terça-feira, 12 de novembro de 2013

OS NINGUÉNS



OS NINGUÉNS

As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a

pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte

a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanha, nem nunca,

nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e

mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o

ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e

mal pagos:

Que não são, embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam superstições.

Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não tem cultura, tem folclore.

Que não tem cara, tem braços.

Que não tem nome, tem numero.

Que não aparecem na historia universal, aparecem nas paginas policiais

da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

(Eduardo Galeano)