PNE entre
passos e impasses.
2013 foi
mais um ano marcante na vida da educação nacional. O Plano Nacional
de Educação (PNE) que caminha a passos de tartaruga no congresso
nacional ganha aos poucos a sua forma. O problema é o rol de
interesses, muitos privados que rondam o PNE e agora ficam cada vez
mais claros quando se aproxima a votação final.
O Projeto
de Lei nº 8.035, de 2010, na origem, de autoria do Presidente da
República, tramita como Projeto de Lei da Câmara n. 103 de 2012 e
agora finalmente foi aprovado no senado e segue o ano de 2014 para a
Câmara dos Deputados (as). Nele estão debates, recuos e novidades
para educação no Brasil e que nós enquanto sociedade precisamos
estar atentos.
Dos
desafios colocados temos uma velha meta a “erradicação do
analfabetismo” e a “meta de aplicação de recursos públicos em
educação como proporção do produto interno bruto, que assegure
atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e
equidade”, ambas estão presentes a muitas décadas e já foram
exploradas eleitoralmente pelos governantes que passaram pelo comando
do Estado Brasileiro.
Das
diretrizes uma será fundamental que é a “promoção dos
princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à
sustentabilidade socioambiental”
Não
podemos deixar que o PNE seja uma nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação), que durante a “ditadura civil” de FHC trocou o
documento que estava sendo debatido a nos pelos congressistas e pela
sociedade até 1994 e no seu lugar colocou um novo texto assinado
dramaticamente pelo senador Darcy Ribeiro que legislou a serviço dos
interesses pela financeirização da educação nacional e seus
órgãos internacionais, Banco Mundial e FMI.
É este
período em que o neoliberalismo ditou regras duras sobre a educação,
atacando o direito universal e o acesso dos jovens ao ensino médio e
superior de qualidade. O ministro da educação do governo era
ex-funcionário destas organizações financeiras que atuavam a
partir dos interesses do capitalismo global.
1995 a
2001 foram intensas as lutas contra a reforma educacional dos
governos FHC e Covas em São Paulo, onde enfrentamos a interrupção
e fechamento dos cursos técnicos federais, ampliação brutal dos
cursos particulares, principalmente no ensino superior, fechamento de
escolas de ensino médio, inicio da cobrança nos cursos oferecidos
pelo Senai, aplicação de medidas para manter uma “média”
educacional baseada em matriculas obrigatórias apenas do ensino
fundamental (antigo FundeF), desobrigando estados e municípios com a
educação infantil, média e superior, desvalorização progressiva
das carreiras na educação com precarização das condições e
direitos dos trabalhadores da educação, em São Paulo o
encerramento do projeto Cefam (Centro de Formação e Aperfeiçoamento
do Magistério), representou um retrocesso, pois um projeto bem
avaliado estava sendo eliminado, entre outras medidas.
Passadas
duas décadas de conflitos ainda temos uma LDB sem rumo para garantir
o direito público e universal a educação, com uma coexistência
nada pacífica com entidades privadas de ensino que buscam
financeirizar ainda mais o ensino com a ampliação de “sistemas”
oferecidos por escolas privadas ou “empresas” educacionais, bem
como a entrada ilegal de capital estrangeiro via instituições
privadas que ferem a soberania e os direitos constitucionais
brasileiros. (veja o debate em
http://revistaforum.com.br/blog/2013/08/sob-o-dominio-do-capital-estrangeiro/)
É no
meio deste redemoinho é que está o PNE, portanto conhecer o
documento na íntegra e lutar para que seja realmente um norteador da
educação pública, universal e de qualidade social para a sociedade
brasileira é dever de todos e todas nós.
Dos
pontos eu destacaria primeiro a polêmica do financiamento que está
presente em vários pontos, contudo a parte referente de onde vem o
dinheiro ainda é uma grande dúvida, pois o parametro do
financiamento da União, estados e municípios dependerá do chamado
“custo-aluno/ qualidade” em cada modalidade de ensino que já
gerou grandes debates pois a criação do Fundo do petroléo como uma
especie de “poupança da educação” foi rejeitado, e o relator
entendeu que já havia o “acréscimo de recursos provenientes da
exploração do petróleo às verbas da educação já esteja
previsto no substitutivo”.
Outro
problema são aos meios a serem estabelecidos, uma vez que a campanha
Todos pela Educação propõe a meta de 10% já na sua implementação,
o MEC avalia que a progressividade de 7% para chegar aos 10% ainda é
a meta “alcançável”, vamos lembrar que durante o governo FHC a
bancada do PT votou favorável aos 10% e depois a um projeto de lei
de 7% apresentando justamente por um congressista do PSDB que foi
vetada na época.
Diz a
meta 20:
“Meta 20: ampliar progressivamente o investimento público em
educação pública, de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7%
(sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) do País no quinto
ano de vigência deste PNE e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez
por cento) do PIB ao final do decênio, observado o disposto nos §§
5º e 6º do art. 5º desta Lei e assegurados mecanismos de gestão e
critérios de repartição que visem a combater a ineficiência e as
desigualdades educacionais”
Nas suas
estratégias vale destacar:
“20.2) aprovar, no prazo de um ano da publicação deste PNE,
lei que defina a participação percentual mínima da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no incremento de
verbas destinadas à educação para o alcance da meta (...)”
O
problema que mesmo que aprovado o PNE ainda estará inconcluso, pois
haverá nova rodada de debates para saber qual percentual mínimo
deve ser incrementado, ou seja, o PNE pode ser aprovado, mas sem
pactuação clara de recursos. No centro da polêmica é a partilha
que esta estabelecida na Constituição onde municípios e estados
devem investir 25% e a União 18%, não sendo igual entre os entes e
gerando desigualdades quanto aos recursos distribuídos.
Outra
estratégia,
destinar à manutenção e desenvolvimento do ensino, em acréscimo
aos recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição
Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, e aos recursos previstos no § 7º do art. 5º
desta Lei, 25% (vinte e cinco por cento), no mínimo, das
compensações financeiras auferidas pela União, pelos Estados, pelo
Distrito Federal e pelos Municípios decorrentes da exploração
mineral e da exploração de recursos hídricos para fins de geração
de energia elétrica;
Que é a
forma criada para poder utilizar parte dos recursos do petróleo e
principalmente dos recursos oriundos do pré sal, contudo não
representando de forma progressiva um aporte maior no financiamento
da educação, pois depende do desempenho do que for efetivamente
extraído dos recursos minerais, hídricos e energéticos. Não sendo
fonte segura para educação.
Agora o
próprio Ipea (órgão de pesquisas do governo federal) emitiu
comunicado técnico (124/2011) comprovando que há meios de chegar a
meta de 10% com um amplo plano de financiamento e de alocação de
recursos possíveis, porém a contribuição foi ignorada tanto pelo
governo, como pelo congresso nacional. (veja o documento do Ipea:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=12629)
Outro
grande desafio é garantir a educação que inclua da educação
infantil de 0 até a universidade, ponto que foi retardado neste PNE
em nome de metas mais adequadas aos interesses dos organismos
internacionais que medem a qualidade pela média das notas alcançadas
em provas anuais e não pelo conjunto dos índices que cruzam o
desenvolvimento socioeconômico, acesso igual e equânime e elevação
de escolaridade.
O
compromisso pela ampliação e promoção dos cursos técnicos não
pode representar uma nova ofensiva contra os jovens filhos (as) de
trabalhadores (as), que na década de 1990 viram seus direitos serem
eliminados com uma frase do ex ministro da educação, Paulo Renato
que dizia que “era ruim os jovens terminarem o ensino técnico e já
ingressarem na universidade”, ou seja, colocava em questão a
qualidade dos Institutos Federais (antigos Cefet`s) que possuem uma
formação escolar em níveis invejáveis e que permitiam (e
permitem) o ingresso nas universidades do país. A lógica neoliberal
não admitia que houvessem operários, “peões e peoas”, filhos
(as) de trabalhadores (as) apenas “satisfeitos” com o ensino
técnico e sub empregos para o mercado de trabalho.
No PNE a
meta que trata do ensino tecnico compreende:
15.10) fomentar a oferta, nas redes estaduais e na rede federal,
de cursos técnicos de nível médio e tecnológicos de nível
superior, destinados à formação inicial, nas diversas áreas
de atuação, dos profissionais a que se refere o inciso III do art.
61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;
Ou seja,
destinado a formação inicial, não impede que se alcem outros
níveis de ensino superior e claro o reconhecimento necessário dos
saberes e conhecimento enquanto sujeito de direitos dentro de uma
lógica educacional que permite elevar o quanto for necessário,
preciso e da vontade da pessoa, sem que seja um mero “apertador de
botões”. Contudo é preciso ter nesta estratégia a clareza de que
será garantida e ofertada todas as possibilidades de acesso ao
ensino superior.
Na luta
pelos direitos das mulheres e principalmente pela mudança de
paradigmas familiares em nosso país a meta que trata da:
1.16) estimular o acesso à educação infantil em tempo integral,
para todas as crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos, conforme
estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil.
Poderá,
em parte, representar uma mudança na questão do direito das
mulheres e das crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos se garantido o
direito principalmente às mães trabalhadoras dentro do contexto de
uma sociedade onde a exploração do direito ao trabalho sobre as
mulheres possui níveis altissímos de desigualdades, alimentados
por valores morais ultrapassados e dominantes na sociedade.
E por fim
uma questão que pode transformar as escolas em cadeias de jovens
adolescentes, que é a meta:
“Meta 6: oferecer educação integral, com ampliação de
espaços e conteúdos de aprendizagem, em, no mínimo, 50% (cinquenta
por cento) das escolas públicas, até o final do quinto ano de
vigência do plano, e a todos os alunos da educação básica até o
décimo ano de vigência do plano.”
Vai na contramão do direito a cidade e dos pressupostos do Estatuto
da Juventude que permite a participação, o protagonismo e os
direitos fundamentais de decidir desta juventude. A integralidade da
educação não se dá no espaço fisico, apenas, mas na ocupação
do espaço geográfico a quem pertence o sujeito, no caso as cidades.
Parece que nossos legisladores (as) não aprenderam nada com as
manifestações de junho de 2013 quando os jovens diziam que “não
era pelos 0,20 centavos, mas por direitos”, ou seja, transporte
está no centro de um Plano de Políticas Públicas de juventude que
compreende o direito de circular, apreender sobre os lugares, enfim,
educar é permitir que se possa cruzar a cidade, as fronteiras e
conhecer o seu espaço – cidade.
O horror desta meta são suas estratégias que buscam justificar o
injustificavél sobre o “ensino integral”, ou “cadeia juvenil
pré estabelecidada”, pois uma delas aprovada entre as emendas dos
senadores diz,
“A Emenda nº 86 cuida da implantação de escolas de tempo
integral para a população de 4 a 18 anos. O propósito já está
atendido, de modo mais amplo, pela redação dada ao caput da meta 6
no substitutivo, razão pela qual podemos considerá-la parcialmente
acata.”
Isso sem
falar nas inúmeras bobagens dos itens da estratégia que tratam de
prédio, curriculo, horas a mais a serem pagas aos professores,
atividades esportivas e culturais, enfim, coisas que pertencem ao
bairro, a cidade, ao estado, ao país, garantir PASSE LIVRE nos
transportes seria um bom investimento na EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL
que considera o jovem-aluno sujeito em construção que busca na
ocupação do espaço-cidade, do pertencimento dos lugares, do
território toda garantia de uma formação humana, diversa e ampla.
Do mais,
o PNE é um desafio de duas décadas para aqueles que contribuíram
lá atrás e para os que continuam nesta luta pela educação. Não
qualquer educação, como vimos, ela está em disputa.
Qual é o
projeto que você defende? Ou você prefere repetir como um papagaio,
tudo que a mídia diz. “Não é pelas criancinhas, o PNE é pela
construção soberana de nação”, uma educação negra, popular,
trabalhadora, periferica, participativa, pública, de qualidade e
controle da sociedade, não financista e nem mercadológica, ou seja,
para todos e todas.
2014, a
luta continua!
Fontes de
consulta:
O Financiamento da Educação no Brasil
MANIFESTO
Não à desnacionalização da Educação Superior Brasileira
Não à desnacionalização da Educação Superior Brasileira
A
REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1968 E A ABERTURA
PARA
O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO BRASIL
de CARLOS BENEDITO MARTINS
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INSTITUCIONAIS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO:
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NO TRABALHO DOCENTE
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