terça-feira, 28 de julho de 2009

Homens sem rostoidentidades perdidas de uma população no cárcere

Homens sem rostoidentidades perdidas de uma população no cárcere

autor: Wagner HosokawaAssistente Social formado pela PUC-SP
(artigo publuicado na revista PUC VIVA_versão completa no site: http://www.apropucsp.org.br/revista/r30_r10.htm)

Apresentação e análise

Conhecendo o sistema carcerário apenas pelo olhar da mídia, muitas vezes não observamos os rostos ou identidades dessas pessoas que perdem nomes e naturalidades, entre outros pertences da sua individualidade. O que é apresentado nos programas de linha policial a partir da lógica “mocinho e bandido” esconde a realidade presente na diária reprodução da ideologia dominante que limita as relações sociais, na sociedade capitalista contemporânea, e torna a população carcerária em meros casos que “infringem a ordem estabelecida pela legislação penal vigente”.
A criminalização da questão social não deve ser apontada apenas como uma manifestação pura e simples do individuo, mas como resultante dos aspectos sócio-econômicos, políticos e culturais pelos quais se apresenta. A própria reorientação do capitalismo na década de 1990, que aumenta sua acumulação via reestruturação produtiva, gera mudanças no processo de desenvolvimento industrial no Brasil, deslocando inclusive suas prioridades para o mercado financeiro, com métodos de produção cada vez mais dinâmicos, rápidos e quantitativos. Esses fatores reduzem significativamente os postos de trabalho, e sao elementos do período neoliberal em nosso país.
A alienação do trabalho alcançou um elevado estágio neste período da história, quando o individuo se individualiza, se desprende das idéia de coletivo e de vida comunitária, para se jogar à lógica da luta pela sobrevivência individualista. Como diz Ianni, “talvez se possa dizer que esse desencontro entre a sociedade e a economia seja um dos segredos da prosperidade dos negócios (no capitalismo moderno) (...) em outros termos, a mesma sociedade que fabrica a prosperidade econômica fabrica as desigualdades que constituem a questão social” (Ianni, 1991). Em relação a essa analise e à criminalização do indivíduo, observemos a opinião do Sr. Alberto Silva Franco, desembargador aposentado do TJ de São Paulo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (15/08/04), sobre a proposta de revisão da lei de crimes hediondos: “quem está num nível de miséria é um perturbador do sistema econômico. O Estado mínimo não está preocupado com o social (...).”
Isso se aplica ao modelo de Estado Mínimo adotado pelos governos desde o fim da década de 1980, num projeto que combina a desaceleração do desenvolvimento produtivo e o fortalecimento do mercado de capitais como política econômica na América Latina, inclusive no Brasil. Essa opção impôs uma idéia de que a melhor distribuição de renda acontece como conseqüência natural do crescimento econômico, da estabilidade monetária e do equilíbrio financeiro.
Passada mais de uma década, esse modelo não se mostrou eficaz, e mais uma vez ocorreu o seu inverso: aumento de desempregados na última década, queda de poder aquisitivo e renda e aumento dos crimes voltados contra o patrimônio.
Esta situação engendrou, como via possível, o subemprego, a informalidade, a mendicância, a dependência de programas de transferência de renda ou, em último caso, a criminalidade.
Buscamos, a partir desta compreensão da sociedade, partir para um estudo sobre a população carcerária, trazendo para o centro desse debate as particularidades de pessoas que, de forma diferenciada, tiveram suas vidas cruzadas pela situação do cárcere, e terão de aprender a ter uma nova convivência social, e buscar novos meios de sobrevivência no “mundo” muito restrito que é o da penitenciária.
Partimos dos mesmos pressupostos que direcionam o trabalho realizado pelo Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC)[1], que coordenou, de 1999 a 2001, uma pesquisa minuciosa para conhecer a população carcerária da penitenciaria Mário de Moura Albuquerque (P1, na cidade de Franco da Rocha-SP)[2].
Nosso objetivo aqui é construir um desenho das identidades dos presos para conhecê-los, individualmente e coletivamente, nas relações sociais existentes antes do delito e no dia-a-dia do cumprimento da pena. Nossa interrogação também diz respeito ao modo de estabelecer as relações com estas informações e criar possibilidades no processo de ressocialização dos presos.
A pesquisa, apesar da importância e riqueza dos seus dados, ainda não foi totalmente analisada ou organizada de forma completa, pois alguns elementos novos são atualizados pelo tempo, pelas mudanças na legislação, pelas penas já cumpridas ou deslocamento dos presos para outras unidades penitenciárias. Também é preciso considerar uma margem de diferença em alguns dados, devido à negativa ou desconhecimento do preso a respeito da questão apresentada pelo entrevistador. Assim, algumas análises não dizem respeito ao universo total pesquisado, mas esse cuidado foi adotado, para que não se generalize aquilo que se mostrou parcialmente na visão dos entrevistados.
Mesmo assim, as informações colaboram para apresentar um perfil de uma população, não reconhecida como formada por indivíduos que têm direitos, com um cotidiano desconhecido pelo próprio sistema penitenciário e pela sociedade.
No universo total da pesquisa[3], temos informações de caráter quantitativo e também questões abertas (de caráter qualitativo), sendo 327 os presos pesquisados.