domingo, 2 de outubro de 2011

Brasil: mostra a sua cara! Essa é uma sociedade de classes, é capitalista, é desigual, ora bolas!


A leitura das poucas oito páginas do caderno "dinheiro" do folhetim "falha de sãopaulo" expressa bem duas questões de fato na sociedade brasileira: primeiro é de que esta é uma sociedade de classes (ricos e pobres, elites e trabalhadores, etc, etc); e segundo a esquerda brasileira está viva nas lutas que tem para fazer.

Digo por uma das matérias que trata da "formação e profissionalização de jovens que são herdeiros de empresas familiares", onde são filhos e filhas da classe dominante que tem buscado segundo pesquisa de uma empresa de consultoria a seguinte afirmação: "Pesquisa da Pricewater House Coopers (PwC) aponta que 57% das empresas no Brasil devem passar para a mão da próxima geração familiar, mas 45% delas ainda não têm um plano de sucessão para altos cargos. De olho nesse mercado, inclusive, tem sido cada vez mais comum instituições econsultorias montarem cursos de formação de sucessores nas áreas agropecuária, comercial e industrial."

É revelador inclusive diversas matérias que tratam desse forte individualismo presente nas pessoas de enorme poder aquisitivo como no caso do rigor contra motoristas que dirigem alcoolizados.

Trago também, na íntegra, o artigo do professor Marcelo Neri que trata justamente e de forma clara sobre "a nova classe média", onde ele termina afirmando: Finalmente, a probabilidade de uma pessoa da classe A/B perceber problemas de violência em sua área de moradia é 8,9% maior do que a de um pobre. Consistente com a idéia de que a violência é menos associada à pobreza e mais à desigualdade.

E quero registrar que a opinião de Neri pode não ser a minha em alguns aspectos conceituais, mas as suas provocações entre parênteses são também sinais de debates necessários que vai desde a defesa das cotas raciais, das desigualdades de sexo, etc, etc.

Para quem credita aos pobres toda a carga de desgraças, violência e problemas da sociedade brasileira é melhor ler mais atentamente o artigo seguinte. Se você (hoje), vive num nível econômico bom, com uma renda razoável e esqueceu-se dos valores de humildade, humanidade e solidariedade porque você agora pode andar de carro (popular), tem crédito e alguma tranqüilidade, pense bem:

O que torna igual um grande executivo, um gerente e um trabalhador que recolhe o lixo? Eles são assalariados, em diferentes níveis, mas assalariados. A diferença deles agora nos EUA, na Europa e até mesmo no Brasil? É que numa crise econômica do capitalismo o executivo e o gerente vão disputar uma vaga já ocupada pelo trabalhador que recolhe o lixo.

Ou seja, nenhum trabalho e nenhum trabalhador deve ser desrespeitado. Por isso, aqueles que se reconhecem enquanto classe trabalhadora estão em um outro passo, no passo da luta por uma nova sociedade diferente e principalmente (ou radicalmente) humana.


Símbolos de classe

59,8 mi de brasileiros (uma França) chegaram à nova classe média. Quem são, o que fazem e o que pensam?

Obama, Dilma, Lula e FHC disseram neste ano que o Brasil se tornou um país de classe média. A FGV estima que, entre 1993 e 2011, 59,8 milhões de pessoas (uma França) foram agregados ao que denominamos nova classe média -vulgo classe C-, chegando hoje a 55% da nossa população.

É um feito considerável num país que se acostumou a ser chamado de Belíndia. Apesar do crescimento desse estrato do meio, altas desigualdades persistem, e precisam do bom combate. Redistribuição é igual a colesterol: há o tipo bom e o tipo mal. O último é deletérioao crescimento.Para avançar mais e melhor, há que diagnosticar quem são, o que fazem e o que pensam as diferentes classes de brasileiros. Os sociólogos podem relaxar.

Não estamos falando de classes sociais (operariado, burguesia, capitalistas etc.), mas de dinheiro no bolso -segundo os economistas, a parte mais sensível da anatomia humana.Heuristicamente, contrastamos perfis de belgas e de indianos, isto é, a classe A/B (10% mais ricos) e a classe E (15% de pobres). Dos pobres, 27,5% são crianças de até nove anos e 1% tem 70 anos ou mais, ante 7,1 e 7,4%, respectivamente, na classe A/B. Idade é um atributo-chave das classes (gerocracia?).Raça também: 75,2% da classe A/B é branca, enquanto 72,6% dos pobres são negros ou pardos (ditadura racial?). Há mais mulheres do que homens em todos os estratos. Na classe E, a diferença é de 0,95%, ante 7,23% na eliteeconômica (igualdade de gênero?).

O conceito de classe é familiar onde toda diferença de rendas individuais contrária às mulheresdesparece no bojo das famílias. As mulheres ativas que decidem nas famílias têm virado alvopreferencial.Por exemplo: 93% dos beneficiários do Bolsa Família são mães-para que o dinheiro chegue às pobres das crianças. O programa foi recém-expandido, com uma bolsa adicional para as gestantes, cuja parcela é 36,7% maior nas mulheres pobres do que nas da elite.Educação é um ativo de luxo: 47,46% da elite tem pelo menos o superior incompleto e 3,17% têm mestrado ou doutorado. Nos pobres, caem para 0,78% e 0%, respectivamente (meritocracia?).

Entre quem está frequentando os bancos escolares, 73,4% da elite o faz em instituições privadas, ante 3,33% dos pobres.O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) mostra que o aprendizado dos alunos em escolas privadas é 66,7% maior do que nas públicas. Essa não é uma mera fotografia da Belíndia brasileira, mas um trailer da vida que seguirá nos dois lados da fronteira.A probabilidade de alguém da classe A/B ter emprego público é 1.491% maior do que a de alguém pobre, e a de contribuir para a Previdência Social é 548% maior.

A probabilidade de um pobre receber o benefício de prestação continuada (benefício nãocontributivo, para idosos e deficientes pobres) é 489% maior do que a de um da elite. Esse gradiente de classes no Bolsa Família é de 9.022%. Na titularidade do cheque especial, o reverso é observado -diferencial de 8.350% favorável à classe A/B.A elite tem 1.116% mais facilidade de fechar o mês com sobra de salário do que o pobre. Note que os pobres tendem a ter uma avaliação subjetiva menos estrita. Como canta o poeta, "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".A probabilidade de morar em uma casa boa é 226,5% maior na classe A/B. O problema dos pobres não é só que eles não têm acesso a serviços públicos, mas que a qualidade daqueles que acessa é pior.No pior dos serviços, o saneamento, a probabilidade de alguém da classe A/B ter acesso a serviço bom é 303% maior do que a de alguém pobre.

Mesmo sem levar em conta que os pobres têm menos cobertura e/ou mais ligações clandestinas (gatos) no fornecimento de serviços públicos diversos, o gradiente do atraso de contas de água, luz ou gás é 338% maior nos pobres.Finalmente, a probabilidade de uma pessoa da classe A/B perceber problemas de violência em sua área de moradia é 8,9% maior do que a de um pobre. Consistente com a ideia de que a violência é menos associada à pobreza e mais à desigualdade.

MARCELO NERI, 48, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor daEPGE, na Fundação Getulio Vargas.