segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Nosso Kremlin é o diretório nacional. Mudar os rumos, não abandonar o debate.





Nosso Kremlin é o diretório nacional. Mudar os rumos, não abandonar o debate.

O PED (Processo de Eleições Diretas) passou! Em 2013 os filiados (as) cumpriram sua tarefa cívica para com as direções “renovando-as” e preparando-se para as eleições constitucionais de 2014.

Aqueles discursos inflamados (porém não inflamáveis), já se esgotaram na exposição dos resultados e o debate sobre os rumos do PT passou para a nova direção e seus respectivos encontros e congressos.

Mas qual deve ser o grande debate atual para o Partido dos Trabalhadores (as)?

Primeiro, a questão do socialismo. Socialismo este que ainda está nas resoluções internas com o documento “socialismo petista” de 1997 e que até hoje uma mão oculta, moral, não deixa que se altere seus pressupostos. Porém, sua aplicabilidade no exercício das funções, tarefas ou da atuação partidária frente a conjuntura tem sido muito (mas muito) diferente.

Houve uma metamorfose inclusive da palavra socialismo que foi “empregada” de diversas formas e sendo alterada a partir dos seus elaboradores através dos seus “sinônimos”.

Ou seja, para que pudesses apresentar nosso grande líder, seu partido e seu programa para sociedade e com a intenção de “não assustar” as classes (de renda média e altas) o socialismo não seria abandonado mas receberia nova roupagem e daí ao longo das eleições que se seguiram (pós 1989) nosso partido tem trocado (ou modificado) a palavra socialismo por “justiça social”, “distribuição de renda”, “erradicação da miséria”, dentre outras.

Não que estes (e outros sinônimos) não fizessem parte da construção do socialismo, contudo é uma redução do nosso programa e do que realmente queremos apresentar para sociedade brasileira como alternativa de poder.

Mesmo a questão do poder perdeu sua centralidade para o nosso partido. Supor que pelas vias desta democracia poderemos subverter a ordem e torna lá mais ampla e transparente para que a sociedade civil decida os rumos do seu desenvolvimento através da luta por mais direitos sociais, humanos, políticos, econômicos e culturais mostrou-se em erro.

Pode ser um erro de fase, concordo, pois as orientações do partido pós 1989 sempre assumiram como central a conquista do Palácio do Planalto enquanto fase necessária para realização das nossas transformações na estrutura da sociedade.

Isso foi conquistado até aqui. Preços foram sendo pagos, oposições de esquerda internamente foram perseguidas ou censuradas pela maioria (campo majoritário), estruturas paralelas montadas para a “guerra de guerrilhas eleitorais” foram cada vez mais ganhando força – o meio tornando-se método – e alianças costuradas com discursos sinceros, “caminhamos com eles até certo ponto em nosso projeto de poder”, chegamos em 2002.

“Veni, vidi, vici” (Vim, vi e venci) e subimos a rampa do Palácio. Distribuímos parte da renda socialmente produzida e colhida pelo Estado (pequena e significativa), mudamos rotas (algumas de desenvolvimento do capitalismo nacional), fizemos aprovar leis de direitos importantes, retomamos direitos como na educação a saltos importantes e mesmo com tudo isso ganhamos de presente a traição esperada de setores conservadores das nossas alianças. “Muy amigos” se ocupando de derreter a direção do momento e eis que surge a expressão marcada pela mídia burguesa, o “mensalão”

Grande prova de que nesta democracia atual temos limites provocados pela infinita lista de privilégios criadas ao longo de décadas para setores do poder não só o Executivo e o Legislativo, mas inclusive e principalmente o Judiciário. Nos oito anos de Lula enfrentamos a força das elites através dos seus meios de comunicação, derrotamos em parte com uma mão e tentamos domá-la com a outra, sem grandes resultados.

Depois (e ainda) vivemos a margem da força de outro braço das elites que possui uma maior clareza de suas funções de classe, o Judiciário. O julgamento do mensalão, por rito, deveria acontecer e caso houvessem condenações ou absolvições deveriam ser respeitadas, mas não foi só isso que ocorreu. Manobras, interpretações, interesses e condenações contestáveis.

Para nós, militantes da esquerda socialista do PT, entendemos que se houve erros que atingiram diretamente o programa ou compromissos do partido com a sociedade quem deveria julgar seria o próprio partido entendendo que erros partidários atingem duramente o coletivo. A justiça burguesa jamais será justa ou imparcial, não foi constituída para isso na ordem do sistema.

Dessa novela cabe a nós pensarmos como queremos escrever os próximos capítulos e aí gostaria de apontar algumas reflexões.

A fragilidade do ser humano é algo que existe e a morte cientificamente inevitável. Quem viveu deixa legados, histórias, estórias e trajetórias, mas os que ainda estão vivos cabe a responsabilidade de nos preparar para os próximos caminhos.

O pós Grande Líder pode ser a afirmação mais o fortalecimento do nosso projeto ou um meteoro que vai acabar com as “espécies” (não sei se como os dinossauros, mas) e isso é algo que precisa ser pensado.

Para que não hajam interpretações. Não proponho que discutamos o que fazer no pós Grande Líder, proponho que nosso dever partidário é avaliar rumos, alterar rotas, redefinir horizontes e exercícios de prática na política que estamos conduzindo (ou sendo conduzida).

Hoje a máquina partidária está muito azeitada para o projeto de poder que citei no texto. Até quando viveremos de distribuição de parte da renda, desenvolvimento do próprio capital em desequilíbrio com nossas pautas como reforma urbana, agrária, de direitos humanos, etc., e claro para que novo tipo de cidadão e de cidadania estamos trabalhando.

Já que a centralidade do socialismo mudou de rota e seus sinônimos também, pergunto novamente “para que novo tipo de cidadão e de cidadania estamos trabalhando em formar?”

Sinais de que há indignação com o atual estágio de sociedade está no ar, ou melhor, nas ruas. Julho não pode ser desprezada e muito menos os “rolês”, isso tudo no ano de 2013 nos dando sinais de que uma década de PT também ampliou a percepção do “nós podemos” (de fato) ao modo brasileiro.

Contudo nosso partido, e não o governo, deveria canalizar e dar respostas, bem como organizar essa força nova e que concentra essencialmente na juventude.

Respostas sempre são os desafios numa análise. Ainda mais frente a uma realidade totalmente adversa quando pertencemos a uma tendência interna do partido que pensa a totalidade da tarefa partidária e sua necessária transformação.

Oferecer resistência é o melhor que temos. Valorizar nossas organizações e manter viva nossas ideias e ideais é ainda necessário. Fortalecer nossa rede de relações sociais nos apoiando entre os militantes atuantes, os amigos (as) que apoiam nossa causa e os que gostam de nós e confiam no que defendemos.

Retomar o debate da centralidade da democracia no papel de instrumento de transformação política, propondo formas, métodos e experiências já vividas ou ainda a criar para pavimentar um novo caminho de relações e de poder.

O que mudará profundamente esse modelo de Estado e seus poderes de uma república sistêmica, de privilégios e elitista é justamente a forma das relações humanas. O que tornará, por exemplo, o judiciário menos centralizador, autoritário e autocrático é a nossa capacidade de fortalecer os direitos humanos (exemplo), os mesmos direitos humanos que impedem que seres humanos sejam escravos ou que não naturalizam ritos de violência na sociedade ou o racismo.

E a participação democrática por meios de decisão e intervenção coletiva permitiriam que questões tão difíceis hoje como reuniões de condomínios pudessem ser elevados a condição cotidiana da sociedade, ou seja, naturalizar o exercício da participação coletiva, do diálogo e das decisões coletivas desprovidas de interesses individuais.

Elementos típicos do capitalismo como a corrupção seriam minimizados e até eliminados com menos controle e maior transparência.

Esta sociedade ideal depende do seu início e sua continuidade enquanto busca da pessoa humana. É parte do que chamamos de socialismo.

O Kremlin foi o palco das grandes decisões da Rússia soviética. Por ele passaram as ideias de Lênin, Stalin e os últimos dirigentes da antiga URSS, diferentes visões e posições, porém todas de Estado. O partido na essência do marxismo perdeu força e sendo lugar de referendos da decisão de Estado.

Para que nosso partido em pleno século XXI não seja uma caricatura daqueles dirigentes pós Stalin, perdidos nas tarefas do Estado e utilizando do poder do partido para se referendarem apreendamos com as lições do passado. O futuro pertencem aos que constroem o presente mantendo o olhar para todos os lados.

Nosso partido não construiu uma “revolução democrática” perdida1, ainda.

Janeiro de 2014.

1Em alusão ao livro “Uma revolução Perdida” de Araão Filho, editora Perseu Abramo (1997)