sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

PNE entre passos e impasses.





PNE entre passos e impasses.

2013 foi mais um ano marcante na vida da educação nacional. O Plano Nacional de Educação (PNE) que caminha a passos de tartaruga no congresso nacional ganha aos poucos a sua forma. O problema é o rol de interesses, muitos privados que rondam o PNE e agora ficam cada vez mais claros quando se aproxima a votação final.

O Projeto de Lei nº 8.035, de 2010, na origem, de autoria do Presidente da República, tramita como Projeto de Lei da Câmara n. 103 de 2012 e agora finalmente foi aprovado no senado e segue o ano de 2014 para a Câmara dos Deputados (as). Nele estão debates, recuos e novidades para educação no Brasil e que nós enquanto sociedade precisamos estar atentos.

Dos desafios colocados temos uma velha meta a “erradicação do analfabetismo” e a “meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade”, ambas estão presentes a muitas décadas e já foram exploradas eleitoralmente pelos governantes que passaram pelo comando do Estado Brasileiro.

Das diretrizes uma será fundamental que é a “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental”

Não podemos deixar que o PNE seja uma nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que durante a “ditadura civil” de FHC trocou o documento que estava sendo debatido a nos pelos congressistas e pela sociedade até 1994 e no seu lugar colocou um novo texto assinado dramaticamente pelo senador Darcy Ribeiro que legislou a serviço dos interesses pela financeirização da educação nacional e seus órgãos internacionais, Banco Mundial e FMI.

É este período em que o neoliberalismo ditou regras duras sobre a educação, atacando o direito universal e o acesso dos jovens ao ensino médio e superior de qualidade. O ministro da educação do governo era ex-funcionário destas organizações financeiras que atuavam a partir dos interesses do capitalismo global.

1995 a 2001 foram intensas as lutas contra a reforma educacional dos governos FHC e Covas em São Paulo, onde enfrentamos a interrupção e fechamento dos cursos técnicos federais, ampliação brutal dos cursos particulares, principalmente no ensino superior, fechamento de escolas de ensino médio, inicio da cobrança nos cursos oferecidos pelo Senai, aplicação de medidas para manter uma “média” educacional baseada em matriculas obrigatórias apenas do ensino fundamental (antigo FundeF), desobrigando estados e municípios com a educação infantil, média e superior, desvalorização progressiva das carreiras na educação com precarização das condições e direitos dos trabalhadores da educação, em São Paulo o encerramento do projeto Cefam (Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), representou um retrocesso, pois um projeto bem avaliado estava sendo eliminado, entre outras medidas.

Passadas duas décadas de conflitos ainda temos uma LDB sem rumo para garantir o direito público e universal a educação, com uma coexistência nada pacífica com entidades privadas de ensino que buscam financeirizar ainda mais o ensino com a ampliação de “sistemas” oferecidos por escolas privadas ou “empresas” educacionais, bem como a entrada ilegal de capital estrangeiro via instituições privadas que ferem a soberania e os direitos constitucionais brasileiros. (veja o debate em http://revistaforum.com.br/blog/2013/08/sob-o-dominio-do-capital-estrangeiro/)

É no meio deste redemoinho é que está o PNE, portanto conhecer o documento na íntegra e lutar para que seja realmente um norteador da educação pública, universal e de qualidade social para a sociedade brasileira é dever de todos e todas nós.

Dos pontos eu destacaria primeiro a polêmica do financiamento que está presente em vários pontos, contudo a parte referente de onde vem o dinheiro ainda é uma grande dúvida, pois o parametro do financiamento da União, estados e municípios dependerá do chamado “custo-aluno/ qualidade” em cada modalidade de ensino que já gerou grandes debates pois a criação do Fundo do petroléo como uma especie de “poupança da educação” foi rejeitado, e o relator entendeu que já havia o “acréscimo de recursos provenientes da exploração do petróleo às verbas da educação já esteja previsto no substitutivo”.

Outro problema são aos meios a serem estabelecidos, uma vez que a campanha Todos pela Educação propõe a meta de 10% já na sua implementação, o MEC avalia que a progressividade de 7% para chegar aos 10% ainda é a meta “alcançável”, vamos lembrar que durante o governo FHC a bancada do PT votou favorável aos 10% e depois a um projeto de lei de 7% apresentando justamente por um congressista do PSDB que foi vetada na época.

Diz a meta 20:

Meta 20: ampliar progressivamente o investimento público em educação pública, de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) do País no quinto ano de vigência deste PNE e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio, observado o disposto nos §§ 5º e 6º do art. 5º desta Lei e assegurados mecanismos de gestão e critérios de repartição que visem a combater a ineficiência e as desigualdades educacionais”

Nas suas estratégias vale destacar:

20.2) aprovar, no prazo de um ano da publicação deste PNE, lei que defina a participação percentual mínima da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no incremento de verbas destinadas à educação para o alcance da meta (...)”

O problema que mesmo que aprovado o PNE ainda estará inconcluso, pois haverá nova rodada de debates para saber qual percentual mínimo deve ser incrementado, ou seja, o PNE pode ser aprovado, mas sem pactuação clara de recursos. No centro da polêmica é a partilha que esta estabelecida na Constituição onde municípios e estados devem investir 25% e a União 18%, não sendo igual entre os entes e gerando desigualdades quanto aos recursos distribuídos.

Outra estratégia,

destinar à manutenção e desenvolvimento do ensino, em acréscimo aos recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e aos recursos previstos no § 7º do art. 5º
desta Lei, 25% (vinte e cinco por cento), no mínimo, das compensações financeiras auferidas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios decorrentes da exploração mineral e da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica;

Que é a forma criada para poder utilizar parte dos recursos do petróleo e principalmente dos recursos oriundos do pré sal, contudo não representando de forma progressiva um aporte maior no financiamento da educação, pois depende do desempenho do que for efetivamente extraído dos recursos minerais, hídricos e energéticos. Não sendo fonte segura para educação.

Agora o próprio Ipea (órgão de pesquisas do governo federal) emitiu comunicado técnico (124/2011) comprovando que há meios de chegar a meta de 10% com um amplo plano de financiamento e de alocação de recursos possíveis, porém a contribuição foi ignorada tanto pelo governo, como pelo congresso nacional. (veja o documento do Ipea: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=12629)

Outro grande desafio é garantir a educação que inclua da educação infantil de 0 até a universidade, ponto que foi retardado neste PNE em nome de metas mais adequadas aos interesses dos organismos internacionais que medem a qualidade pela média das notas alcançadas em provas anuais e não pelo conjunto dos índices que cruzam o desenvolvimento socioeconômico, acesso igual e equânime e elevação de escolaridade.

O compromisso pela ampliação e promoção dos cursos técnicos não pode representar uma nova ofensiva contra os jovens filhos (as) de trabalhadores (as), que na década de 1990 viram seus direitos serem eliminados com uma frase do ex ministro da educação, Paulo Renato que dizia que “era ruim os jovens terminarem o ensino técnico e já ingressarem na universidade”, ou seja, colocava em questão a qualidade dos Institutos Federais (antigos Cefet`s) que possuem uma formação escolar em níveis invejáveis e que permitiam (e permitem) o ingresso nas universidades do país. A lógica neoliberal não admitia que houvessem operários, “peões e peoas”, filhos (as) de trabalhadores (as) apenas “satisfeitos” com o ensino técnico e sub empregos para o mercado de trabalho.

No PNE a meta que trata do ensino tecnico compreende:

15.10) fomentar a oferta, nas redes estaduais e na rede federal, de cursos técnicos de nível médio e tecnológicos de nível superior, destinados à formação inicial, nas diversas áreas de atuação, dos profissionais a que se refere o inciso III do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

Ou seja, destinado a formação inicial, não impede que se alcem outros níveis de ensino superior e claro o reconhecimento necessário dos saberes e conhecimento enquanto sujeito de direitos dentro de uma lógica educacional que permite elevar o quanto for necessário, preciso e da vontade da pessoa, sem que seja um mero “apertador de botões”. Contudo é preciso ter nesta estratégia a clareza de que será garantida e ofertada todas as possibilidades de acesso ao ensino superior.

Na luta pelos direitos das mulheres e principalmente pela mudança de paradigmas familiares em nosso país a meta que trata da:

1.16) estimular o acesso à educação infantil em tempo integral, para todas as crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos, conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.


Poderá, em parte, representar uma mudança na questão do direito das mulheres e das crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos se garantido o direito principalmente às mães trabalhadoras dentro do contexto de uma sociedade onde a exploração do direito ao trabalho sobre as mulheres possui níveis altissímos de desigualdades, alimentados por valores morais ultrapassados e dominantes na sociedade.

E por fim uma questão que pode transformar as escolas em cadeias de jovens adolescentes, que é a meta:

Meta 6: oferecer educação integral, com ampliação de espaços e conteúdos de aprendizagem, em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, até o final do quinto ano de vigência do plano, e a todos os alunos da educação básica até o décimo ano de vigência do plano.”

Vai na contramão do direito a cidade e dos pressupostos do Estatuto da Juventude que permite a participação, o protagonismo e os direitos fundamentais de decidir desta juventude. A integralidade da educação não se dá no espaço fisico, apenas, mas na ocupação do espaço geográfico a quem pertence o sujeito, no caso as cidades. Parece que nossos legisladores (as) não aprenderam nada com as manifestações de junho de 2013 quando os jovens diziam que “não era pelos 0,20 centavos, mas por direitos”, ou seja, transporte está no centro de um Plano de Políticas Públicas de juventude que compreende o direito de circular, apreender sobre os lugares, enfim, educar é permitir que se possa cruzar a cidade, as fronteiras e conhecer o seu espaço – cidade.

O horror desta meta são suas estratégias que buscam justificar o injustificavél sobre o “ensino integral”, ou “cadeia juvenil pré estabelecidada”, pois uma delas aprovada entre as emendas dos senadores diz,

A Emenda nº 86 cuida da implantação de escolas de tempo integral para a população de 4 a 18 anos. O propósito já está atendido, de modo mais amplo, pela redação dada ao caput da meta 6 no substitutivo, razão pela qual podemos considerá-la parcialmente acata.”

Isso sem falar nas inúmeras bobagens dos itens da estratégia que tratam de prédio, curriculo, horas a mais a serem pagas aos professores, atividades esportivas e culturais, enfim, coisas que pertencem ao bairro, a cidade, ao estado, ao país, garantir PASSE LIVRE nos transportes seria um bom investimento na EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL que considera o jovem-aluno sujeito em construção que busca na ocupação do espaço-cidade, do pertencimento dos lugares, do território toda garantia de uma formação humana, diversa e ampla.

Do mais, o PNE é um desafio de duas décadas para aqueles que contribuíram lá atrás e para os que continuam nesta luta pela educação. Não qualquer educação, como vimos, ela está em disputa.

Qual é o projeto que você defende? Ou você prefere repetir como um papagaio, tudo que a mídia diz. “Não é pelas criancinhas, o PNE é pela construção soberana de nação”, uma educação negra, popular, trabalhadora, periferica, participativa, pública, de qualidade e controle da sociedade, não financista e nem mercadológica, ou seja, para todos e todas.

2014, a luta continua!



Fontes de consulta:

O Financiamento da Educação no Brasil


MANIFESTO
Não à desnacionalização da Educação Superior Brasileira

A REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 1968 E A ABERTURA
PARA O ENSINO SUPERIOR PRIVADO NO BRASIL de CARLOS BENEDITO MARTINS

Restrição de 30% de capital estrangeiro em universidades pode mudar


Estrangeiros no ensino


Deputados divergem sobre capital estrangeiro em instituições de ensino


FUSÕES INSTITUCIONAIS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO:
IMPLICAÇÕES NO TRABALHO DOCENTE

Grupos estrangeiros tentam comprar faculdades privadas