessa tese, em vários momentos da luta de classes na Rússia recorreu , dentre as variáveis de sua análise, à questão da conjuntura e o acúmulo de forças para construir a tomada do poder pela classe trabalhadora russa.
E é sobre isso que temos que conversar, sinceramente e seriamente.
Ontem, na avenida Paulista, resistimos de novo contra as reformas do governo Temer. Ok, temos que valorizar nossas lutas. Mas com reflexão critica necessária.
30 de junho de 2017 não foi a “melhor de três” e expressa o quanto as direções jogam para baixo as suas próprias lutas. Digo isso sem medo e preocupado com a organização da classe trabalhadora.
Sinais de que precisamos retomar processos ideo-organizativos e militantes:
1) As categorias que recuaram e desmobilizaram a greve geral foram a dos transportes, sito, condutores e metroviários, principalmente em São Paulo, centro do capital financeiro. E não os culpo plenamente, pois a atual legislação trabalhista-sindical, tem criado uma tendência perigosa que derruba a ideia de “mediação” da justiça do trabalho para justiça patronal, com as recorrentes obrigações de mais de 80% de manutenção de serviços e multas de mais de 500 mil a 1 milhão de reais sobre os sindicatos. Tendência que tem engessado a luta sindical e criando uma situação econômica de quase falência devido a esse abuso jurídico. E claro, essa coisa de “greve de fim de semana”, retirando a simbologia da pressão sobre os patrões;
2) A eternidade de diretores ou diretorias que se revezam nas máquinas sindicais, longe das bases e do cotidiano da classe trabalhadora e assim reforçando o caráter alienante das relações entre a direção e sua categoria profissional. Profissionalizar o dirigente não é problema. O problema é a legitimidade de quem tem a responsabilidade de atuar “full time” a sua categoria, não apenas corporativamente, mas a serviço da classe. E o que estamos vivenciando é uma profunda transição dessas gerações, que tem sido questionadas por renovadas oposições sindicais e movimentos de trabalhadores autônomos;
3) O trabalho de base. Que desde as reformas homeopáticas trabalhistas desde o governo Collor, FHC, Lula e Dilma, com privatização, flexibilização, terceiro setor, endividamento salarial (pelo crédito e financiamentos), descaracterização do vínculo dos servidores públicos, precarização, apropriação da previdência pública pelo privado dentre outras, que tem criado no interior da classe trabalhadora tipos de vínculos cada vez menos coletivos, fragmentados e dispersos. E não há no horizonte possível como retomar o trabalho de base pela organização da classe que articulada e mobilizada não precisa se submeter nem a justiça do trabalho e nem a paralisação dos transportes. Ou seja, a classe consciente dos prejuízos que traz ao lucro e não ao seu trabalho, que é essencial ao lucro.
Tudo isso para dizer que o momento pede retomar e combinar. Retomar a partir de um projeto de classe que atenda aos interesses do conjunto da classe. E combinado com a formação militante, círculos de organização, etc., que permitam emergir a qualidade ideo-organizativa da classe.
Não será para agora. É um processo.
Processo que precisa analisar o tempo presente. Porque ontem vivemos o nosso “mico” com ampla animação pelas redes sociais virtuais, mas com recuos diretos dos meios que de fato intervém na realidade de resistência da classe trabalhadora, onde é fato que os trabalhadorxs do transporte tem grande influência sobre os processos de greve geral e não parar São Paulo é como não ter havido de fato greve geral. É a trágica realidade do federalismo brasileiro, desigual e injusto.
Terminar o ato em São Paulo na igreja da Av. Consolação não consolou a nenhum de nós, lutadores e lutadoras do Brasil.