Wagner Hosokawa: PT – adaptar ou resistir?
2016
será um daqueles anos em que perguntaremos: “como isso foi acontecer?”,
precedido de “onde estava esse conservadorismo adormecido?”, e ainda
serão inúmeras as questões a serem levantadas pela militância
política, avaliações e incertezas sobre como o duro movimento da
história se movimentou de tal forma, parecendo um deslocamento de placas
debaixo do solo duro, que abriu essa tremenda vala entre o Brasil que
contribuímos e o nosso Partido.
Não são poucas análises que remetem ao tipo de ideia que permeia o
pensamento hegemônico da sociedade civil brasileira. Presa a narrativa
da guerra fria, do combate ao “comunismo”, de “ordem” pela força e a
renda como objetivo maior e individual, a nossa classe assalariada de
renda média sai do período ditatorial pujante economicamente, com um
Estado interventor dirigido por milicos caducos e cansados, não renovou
seu estoque e parecendo uma revolução dos cravos, sem o levante dos
capitães, abaixa a guarda em nome da “transição pacifica”, passando por
governos de coalisão de direita e conservadores até a primeira
experiência da coalisão de esquerda no poder Executivo central.
Quando pensei em escrever esta contribuição ao nosso 6. Congresso nacional
do Partidos dos Trabalhadores/as (PT), pensei em não ficar preso a
essas introduções históricas, mas é inevitável, pois quem não aprende
com o passado tampouco sabe como chegou no presente e muito menos vai
saber seguir para um futuro, assim aprendemos para poder lutar melhor.
Quero também aproveitar o espaço, um dos poucos que tenho visto no
PT, para dialogar com a alma petista que vai se esvaindo aos poucos a
cada ausência que as direções têm nos trazido para enfrentar essa
conjuntura. Digo isso sem problemas de consciência, disputa ou
divergência. Nem sou daqueles que acredita que a solução mágica está na
mudança de direções. Pois de nada adianta direções sem que haja unidade
política e programática, assim espera um militante partidário, e de um
partido de esquerda.
Há muito tem nos faltado exatamente isso: um partido que se propõe a
pensar a luta por uma sociedade anticapitalista, socialista e portanto,
na contracorrente da política tradicional, deveria se atentar mais aos
meios que conectam a sua base militante (e não filiada apenas), e sua
agenda política.
Estamos debatendo os rumos de um partido que nasce contra o capital.
Que se lança contra a ditadura. Que pauta o exercício da palavra
princípios na conduta de seus dirigentes. Que se guia pela construção
coletiva. Que ousou na gestão pública do Estado. Que impôs lutas e
vitorias em forte aliança com as lutas sindicais, sociais e populares.
Que foi pioneiro na inclusão de militantes e temas, antes renegados a
pecha de “minorias”. Que mudou o conceito de identidade partidária,
sendo reconhecido por ser um partido com “P” maiúsculo. A vitória de Lula, não foi de Lula, mas do partido que se ergueu na dura batalha das ideias (dizia Florestan).
E hoje? O que somos enquanto partido? E se ainda pensamos e agimos
como partido? É nessa ensurdecedora questão que petistas, militantes, se
debruçaram durante esses tenebrosos anos que desde 2013 até o golpe
de 2016, nos tiram o sono, nos perturbam e inquietam para a velha
pergunta, “o que fazer?”, sem um guia ou bussola, o certo é que no
momento em que a crise política tornava-se incontrolável do lado de cá,
cada um de nós, militantes do partido seguimos para resistência, mesmo
sem uma orientação clara do partido.
O que é um partido? Ou melhor, o que é um partido como o PT? Ou para
ficar evidente a questão, “O que é esse atual PT da qual fazemos parte?”
e se de fato estamos “fazendo parte”, pois, só podemos nos considerar
militantes do partido quando temos o espaço para nos conectar a vida
orgânica do partido.
Pode ser que muitos e muitas de nós estejamos esperando ainda uma
resposta ou uma orientação, porque esse deveria ser a função do partido,
nos dar direção. Contudo a lógica interna precisa ser revista. Há um
abismo que separa a militância política da sua direção, não porque
faltam recursos de comunicação, muito pelo contrário, mas o que de fato
causa tal desconexão é inclusive a perda da definição do que é ser
militante para o próprio PT?
As mudanças estruturais perceptíveis do partido definem a sua atual dinâmica. E que dinâmica?
Da lógica dos mandatos institucionais, que absurdamente assumem o
corpo da direção. Se você não pertence a esta cadeia de comando, você
não faz parte dos espaços dirigentes.
Da recusa de um partido de quadros ativo pela formação política,
ingresso a partir do programa, da nucleação para o convívio e os laços
na base.
E consequentemente a recusa de ser um partido de massas, que vai
penetrando na sociedade civil, entendo que a classe trabalhadora é a
mesma classe, mas dependente da reestruturação produtiva, das novas
formas de exploração, da pulverização dos locais de trabalho, da alta
rotatividade, das novas formas do custo de vida, enfim, que capitaliza
eleitoralmente e o politiza a cada avanço da sua ação política. Apenas
contabiliza o eleitorado, nada mais.
A disputa interna contaminada por essa dinâmica, dissemina uma lógica
cada vez mais desagregadora. Não há companheiros/as, há adversários,
quando não há inimigos. Onde para que um militante possa contribuir para
um debate
ou ação do partido, primeiro é feito uma triagem das suas relações e
depois da ameaça que causaria na disputa frenética por
filiados-seguidores. Ou seja, o afastamento de uns pela ignorância, pelo
medo, pela arrogância, seria inúmeros os motivos, o certo é que
acontece cada vez com maior frequência.
Não sou contra a disputa eleitoral. É o lugar (ainda) legitimado pela
visão hegemônica do Estado e da sociedade. Contudo, cada vez mais, o
instrumento da eleição banaliza-se no partido. Já faz um tempo que as
dinâmicas das indicações das candidaturas não privilegiam os
compromissos coletivos e militantes, apenas o apadrinhamento tem eleito
bancadas no PT no último período. São raras as candidaturas ideológicas
ou promovidas pelos movimentos sociais
e populares. O personalismo tem sido a estratégia, fazendo com que
dirigentes com tarefas ao olhar-se no espelho se auto denominam a si
próprios na figura de “entidades” auto suficientes.
Reaprender, reconstruir ou renovar?
Difícil pertencer a um partido político que completa quase quatro
décadas de existência e de história, e que precisa fazer essas
perguntas. Pois, estes deveriam ser pressupostos a serem seguidos,
juntos ou separados, a depender da analise critica interna, da
maturidade partidária e orientado pelo rumo da história alçar-se a
mudanças sempre que necessário.
O partido envelhece e eu que milito desde os 16 anos envelheci com
ele. Confesso que formação, espaço quando jovem e tarefas não me foram
dadas pelo partido diretamente, mas pelos coletivos dos quais pertenci e
militei, sempre com o fortalecimento do PT como guia. Mas é tão
perversa essa conjuntura, onde tratar de formação ou renovar o partido
são assuntos que não comovem, não instigam ou exigem a devida atenção. O
que acontece são as velhas relações estabelecidas. Depois de duas
décadas dedicadas ao partido, tornei-me um outsider.
Mudar ou avançar?
Os dois termos estão na moda, pelo menos internamente. Pois está em
disputa duas grandes narrativas de para onde deve caminhar o PT. Ambos
discursos defendem que o partido precisa retomar seu protagonismo e sua
influência na sociedade brasileira. Querem a volta de um partido
vigoroso na forma de fazer política. Mas de que jeito? E se é esta a
questão central para o partido?
Avançar é o termo genial criado pela corrente majoritária. Avançar é
uma forma ligeira de dizer que o que foi conquistado não será perdido e o
que temos que fazer é continuar tocando a mesma música, com uma nova
banda, sem mexer no regente da orquestra. Avançar nem foi tão original,
mas uma forma pouco criativa para combater a força da palavra “mudança”
que realmente toca o sentimento do petismo.
Querem avançar com a velha dinâmica, contaminada pela disputa –
qualquer disputa – não abrem mão das eleições diretas, velha forma de
fabricar maiorias e sucumbir minorias, de impor pelo voto – nem sempre
politizado – o “cheque” em branco das decisões.
Institucionalizado, não reage e ainda negocia com uma república
palaciana que não teve vergonha em pisar nas instituições para varrer o
PT do controle do Poder Executivo central, para prender e acusar
arbitrariamente, para permitir agressões públicas e reformas contra a
classe trabalhadora. Há muito que se pensar se cabe a nós, PT, garantir
essa patética imagem de república, carcomida pelas elites, ou ousar em
lançar na construção de uma nova república (e desta vez para valer),
onde no centro estão os meios participativos e as reformas estruturantes
centrais aos interesses coletivos.
Parece que não aconteceu nessa proposta de avançar, quando na verdade recuamos!
Derrotado politicamente pelo impeachment
e eleitoralmente nas últimas eleições, o sentimento de impotência tomou
conta de amplos setores, que aguardam ou observam os movimentos e os
debates internos.
Mudar o PT, capitaneado pelas forças que reivindicam a “esquerda” do
partido também geram preguiça extensiva quando cada força que a compõe
pouco esforço faz para uma real unidade. Fotos ou declarações na
imprensa contrastam às deliberações internas de cada uma, o centro do
debate “interno internalizante” do “Muda PT” ainda é “qual divisão
contempla mais a unidade de cada um?”, ou seja, difícil formar um time
quando todo mundo quer ser artilheiro.
Não quero com isso ser crítico da iniciativa. Apenas quero expor
posição de um lugar que pertenço apesar de não estar orgânico em nenhuma
destas forças atualmente.
O questionamento central ao “eleitoralismo interno” é coerente. A
defesa de que é preciso reunir os militantes orgânicos, dispostos ao
debate e a ação, com doação militante as tarefas do partido via retorno
dos congressos como método de construir um programa e assim eleger uma
direção política é o ideal dos mundos num momento em que parecemos ser
um partido grande em número de filiados, quando deveríamos ser grandes
em militantes com espirito de sacrifício para lutar por um programa
político para o país.
Porém, reafirmo que o centro do debate ainda não é este. Este
pertence ao mundo reduzido dos dirigentes, e que faz pouco eco (ou
nenhum) na militância orgânica do PT, sem força política, porém
ideológica, presente em alguns espaços da sociedade civil.
Às vezes, nestes tempos sombrios, sinto que a minha alma petista se
afasta de mim, aos poucos. E antes que digam que isso é tristeza,
depressão política, vergonha, ou coisa que o valha, respeito é um dos
poucos valores que estão se esvaindo internamente. Se você não veste a
camisa de algum time interno, você um excluído.
O certo é que fora do PT, o petismo pulsa do seu jeito, parte como
aprendeu a lutar, parte com as próprias convicções a lutar. O que se
espera é que o congresso retome o caráter do partido.
Se é para sermos um partido político ideológico. Que se isso seja
assumido em todas as instâncias e tarefas. Um partido ideológico para
além dos seus escritórios, produz posição, opinião e pensamento, isso a
Fundação Perseu Abramo faz muito bem, mas ainda de forma restrita.
Se é para ser um partido anticapitalista, assumamos nossos equívocos e
contradições, é hora de rever posições e deixar o “realismo da
governabilidade’ e a “institucionalidade” para trás. O que se avizinha é
o aprofundamento da exploração capitalista que faz regredir as
conquistas sociais e trabalhistas no mundo todo e no Brasil também,
parte disso partiu da nossa governabilidade e sustentabilidade do atual
sistema econômico-financeiro, temos que mudar isso.
Se é para ser um partido da contraordem, temos que rever a ideia de
república, e isso remete a aprofundar o foi a república brasileira e as
relações hegemônicas que ainda aliam parte da sociedade civil aos
interesses da minoria econômico-financeira, enfrentar esse desafio
retomando a democracia participativa na lógica dos governos e do aprofundamento dos valores democráticos da classe trabalhadora.
Se é para sermos um partido socialista, nossa opção não pode ser um
fardo para alguns. Se os ideais de uma sociedade sem exploradores e
explorados não está mais no horizonte de alguns, é nossa tarefa
convence-los.
Se não convencermos, tentar derrota-los, se não derrota-los, ai sim, o
PT não sendo mais um partido dos trabalhadores, deixando de lado a luta
de classes e se tornando uma caricatura do trabalhismo, bom, ai nesse
instante, seria uma boa hora de dizer, adeus!
Não tenho isso no meu horizonte, apenas quero o meu partido de volta.
De volta as lutas. De volta as bases. De volta a disputa da
sociedade. De volta aos movimentos. De volta a produzir posições,
opiniões e influenciar ideias. De volta a assumir o lugar dirigente de
uma nova sociedade brasileira, sem retorno ao passado autoritário.
Por Wagner Hosokawa, assistente social da Prefeitura
de Guarulhos (SP) e docente do Curso de Serviço Social da UNG; mestre
em Serviço Social e Doutorando do Programa de Ciências Humanas e Sociais
da UFABC; filiado ao PT desde 1997; foi dirigente municipal e da Macro e
foi Secretário da Assistência Social e Coordenador de Juventude de
Guarulhos governada pelo PT, para a Tribuna de Debates do VI Congresso.