Nosso Kremlin é o
diretório nacional. Mudar os rumos, não abandonar o debate.
O PED (Processo de
Eleições Diretas) passou! Em 2013 os filiados (as) cumpriram sua
tarefa cívica para com as direções “renovando-as” e
preparando-se para as eleições constitucionais de 2014.
Aqueles discursos
inflamados (porém não inflamáveis), já se esgotaram na exposição
dos resultados e o debate sobre os rumos do PT passou para a nova
direção e seus respectivos encontros e congressos.
Mas qual deve ser o
grande debate atual para o Partido dos Trabalhadores (as)?
Primeiro, a questão do
socialismo. Socialismo este que ainda está nas resoluções internas
com o documento “socialismo petista” de 1997 e que até hoje uma
mão oculta, moral, não deixa que se altere seus pressupostos.
Porém, sua aplicabilidade no exercício das funções, tarefas ou da
atuação partidária frente a conjuntura tem sido muito (mas muito)
diferente.
Houve uma metamorfose
inclusive da palavra socialismo que foi “empregada” de diversas
formas e sendo alterada a partir dos seus elaboradores através dos
seus “sinônimos”.
Ou seja, para que
pudesses apresentar nosso grande líder, seu partido e seu programa
para sociedade e com a intenção de “não assustar” as classes
(de renda média e altas) o socialismo não seria abandonado mas
receberia nova roupagem e daí ao longo das eleições que se
seguiram (pós 1989) nosso partido tem trocado (ou modificado) a
palavra socialismo por “justiça social”, “distribuição de
renda”, “erradicação da miséria”, dentre outras.
Não que estes (e outros
sinônimos) não fizessem parte da construção do socialismo,
contudo é uma redução do nosso programa e do que realmente
queremos apresentar para sociedade brasileira como alternativa de
poder.
Mesmo a questão do poder
perdeu sua centralidade para o nosso partido. Supor que pelas vias
desta democracia poderemos subverter a ordem e torna lá mais ampla e
transparente para que a sociedade civil decida os rumos do seu
desenvolvimento através da luta por mais direitos sociais, humanos,
políticos, econômicos e culturais mostrou-se em erro.
Pode ser um erro de fase,
concordo, pois as orientações do partido pós 1989 sempre assumiram
como central a conquista do Palácio do Planalto enquanto fase
necessária para realização das nossas transformações na
estrutura da sociedade.
Isso foi conquistado até
aqui. Preços foram sendo pagos, oposições de esquerda internamente
foram perseguidas ou censuradas pela maioria (campo majoritário),
estruturas paralelas montadas para a “guerra de guerrilhas
eleitorais” foram cada vez mais ganhando força – o meio
tornando-se método – e alianças costuradas com discursos
sinceros, “caminhamos com eles até certo ponto em nosso projeto de
poder”, chegamos em 2002.
“Veni, vidi, vici”
(Vim, vi e venci) e subimos a rampa do Palácio. Distribuímos parte
da renda socialmente produzida e colhida pelo Estado (pequena e
significativa), mudamos rotas (algumas de desenvolvimento do
capitalismo nacional), fizemos aprovar leis de direitos importantes,
retomamos direitos como na educação a saltos importantes e mesmo
com tudo isso ganhamos de presente a traição esperada de setores
conservadores das nossas alianças. “Muy amigos” se ocupando de
derreter a direção do momento e eis que surge a expressão marcada
pela mídia burguesa, o “mensalão”
Grande prova de que nesta
democracia atual temos limites provocados pela infinita lista de
privilégios criadas ao longo de décadas para setores do poder não
só o Executivo e o Legislativo, mas inclusive e principalmente o
Judiciário. Nos oito anos de Lula enfrentamos a força das elites
através dos seus meios de comunicação, derrotamos em parte com uma
mão e tentamos domá-la com a outra, sem grandes resultados.
Depois (e ainda) vivemos
a margem da força de outro braço das elites que possui uma maior
clareza de suas funções de classe, o Judiciário. O julgamento do
mensalão, por rito, deveria acontecer e caso houvessem condenações
ou absolvições deveriam ser respeitadas, mas não foi só isso que
ocorreu. Manobras, interpretações, interesses e condenações
contestáveis.
Para nós, militantes da
esquerda socialista do PT, entendemos que se houve erros que
atingiram diretamente o programa ou compromissos do partido com a
sociedade quem deveria julgar seria o próprio partido entendendo que
erros partidários atingem duramente o coletivo. A justiça burguesa
jamais será justa ou imparcial, não foi constituída para isso na
ordem do sistema.
Dessa novela cabe a nós
pensarmos como queremos escrever os próximos capítulos e aí
gostaria de apontar algumas reflexões.
A fragilidade do ser
humano é algo que existe e a morte cientificamente inevitável. Quem
viveu deixa legados, histórias, estórias e trajetórias, mas os que
ainda estão vivos cabe a responsabilidade de nos preparar para os
próximos caminhos.
O pós Grande Líder pode
ser a afirmação mais o fortalecimento do nosso projeto ou um
meteoro que vai acabar com as “espécies” (não sei se como os
dinossauros, mas) e isso é algo que precisa ser pensado.
Para que não hajam
interpretações. Não proponho que discutamos o que fazer no pós
Grande Líder, proponho que nosso dever partidário é avaliar rumos,
alterar rotas, redefinir horizontes e exercícios de prática na
política que estamos conduzindo (ou sendo conduzida).
Hoje a máquina
partidária está muito azeitada para o projeto de poder que citei no
texto. Até quando viveremos de distribuição de parte da renda,
desenvolvimento do próprio capital em desequilíbrio com nossas
pautas como reforma urbana, agrária, de direitos humanos, etc., e
claro para que novo tipo de cidadão e de cidadania estamos
trabalhando.
Já que a centralidade do
socialismo mudou de rota e seus sinônimos também, pergunto
novamente “para que novo tipo de cidadão e de cidadania estamos
trabalhando em formar?”
Sinais de que há
indignação com o atual estágio de sociedade está no ar, ou
melhor, nas ruas. Julho não pode ser desprezada e muito menos os
“rolês”, isso tudo no ano de 2013 nos dando sinais de que uma
década de PT também ampliou a percepção do “nós podemos” (de
fato) ao modo brasileiro.
Contudo nosso partido, e
não o governo, deveria canalizar e dar respostas, bem como organizar
essa força nova e que concentra essencialmente na juventude.
Respostas sempre são os
desafios numa análise. Ainda mais frente a uma realidade totalmente
adversa quando pertencemos a uma tendência interna do partido que
pensa a totalidade da tarefa partidária e sua necessária
transformação.
Oferecer resistência é
o melhor que temos. Valorizar nossas organizações e manter viva
nossas ideias e ideais é ainda necessário. Fortalecer nossa rede de
relações sociais nos apoiando entre os militantes atuantes, os
amigos (as) que apoiam nossa causa e os que gostam de nós e confiam
no que defendemos.
Retomar o debate da
centralidade da democracia no papel de instrumento de transformação
política, propondo formas, métodos e experiências já vividas ou
ainda a criar para pavimentar um novo caminho de relações e de
poder.
O que mudará
profundamente esse modelo de Estado e seus poderes de uma república
sistêmica, de privilégios e elitista é justamente a forma das
relações humanas. O que tornará, por exemplo, o judiciário menos
centralizador, autoritário e autocrático é a nossa capacidade de
fortalecer os direitos humanos (exemplo), os mesmos direitos humanos
que impedem que seres humanos sejam escravos ou que não naturalizam
ritos de violência na sociedade ou o racismo.
E a participação
democrática por meios de decisão e intervenção coletiva
permitiriam que questões tão difíceis hoje como reuniões de
condomínios pudessem ser elevados a condição cotidiana da
sociedade, ou seja, naturalizar o exercício da participação
coletiva, do diálogo e das decisões coletivas desprovidas de
interesses individuais.
Elementos típicos do
capitalismo como a corrupção seriam minimizados e até eliminados
com menos controle e maior transparência.
Esta sociedade ideal
depende do seu início e sua continuidade enquanto busca da pessoa
humana. É parte do que chamamos de socialismo.
O Kremlin foi o palco das
grandes decisões da Rússia soviética. Por ele passaram as ideias
de Lênin, Stalin e os últimos dirigentes da antiga URSS, diferentes
visões e posições, porém todas de Estado. O partido na essência
do marxismo perdeu força e sendo lugar de referendos da decisão de
Estado.
Para que nosso partido em
pleno século XXI não seja uma caricatura daqueles dirigentes pós
Stalin, perdidos nas tarefas do Estado e utilizando do poder do
partido para se referendarem apreendamos com as lições do passado.
O futuro pertencem aos que constroem o presente mantendo o olhar para
todos os lados.
Nosso partido não
construiu uma “revolução democrática” perdida1,
ainda.
Janeiro de 2014.
1Em
alusão ao livro “Uma revolução Perdida” de Araão Filho,
editora Perseu Abramo (1997)