quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Para mim hoje, um AVC ou ataque cardíaco seria um presente!

 

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Tem aquele que diz que na vida ou no jogo, melhor parar quando está ganhando. Talvez haja razão nesse pensamento. 

Talvez se a gente pudesse interromper a vida no nosso melhor momento, seja isso que nos permita admitir que ela valeu a pena.

Hoje, sinceramente um AVC ou um ataque cardíaco me permitiria interromper a vida num bom momento. Já fiz lutas, já fiz minhas experimentações e experiências, escolhi o que fazer e paguei o preço disso, errei, magoei, fui magoado, vivi bem, e não é uma questão de idade, é de satisfação.

Pois, quando a vida te cobra seus erros acumulados, quando parte da rotina se confunde com indiferença ou negligência, melhor parar.

Não falo em suicídio. Nem perto disso. Mas a gente depois de um tempo tenta prolongar a vida como se algo pudesse ser inovador para nossa existência.

Realmente não sei se vale a pena esse prolongamento da vida.

Valeu o que foi vivido. Se no seu balanço foi satisfatório, quem sabe, ou melhor, eu estou pensando nisso, talvez um mal súbito seja um presente. 

Ninguém é imprescindível mesmo. 

Acho que já trabalhei o necessário. Vamos pra próxima.

Quem sabe é hora de deixar esse papo de prolongar. Encharcar as veias da melhor carne, tomar as cachaças e as brejas que puder e deixar a vida me levar.

Ao final, me tornei parte da pessoa que jurei nunca ser, magoei quem eu faria tudo pela sua felicidade e parte do que que adoro fazer em coletivo será encerrado pelo vil metal.

Para quem está em declínio, melhor encerrar com alguma dignidade, um AVC ou ATAQUE CARDIACO seria sim um presente!



terça-feira, 20 de agosto de 2024

Escolas militares são parte de um projeto de sociedade. Como se combatem projetos societários?







Na segunda semana de agosto de 2024 começa com uma boa noticia: "Justiça de SP suspende programa Escola Cívico-Militar de Tarcísio" (Metropolis, 07/08/2024), estão em curso muitas lutas contra esse projeto do governo Tracisio, que foi iniciado pelo governo fascista de Bolsonaro. Foram lutas na Assembleia Legislativa onde estudantes, professoras e militantes das organizações sindicais, populares e de esquerda fizeram enfrentamento contra a medida, agora sendo implantadas a luta que segue é contra a sua implantação. 

O conflito era inevitável e necessário. Lutar contra as medidas político ideologicas do fascismo é fundmental para que não se crie uma visão militarizada da sociedade como quer os fascistas. Casos de enfrentamento como a ação fascista de invasão da sede da APEOESP Guarulhos tem sido a tônica do que ainda está por vir. 

O fascismo brasileiro atual é uma mistura de oportunismo eleitoral e oportunidades de "mamar" no dinheiro público por meio da sustentação desse discurso de ódio e violência, que se não tivesse inocentes utéis mandado pix para essa cambada de vagabundo não teria o mesmo efeito que tem. 

E esse é o ponto central: tem base que sustenta essas ideias. Por isso, as velhas formas de resistência pós redemocratização não tem sido eficazes para enfrentar o problema. O fascismo brasileiro com raiz em Plinio Salgado e com apoio institucional de Vargas não tem refresco na memória do povo braisileiro, a história que é repassada nas escolas é apenas um breve paragrafo, o que é ruim, pois novamente normalizamos posturas violentas como se faz com a questão da ditadura militar. Depois não se sabe porquê esses mostros saem dos esgotos com suas ideologias escrotas. 

A culpa da nossa esquerda é certa. Passados quatro décadas pós redemocratização os partidos da esquerda, em particular o PT, tiveram várias gestões municipais, estaduais e federal, sustentaram em seu discurso que "educação é prioridade da esquerda e não da direita", isso é um mito que foi sustentado pelas inovações e investimentos que foram realizados ao longo dessas experiências de gestão. 

Talvez a mais exitosa seja mesmo a gestão da ex-prefeita Luiza Erundina que teve como secretário o educador Paulo Freire, e de fato, governos vem e vão à frente da prefeitura de São Paulo e não conseguem derrubar o Plano de Carreira, sabiamente, construido por este governo. Os anos se passaram e partidos da esquerda como PT, PSB, PDT e outros fizeram uma mudança de rota no debate educacional, abandonaram a ideia de investimento, fortalecimento dos profissionais e da comunidade escolar e projetos político-pedagogicos por um populismo educacional. Preferiram na metade da década de 1990 implantar projetos e programas populistas e apenas materiais. 

O governo Marta escolheu enfraquecer a gestão de base e recorrer a lógica da direita: imagem e assistencialismo. Com construções gigantescas como os CEU's (Centros de Educação Unificados) e a entrega farta de uniformes, material escolar e outros. E foi sendo um modelo que foi sendo abraçado de forma geral pelas administrações de esquerda. Ou seja, metas como erradicar analfabetismo forma sendo substituidas por um slogam eleitoral mais direto (e oportunista). Ambas poderiam existir? 

A implantação de um projeto educacional popular, alternativo, participativo e autonomo somado a entrega material de insumos necessários, sim ambos são perfeitamente possíveis e fariam a esquerda disparar na frente da direita. A direita poderia no máximo acusar a esquerda de "gastar muito com educação", mas quem quer ser contra a educação? 

E com a possibilidade da esquerda poder dizer que é referencia exclusiva de algo em que seria imbatível (no plano ideologico e eleitoral), pois seria um projeto em duas frentes: qualificar a cidadania por meio da inclusão e participação política e garantir recursos aos mais pobres. 

Talvez venceriamos até o debate da universalização do ensino. Agora isso não foi feito, como muita coisa que a esquerda brasileira abandonou em nome da luta eleitoral, e conforme os anos passam o que entrou no lugar foi o projeto educacionmal da direita fascista, militarizar escola remete a uma memória distorcida, confusa e não verdadeira de que escola militarizada, como quartel, forja a "moral e a cidadania" da pessoa. 

 Andamos para trás. 

Pois só restou a nossa esquerda resistir e lutar contra a implantação das escolas militares, sem o reconhecimento de nenhum projeto educacional de base que represente alternativa a esse modelo. Eu sei que houveram gestões locais exitosas, mas sobrevivem no anonimato ou foram derrotadas nas eleções seguintes pela total falta de prioridade. 

 Alguns imbecis na nossa esquerda poderão até dizer bobagens e argumentar que as expeirências foram boas, mas não cabem mais. Eu respondo a cada uma dessas posições imbecis: "Para que priorizar alfabetização? Foi bom, mas agora não tem projeção, não aparece!" Alfabetizar para libertar é diferente de Mobral da ditadura, então, a iniciativa dos Movimentos de Alfabetização (MOVA) devem ser construídos para libertação político-ideologica, devem ser mais do que "ensinar a ler e escrever", devem servir para que as pessoas compreendam o mundo e não apenas faça a sua leitura acritica. 

Onde é feito nessa direção conquistamos militantes e não apenas eleitores. O MST segue com as metodologias do "Sim eu posso!" cubano e outros movimentos também. "Os CEU's são grandes conquistas lembradas até hoje" Como complexos educacionais excelentes, como lugar de articulação social e participação popular virou pó, viraram escolões com lazer embutido, que de nada representam lugar de protagonismo, onde resiste a participação é porquê foi iniciativa dos movimentos e sem apoio dos governos, Haddad teve essa chance e podou. 

E no final, a resposta objetiva desses complexos não resolve problemas estruturais: numa cidade como São Paulo, a falta de vagas em creches segue de forma abusurda. "Os mais pobres precisam dos uniformes, material escolar e alimentação" Niguém esta questionando o papel do Estado em fornecer insumos. 

Mas a ausência de projeto societário causa uma crise em cadeia. De um lado esse oportunismo assistencial não qualifica a relação da comunidade e a escola, cria conflitos estupidos sobre tamanho de uniforme em vez que integrar a comunidade na luta em defesa da educação pública. 

Do outro, a luta dos movimentos de trabalhadores desempregados e das cooperativas como dos catadores de materiais reciclavéis seguem sem apoio, quando poderiamos potencializar essas organizações que tem militantes combativos do lado de cá da nossa esquerda, podend destinar o fornecimento por meio dessas organizações. 

A única experiência foi durante o governo do PT na cidade de Osasco (SP) que articulou a produção e fornecimento de uniformes à cooperativa de trabalhadoras ligadas ao Programa Bolsa Família, e só. "Servidores públicos tem custo e tem os limites na Lei de Responsabilidade Fiscal" Esse discurso é de direita. 

Apesar de ter sido aplicada com fidelidade pelos governos de esquerda, que transformaram servidores públicos em inimigos, quando deveriam ser incorporados como aliados. A ausência do fortalecimento das carreiras e consolidação de um funcionalismo forte de direitos e firme de posições com relação ao projeto político-pedagogico só faz a esquerda perder. Poderíamos até perder o governo, mas não a política pública. 

E bastava estruturar a carreira com o modelo educacional, pois, não quea educação seja progressista por natureza, contudo, se construida e incorporada as ações faz com que a hegemonia político-educacional-pedagogica seja forte mesmo tempos de guerra, porque isso é uma conquista em cadeia: se a escola pública educa e faz pensar, se os profissionais só tem como preocupação educar, criar e construir, à população assume o papel de defesa! Voltamos ao drama: eles tem a escola militarizada como alternativa, e nós? 

 E mesmo que "dê errado", o estrago a médio e longo prazo está feito! As gerações que pssarem por essa merda influenciará alguém, ponto. E esses alguéns vaõ seguir caminhando com essas ideias do fascismo. 

É esse o ponto de risco. Sempre há tempo de mudar!

Dez teses sobre a extrema-direita de um tipo especial | Carta semanal 33 (2024)Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

 Dez teses sobre a extrema-direita de um tipo especial | Carta semanal 33 (2024)




Queridas amigas e amigos,


Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.


Desde 2016, verificamos uma consternação generalizada sobre como compreender o surgimento de Donald Trump como um candidato sério a presidente dos EUA. Longe de ser um fenômeno isolado, Trump chegou ao poder ao lado de outros “homens fortes” como Viktor Orbán (primeiro-ministro da Hungria desde 2010), Recep Tayyip Erdoğan (presidente da Turquia desde 2014) e Narendra Modi (primeiro-ministro da Índia desde 2014). Parece ser impossível que homens como esses, que chegaram ao poder e consolidaram seu governo por meio de instituições liberais, saiam de cena permanentemente por meio das urnas. Está claro que está ocorrendo um giro para a direita nos Estados democráticos liberais, cujas constituições enfatizam as eleições multipartidárias e, ao mesmo tempo, permitem que o espaço para o governo de um partido seja gradualmente estabelecido.


O conceito de democracia liberal foi e é um conceito altamente contestado que surgiu das potências coloniais da Europa e dos EUA nos séculos 18 e 19. Suas alegações de pluralismo e tolerância interna, o Estado de Direito e a separação dos poderes políticos surgiram ao mesmo tempo em que suas conquistas coloniais e seu uso do Estado para manter o poder de classe sobre suas próprias sociedades. É difícil conciliar o liberalismo atual com o fato de que os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) são responsáveis por 74,3% dos gastos militares mundiais.


Países com constituições que enfatizam eleições multipartidárias têm visto cada vez mais o estabelecimento gradual do que é efetivamente um governo de partido único. Essa regra de partido único pode, às vezes, ser mascarada pela existência de dois ou até mesmo três partidos, ocultando a realidade de que a diferença entre esses partidos têm se tornado cada vez mais insignificantes.



Helios Gómez (Espanha), Viva octubre [Viva outubro], 1934.


Tornou-se evidente que um novo tipo de direita surgiu não apenas por meio de eleições, mas exercendo domínio nas arenas da cultura, da sociedade, da ideologia e da economia, e que esse novo tipo de direita não está necessariamente preocupado em derrubar as normas da democracia liberal, como debatemos no nosso mais recente dossiê, O avanço do neofascismo e os desafios da esquerda na América Latina. Isso é o que chamamos de “abraço íntimo entre o liberalismo e a extrema direita”, seguindo os escritos de nosso falecido membro sênior Aijaz Ahmad.


A formulação desse “abraço íntimo” nos permite entender que não há contradição necessária entre o liberalismo e a extrema direita e, de fato, que o liberalismo não é um escudo contra a extrema direita, e certamente não é seu antídoto. Quatro elementos teóricos são fundamentais para entender esse “abraço íntimo” e a ascensão dessa extrema direita de um tipo especial:


As políticas de austeridade neoliberal em países com instituições eleitorais liberais destruíram os programas de bem-estar social que permitiam a existência de sensibilidades progressistas. O fracasso do Estado em cuidar dos pobres se transformou em severidade para com eles.

Sem um compromisso sério com o bem-estar social e com os programas redistributivos, o próprio liberalismo entrou no mundo das políticas de extrema direita. Isso inclui o aumento dos gastos com o aparato repressivo que policia os bairros da classe trabalhadora e as fronteiras internacionais, juntamente com a distribuição cada vez mais avarenta de bens sociais, distribuídos somente se os beneficiários aceitarem a destituição de direitos humanos básicos (como “concordar” com a obrigatoriedade do controle de natalidade).

Nesse terreno, a extrema direita de um tipo especial descobriu que se tornava cada vez mais aceita como uma força política, dado o giro dos partidos liberais em direção às políticas defendidas pela extrema direita. Em outras palavras, essa tendência de basear-se em políticas de extrema direita permitiu que esta ala se tornasse convencional.

Por fim, as forças políticas liberais e de extrema direita se uniram em todos os setores para diminuir o alcance da esquerda sobre as instituições. A extrema direita e seus colegas liberais não possuem divergências econômicas fundamentais em relação à classe. Nos países imperialistas, há uma grande confluência de pontos de vista sobre a manutenção da hegemonia dos EUA, a hostilidade e o desprezo pelo Sul Global e o aumento do chauvinismo, conforme observado pelo apoio militar total ao genocídio que Israel está realizando contra os palestinos.


Após a derrota do fascismo italiano, alemão e japonês em 1945, os analistas do Ocidente se preocuparam com a incubação da extrema direita em suas sociedades. Enquanto isso, a maioria dos marxistas reconhecia que a extrema direita não havia surgido do nada, mas das contradições do próprio capitalismo. O colapso do Terceiro Reich foi apenas uma fase na história da extrema direita e do desenvolvimento do capitalismo; ela ressurgiria, talvez com roupas diferentes.


Em 1964, o marxista polonês Michał Kalecki escreveu o estimulante artigo “The Fascism of Our Times” [Faszyzm naszych czasów]. Nesse ensaio, Kalecki disse que os novos tipos de grupos fascistas que estavam surgindo na época apelavam “para os elementos reacionários das grandes massas da população” e eram “subsidiados pelos grupos mais reacionários dos grandes negócios”. No entanto, escreveu Kalecki, “a classe dominante como um todo, embora não aprecie a ideia de grupos fascistas tomarem o poder, não faz nenhum esforço para suprimi-los e se limita a reprimendas por excesso de zelo”. Essa atitude persiste até hoje: a classe dominante como um todo não teme a ascensão desses grupos fascistas, mas apenas seu comportamento “excessivo”, enquanto as seções mais reacionárias das grandes empresas apoiam financeiramente esses grupos.




Mario Schifano (Itália), No [Não], 1960.


Uma década e meia depois, quando Ronald Reagan parecia estar prestes a se tornar o presidente dos Estados Unidos, Bertram Gross publicou Friendly Fascism: The New Face of Power in America (1980) [A nova face do poder na América], que se baseou livremente em The Power Elite (1956) [A elite do poder] de C. Wright Mills e Monopoly Capital: An Essay on the American Economic and Social Order (1966), [Capital monopolista: um ensaio sobre a ordem econômica e social americana] de Paul A. Baran e Paul M. Sweezy. Gross argumentou que, como as grandes empresas monopolistas haviam estrangulado as instituições democráticas nos Estados Unidos, a extrema direita não precisava de botas e suásticas: essa orientação viria por meio das próprias instituições da democracia liberal. Quem precisa de tanques quando se tem os bancos para fazer o trabalho sujo?


As advertências de Kalecki e Gross nos lembram que a intimidade entre o liberalismo e a extrema direita não é um fenômeno novo, mas emerge das origens capitalistas do liberalismo: este nunca foi nada além da face amigável da brutalidade normal do capitalismo.



Os liberais estão usando a palavra “fascismo” para se distanciar da extrema direita. Esse uso do termo é mais moralista do que preciso, pois nega a intimidade entre os liberais e a extrema direita. Para isso, formulamos dez teses sobre essa extrema direita de um tipo especial, que esperamos que provoque discussões e debates. Esta é uma formulação provisória, um convite para o diálogo.


Tese um. A extrema direita de um tipo especial usa instrumentos democráticos até onde for possível. Ela acredita no processo conhecido como “longa marcha através das instituições”, por meio do qual constrói pacientemente o poder político e aparelha as instituições permanentes da democracia liberal com seus quadros, que depois levam seus pontos de vista para o pensamento dominante. As instituições educacionais também são fundamentais para a extrema direita de um tipo especial, pois determinam os programas de estudo para os alunos em seus respectivos países. Não é necessário que essa extrema direita de um tipo especial deixe de lado essas instituições democráticas, desde que elas ofereçam o caminho para o poder não apenas sobre o Estado, mas sobre a sociedade.


Tese dois. A extrema direita de um tipo especial está promovendo o desgaste do Estado e a transferência de suas funções para o setor privado. Nos Estados Unidos, por exemplo, sua propensão à austeridade está ajudando a reduzir a quantidade e a qualidade dos quadros em funções essenciais do Estado, como o Departamento de Estado dos EUA. Muitas das funções dessas instituições, agora privatizadas, são realizadas sob os auspícios de organizações não governamentais lideradas por capitalistas bilionários emergentes, como Charles Koch, George Soros, Pierre Omidyar e Bill Gates.


Tese três. A extrema direita de um tipo especial usa o aparato repressivo do Estado de modo a silenciar seus críticos e desmobilizar movimentos de oposição econômica e política. As constituições liberais oferecem ampla latitude para esse tipo de uso, do qual as forças políticas liberais se aproveitaram ao longo do tempo para reprimir qualquer resistência da classe trabalhadora, do campesinato e da esquerda.




Maryan (Polônia), Personnage [Personagem], 1963.


Tese quatro. A extrema direita de um tipo especial incita uma dose homeopática de violência na sociedade por parte dos elementos mais fascistas de sua coalizão política para criar medo, mas não medo suficiente para que as pessoas se voltem contra ela. A maioria das pessoas de classe média em todo o mundo busca conforto e se incomoda com os inconvenientes (como os causados por manifestações, etc.). Mas, ocasionalmente, um assassinato de um líder trabalhista ou uma ameaça a mão armada feita a um jornalista não é atribuída à extrema direita de um tipo especial, que muitas vezes nega apressadamente qualquer associação direta com os grupos fascistas marginais (que, no entanto, estão organicamente ligados a ela).



Tese cinco. A extrema direita, de um tipo especial, oferece uma resposta parcial à solidão que está presente no tecido da sociedade capitalista avançada. Essa solidão decorre da alienação das condições precárias de trabalho e das longas jornadas, que corroem a possibilidade de construir uma comunidade e uma vida social vibrantes. Essa extrema direita não constrói uma comunidade real, exceto quando se trata de seu relacionamento parasitário com comunidades religiosas. Em vez disso, ela desenvolve a ideia de comunidade, comunidade pela Internet ou por meio de mobilizações ou comunidade por meio de símbolos e gestos compartilhados. A imensa fome de comunidade é aparentemente resolvida pela extrema direita, enquanto a essência da solidão se transforma em raiva, e não em amor.


Tese seis. A extrema direita de um tipo especial usa sua proximidade com conglomerados privados de mídia para normalizar seu discurso, e sua proximidade com os proprietários de mídias sociais para aumentar a aceitação social de suas ideias. Esse discurso de agitação cria um frenesi, mobilizando setores da população, seja on-line ou nas ruas, para participar de manifestações em que, no entanto, continuam sendo indivíduos e não membros de um coletivo. O sentimento de solidão gerado pela alienação capitalista é atenuado por um momento, mas não superado.


Tese sete. A extrema direita de um tipo especial é uma organização tentacular, com suas raízes espalhadas por vários setores da sociedade. Ela atua onde quer que as pessoas se reúnam, seja em clubes esportivos ou organizações beneficentes. Seu objetivo é construir uma base de massa na sociedade, enraizada na identidade da maioria em um determinado lugar (seja raça, religião ou senso de nacionalidade), marginalizando e demonizando qualquer minoria. Em muitos países, essa extrema direita se apoia em estruturas e redes religiosas para incorporar cada vez mais profundamente uma visão conservadora da sociedade e da família.



Tese oito. A extrema direita de um tipo especial ataca as instituições de poder que são o próprio alicerce de sua base sociopolítica. Ela cria a ilusão de ser plebéia em vez de patrícia, quando, na verdade, está nos bolsos da oligarquia. Ela cria a ilusão de plebeia ao desenvolver uma forma altamente masculina de hipernacionalismo, cuja decadência transparece em sua feia retórica. Essa extrema direita se aproveita do poder da testosterona desse hipernacionalismo e, ao mesmo tempo, joga com sua retratada vitimização diante do poder.


Tese nove. A extrema direita de um tipo especial é uma formação internacional, organizada por meio de várias plataformas, como o The Movement de Steve Bannon (com sede em Bruxelas), o partido Vox do Fórum de Madri (com sede na Espanha) e a anti-LGBTQ+ Fundação Fellowship (com sede em Seattle, EUA). Esses grupos estão enraizados em um projeto político no mundo atlântico que reforça o papel da direita no Sul Global e lhes fornece os recursos para aprofundar as ideias de direita onde elas têm pouco solo fértil. Eles criam novos “problemas” que antes não existiam nessa proporção, como a algazarra sobre sexualidade no leste da África. Esses novos “problemas” enfraquecem os movimentos populares e reforçam o controle da direita sobre a sociedade.


Tese dez. Embora a extrema direita de um tipo especial possa se apresentar como um fenômeno global, há diferenças entre a forma como ela se manifesta nos principais países imperialistas e no Sul Global. No Norte Global, tanto os liberais quanto a extrema direita defendem vigorosamente os privilégios que obtiveram por meio da pilhagem nos últimos 500 anos – por meio de seus meios militares e outros – enquanto no Sul Global a tendência geral entre todas as forças políticas é estabelecer a soberania.



A extrema direita de um tipo especial surge em um período definido pelo hiperimperialismo para mascarar a realidade do poder hediondo e fingir que se preocupa com os indivíduos isoladamente quando, na verdade, os prejudica.


Ela conhece bem a loucura humana e se aproveita dela.


Cordialmente,


Vijay.


P.S. Salvo quando indicado de outra forma, as ilustrações desta carta semanal foram retiradas dos dossiês Novas roupas, velhos fios: a perigosa ofensiva da direita na América Latina (2021) e O que esperar da nova onda progressista da América Latina? (2023)

domingo, 4 de agosto de 2024

Rashid - "Música de Guerra" (CLIPE OFICIAL)

 https://www.youtube.com/watch?v=Qc4rs5jiYDg 

Os liberais majoritários do PT e a crise pós eleição municipal de 2024

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Lula nos tornou dependente da sua imagem. Esse era para ser o título desse artigo, mas preferi botar na conta do que de fato traz prejuízos ao partido. Não é de hoje que vários analistas, sabidos, intelectuais, gente estudada, sábios e gurus da nossa esquerda brasileira já refletiram sobre o "lulismo", Singer inclusive - como um açougueiro - destrincha essa carne nos seus dois livros, que recomendo aos companheiros/as petistas uma leitura sem preconceitos, e recomendo aos petistas (como eu) pois, os não petistas não entenderão como essa máquina partidária complexa que emerge da democratização virou o que virou, nenhuma explicação simplista ou de fora pode fazer uma reflexão que possa entender e cumprir o papel de buscar uma saída dessa crise. 

Não a crise do PT, mas a crise da esquerda brasileira. Já desfilei reflexões sobre os vários aspectos em que o campo majoritário que dirige o PT, define seus destinos e produz as ações partidárias tornou essa máquina partidária que cada vez mais sai do papel histórico de partido movimento ou partido que disputa hegemonia, para partido eleitoral. Basta ver as linhas da formação partidária recente que orienta o "trabalho de base" para conquista de eleitores e não militantes para "transformar o Brasil". 

A bipolaridade nesse caso é evidente, por um breve momento que foi do golpe contra presidenta Dilma até 2022, o PT voltou a ser PT em termos de posição política de classe. Voltou a usar temros como "imperialismo" quando convêm sobre a interferência (real e comprovada) dos EUA no golpe de 2016, voltou por este breve momento ser duro nas reformas da previdência e trabalhista de Temer-Bolsonaro, voltou a apelar para disposição militante nas lutas, voltou a se articular com os que chamava de "radicais" em nome de enfrentar o inimigo comum da classe, voltou a reconhecer o capitalismo como mal real e direto da classe trabalhadora...

E com a vitória de Lula e a posse em 2023 tudo no PT voltou a sua normalidade de 2003 a 2016, voltou a ser o partido "guardião" do governo, retirou novamente do seu vocabulário o imperialismo, capitalismo e até mesmo o protagonismo, a última cagada se deu na votação da PL do Estuprador, quando levou 48 horas para publicar no site oficial a posição do partido, do setorial de mulheres e das lutadoras, cena patética de preservar o "partido" de posições que venham a "prejudicar" o governo. 

Os liberais venceram no PT, mesmo com breque de Lula em algumas posições. Recentemente Haddad seduzido pela estupidez liberal de Tebet defendeu desvincular o aumento do salário mínimo ao aumento da aposentadoria (medida que queria Guedes e nem Bolsonaro bancou), e foi desautorizado por Lula na entrevista ao canal Uol, firme Lula disse que enquanto for presidente não penalizará os aposentados em nome do ajuste fiscal (assassino), mesmo assim, botou um contingenciamento de 15 bi no seu próprio colo. 

Mudanças estatutárias por cima também não são mais problemas, se resolvem a gosto do cliente, a mudança da lógica das prévias é outra morte da democracia interna. Joga-se a maioria do diretório dos municípios uma questão básica para o fortalecimento do partido em tempos de guerra eleitoral: as prévias garantiam o debate, a participação da base, a relação entre dirigentes e os filiados (inclusive os distantes), trazia (por um momento) uma reflexão que auxilia a mudança de algumas posições e táticas e permitia a possibilidade de unidade interna. 

Contudo, tudo mudou! Só não mudou a forma como a maioria liberal do PT atua quando se torna governo: em vez de mudar a realidade, adapte-se a realidade às vontades. Volto a dizer: a quem não tenha aprendido ou refletido sobre o golpe de 2016 no PT. Ficar constatando não representa ter refletido ou construído mudanças necessárias para enfrentar a realidade. 

E isso leva ao drama de 2024: as eleições municipais só seriam vitoriosas para o PT ou a campo de esquerda se o enfrentamento ao bolsonarismo-fascismo-capitalista financeiro se tivesse sido ousadia de projeto, de comunicação, de ação, de identidade de classe com quem interessa: trabalhadores/as. Apenas o que fez Lula ser eleito nessa camada da classe, os pobres, foi a memória e a certeza de que Bolsonaro (inimigo do Bolsa Família) não fez mais que obrigação em tempos de pandemia (2020-2021), e mesmo assim, sofremos na apuração do segundo turno horrores. E isso leva a minha primeira questão do título deste artigo e o seu primeiro paragrafo: liberais petistas e o lulismo.

* A Charge utilizada é para ilustrar até que ponto recuar para esse tipo de "normalidade" política pode nos levar. Numa ditadura não há como progredir na defesa das suas ideias, na democracia liberal o uso da "maioria" (por representação) oculta a pior das ditaduras, e no nosso tempo a ditadura do mercado!