Lula nos tornou dependente da sua imagem. Esse era para ser o título desse artigo, mas preferi botar na conta do que de fato traz prejuízos ao partido. Não é de hoje que vários analistas, sabidos, intelectuais, gente estudada, sábios e gurus da nossa esquerda brasileira já refletiram sobre o "lulismo", Singer inclusive - como um açougueiro - destrincha essa carne nos seus dois livros, que recomendo aos companheiros/as petistas uma leitura sem preconceitos, e recomendo aos petistas (como eu) pois, os não petistas não entenderão como essa máquina partidária complexa que emerge da democratização virou o que virou, nenhuma explicação simplista ou de fora pode fazer uma reflexão que possa entender e cumprir o papel de buscar uma saída dessa crise.
Não a crise do PT, mas a crise da esquerda brasileira.
Já desfilei reflexões sobre os vários aspectos em que o campo majoritário que dirige o PT, define seus destinos e produz as ações partidárias tornou essa máquina partidária que cada vez mais sai do papel histórico de partido movimento ou partido que disputa hegemonia, para partido eleitoral. Basta ver as linhas da formação partidária recente que orienta o "trabalho de base" para conquista de eleitores e não militantes para "transformar o Brasil".
A bipolaridade nesse caso é evidente, por um breve momento que foi do golpe contra presidenta Dilma até 2022, o PT voltou a ser PT em termos de posição política de classe. Voltou a usar temros como "imperialismo" quando convêm sobre a interferência (real e comprovada) dos EUA no golpe de 2016, voltou por este breve momento ser duro nas reformas da previdência e trabalhista de Temer-Bolsonaro, voltou a apelar para disposição militante nas lutas, voltou a se articular com os que chamava de "radicais" em nome de enfrentar o inimigo comum da classe, voltou a reconhecer o capitalismo como mal real e direto da classe trabalhadora...
E com a vitória de Lula e a posse em 2023 tudo no PT voltou a sua normalidade de 2003 a 2016, voltou a ser o partido "guardião" do governo, retirou novamente do seu vocabulário o imperialismo, capitalismo e até mesmo o protagonismo, a última cagada se deu na votação da PL do Estuprador, quando levou 48 horas para publicar no site oficial a posição do partido, do setorial de mulheres e das lutadoras, cena patética de preservar o "partido" de posições que venham a "prejudicar" o governo.
Os liberais venceram no PT, mesmo com breque de Lula em algumas posições. Recentemente Haddad seduzido pela estupidez liberal de Tebet defendeu desvincular o aumento do salário mínimo ao aumento da aposentadoria (medida que queria Guedes e nem Bolsonaro bancou), e foi desautorizado por Lula na entrevista ao canal Uol, firme Lula disse que enquanto for presidente não penalizará os aposentados em nome do ajuste fiscal (assassino), mesmo assim, botou um contingenciamento de 15 bi no seu próprio colo.
Mudanças estatutárias por cima também não são mais problemas, se resolvem a gosto do cliente, a mudança da lógica das prévias é outra morte da democracia interna. Joga-se a maioria do diretório dos municípios uma questão básica para o fortalecimento do partido em tempos de guerra eleitoral: as prévias garantiam o debate, a participação da base, a relação entre dirigentes e os filiados (inclusive os distantes), trazia (por um momento) uma reflexão que auxilia a mudança de algumas posições e táticas e permitia a possibilidade de unidade interna.
Contudo, tudo mudou! Só não mudou a forma como a maioria liberal do PT atua quando se torna governo: em vez de mudar a realidade, adapte-se a realidade às vontades.
Volto a dizer: a quem não tenha aprendido ou refletido sobre o golpe de 2016 no PT. Ficar constatando não representa ter refletido ou construído mudanças necessárias para enfrentar a realidade.
E isso leva ao drama de 2024: as eleições municipais só seriam vitoriosas para o PT ou a campo de esquerda se o enfrentamento ao bolsonarismo-fascismo-capitalista financeiro se tivesse sido ousadia de projeto, de comunicação, de ação, de identidade de classe com quem interessa: trabalhadores/as. Apenas o que fez Lula ser eleito nessa camada da classe, os pobres, foi a memória e a certeza de que Bolsonaro (inimigo do Bolsa Família) não fez mais que obrigação em tempos de pandemia (2020-2021), e mesmo assim, sofremos na apuração do segundo turno horrores.
E isso leva a minha primeira questão do título deste artigo e o seu primeiro paragrafo: liberais petistas e o lulismo.
* A Charge utilizada é para ilustrar até que ponto recuar para esse tipo de "normalidade" política pode nos levar. Numa ditadura não há como progredir na defesa das suas ideias, na democracia liberal o uso da "maioria" (por representação) oculta a pior das ditaduras, e no nosso tempo a ditadura do mercado!