Eleições internas do PT: farsa ou tragédia?
Os números são absolutos, ou
melhor dizendo absurdos. Neste último dia 09 de abril de 2017 o PT realizou seu
processo de eleições internas para renovar as direções ou deixar tudo como
está.
A quem já tenha dito que a
história não se repete. A busca pela sua repetição pode ser uma tentativa de
falsear o movimento da realidade. Ou se repetir for na forma de seguir em
frente pode dar em uma tragédia.
No balanço final menos festa e
muita troca de acusações. Denúncias formais nos estados questionando a validade
das listas onde a militância, distribuídas nas chapas, não tem como fiscalizar
a transparência da votação. Troca de “elogios” entre dirigentes. E num clima de
“ninguém se salva” a maior pena recai sobre a força política majoritária e vai
descendo até as forças minoritárias no troca-troca dos votos. Repito, ninguém
se salva.
A luta pelo novo é alimentada
pela velha forma de fazer as coisas. O sentimento é de que não aprendemos nada
com a crise política e o golpe. Vejamos porque:
Primeiro, a forma hibrida lulista
de “ajeitar as coisas” manteve na base as eleições diretas, ou seja, o
inevitável carregamento de filiados, e nas demais instâncias os congressos por
delegação. Na soma, só fecha para um lado. Pois se é na base do voto de massa
que se elegem os delegados e como as delegações já seriam pré-determinadas,
quer perderia novamente seriam as forças políticas minoritárias.
Segundo, o debate em si não foi
prioridade nessa primeira fase. Uma coisa lógica seria promover intensos
debates, mobilizações e articulações a fim de motivar a fase de massas para
impulsionar um congresso qualificado. Bom, a escolha foi navegar nas feridas da
desmotivação, derrota eleitoral recente e depressão política generalizada,
deixando passar o tempo até o dia da eleição.
Terceiro, mesmo a ausência de
grandes máquinas não impediu a reprodução de velhas práticas. As acusações de
interferência interna de outras forças político-partidárias só reforçam a
tentativa desesperada de “dirigir o ônibus sem passageiros”, pois, o sentimento
da militância que organiza, reúne, dialoga, atrai, mobiliza e constrói cada vez
mais se esgota, e não digo um esgotamento que seria mais uma saída do partido,
mas um laisser-faire político onde a
força política majoritária pode ganhar, porém não leva.
Quarto, os números absolutos são
extraordinários: segundo a secretaria de organização somos mais de 1,7 milhões
de filiados e ao votarem cerca de 270 mil, ainda assim é um grande exército
para nenhum Lênin botar defeito, sendo que destes, mais de 50 mil foram só de
São Paulo. Enfim, vamos olhar mais afundo isso. Não éramos 100 mil petistas na
av. Paulista denunciando o golpe e as reformas que destroem os direitos da
classe trabalhadora no dia 15 de março de 2017. Tampouco na esplanada dos
ministérios durante a votação do impeachment em 2016. E pior ainda nas jornadas
de julho de 2013.
E que “cagas d’agua” serve as
eleições internas se não for para reconhecer que o tamanho partidário tornou-se
ilusório, irreal e patético. Assumir que não foi possível coesionar um milhão e
setecentas mil pessoas para defender o projeto do partido e o seu governo
contra uma ameaça interna e externa ao país?
Uns vão dizer que é estratégico
manter a farsa numérica, “para não dar força ao inimigo”, Ok para fora quer se
dizer isso, digam, porém, internamente admitam o caráter cartorial do negócio.
Pois, quando a força política majoritária botar os seus mais de cem e tantos
mil nas ruas, é obrigação nossas, das forças minoritárias e ideológicas nos submeter.
Mas essa não é a verdade. E a
verdade é que o golpe da direita indigna a todos/as nós e frustra gerações de
esperança e lutas sociais. Agora golpe interno, inaceitável.
Inaceitável porque mostra que não
aprendemos nada.
Se não aprendemos nada, continuamos
insistindo no erro.
Nosso erro recai sobre a classe
trabalhadora brasileira.
Classe que vai abandonando a fé
na sua força.
Tragédia, mesmo que temporária,
apenas tragédia.
Há culpa maior e menor. Sim há. Muito
de nós retorna ao ponto de partida, uns nas máquinas sindicais, funções no
partido, nos parcos governos e outros na raiz da classe assalariada. Outros,
ainda com sobrevida, exerce a política da velha forma, tradicional e
conservadora, negocia o PT como legenda qualquer, assume os riscos da compra
dos votos ou dos acordos futuros.
Tem culpa maior, com nome, RG,
sigla, lideranças e tudo mais. Escondidos em institutos ou na máquina
partidária e governamental. Usam a história como lhes pertencesse e discursam
como se não houvesse outra verdade. Fingem que escutam, enquanto promovem
guerra contra seus próprios aliados e irmãos/irmãs no partido. E o que vai
acontecer se chegarem no poder de novo? Vai trair, vai ter tragédia.
Nós, na esquerda socialista,
também temos nossos erros e culpa. Menor em culpa, porém, não menor em erros.
Continuamos com nossas capas, nossas tentativas de sobreviver, nos acordos pelo
voto das forças que criticamos, como uma partilha solidária, nos contentamos a
subsidiar nossos dirigentes nas executivas partidárias para perderem votações.
Ridicularizados, em momentos como esse somos cobrados, duramente.
Seja pela indisciplina, do
esquecimento ou desconsideração das regras já pactuadas a um tempo, seja pelo
“chapéu” que é passado para ter uma partilha dos votos da força majoritária em
alianças cada vez mais locais. E nem quem tenha tido boa votação nas eleições
gerais consegue reproduzir isso em pelo menos uma reunião, mostrando que há
fraquezas do lado de cá.
Jeitinho de lá, jeitinho de cá. E
como um castelo de areia, pelo calor ou pela força das ondas, vai se
desfazendo. Aqui não trato mais como tragédia, porque o coração pulsa.
Sobre o debate público. Ninguém
pode cobrar isso no PT. A tempos tudo que reside nas áreas internas das salas
escoam pela boca da especulação política. Tentações de vários tipos percorreram
os meios de comunicação golpistas desde as páginas amarelas da Veja, a terceira
página da Folha, o caderno do Estadão, os segundos globais, os talk-shows e
tudo aquilo que ilumina na frente podendo ser a imprensa, desde que seja a
“grande” imprensa. Um pelo outro, a questão é saber o que debate interno,
restrito e estratégico e o que é perfumaria ou de interesse de debate nacional?
Penso que classe trabalhadora não
está tão interessada em saber dos problemas intestinos do PT.
Que o ex-governador Garotinho não
nos chamou de “partido da boquinha” à toa, algum petista fez jus ao nosso
merecimento do termo.
E então, como chegamos até aqui?
O PCB é muito cobrado por não ter ativado suas forças sociais contra o golpe de
1964, e o PT de 2016 não será cobrado por menos. Uns vão até dizer que não,
pela característica do partido, metamorfoseado para tornar-se a débil borboleta
no “reino dos ratos”.
Como petista, interessaria
defender o partido. Claro, no que for defensável.
A menos de alguns dias para greve
geral de 28 de abril de 2017, o programa de TV do partido prefere a ilusão
marqueteira, sem posicionar o que é preciso fazer para resistir.
Vai propagandeando a “era de
ouro” do “new deal brasileiro” até as eleições de 2018, esquecendo que aos
poucos o golpismo quer encher os bolsos de dinheiro capitalizado pelo
capitalismo financeiro, sem se preocupar com os 90% de desaprovação e vai
também armando as candidaturas anti-petistas com o discurso de que programas
como Bolsa Família, Prouni e outros não precisam do PT para fazê-lo, e isso não
está sendo percebido pelo “grande irmão”.
Antes que as pedras sejam
levantadas, para me calar, prefiro dizer: não fui votar dia 09 de abril.
E ninguém vai usar a sua boca
cheia de merda para dizer um “a” sobre a minha decisão. A dor que senti e sinto
é minha, pessoal. Militante partidário, nunca, repito nunca deixei um processo
interno de debate ou de escolha de direção. Fui dirigente municipal, da
macroregião e como força política representante estadual e nacional, nunca fugi
da luta pelo PT que acredito e nunca descumpri decisão partidária.
Porém, as tramas que vão se
entrelaçando no processo de eleições internas não foram firmes e tampouco
dispostas a dar num resultado final que pudesse ser uma mudança de postura.
E diante de dirigentes que num
passado nem tão distante não cumpriram com suas obrigações partidárias,
financeiras ou militantes, que descumpriram decisões coletivas ou falsificaram
resultados em nome do governismo, eu digo, não me sinto culpado pela minha
ausência. Foi minha forma de ver e dizer o quanto as coisas estão sem rumo.
O balanço político da primeira
fase das eleições internas do PT demostra a fragilidade de uma organização
coletiva, que tem raízes (ainda) fortes na massa popular e real da sociedade, e
que foi se tornando numa máquina de ilusões. Ilusões em nome do interesse do
partido.
Há muito ainda por vir. Apenas
torço que haja um bom combate interno, mesmo sabendo como estão as cartas, não
se pode dar como dado a história.
E da minha militância? Nem de
longe é uma proposta estratégica e tampouco coisa nova.
Voltando a base, exercendo a
profissão, dialogando e partilhando o que tenho e o que posso. Na formação, que
creio ser necessário retomar, com paciência impaciente. Nas relações sociais do
cotidiano, nas opiniões simplistas sobre a política que combato sem bater, mas
no duro trabalho do convencimento, sem ser arrogante. Nas pequenas iniciativas.
No enraizamento, que ainda existe no reconhecimento de quem sabe o que cada um
de nós fez no passado.
Hoje e daqui pra frente recuso
tudo que foi dito em nome da estratégia da vitória da classe. Não me importa o
tempo que leve, se chegar ao poder puder expressar a forma e conteúdo do que
queremos no “cara a cara” da disputa de projetos societários.
Qual projeto de nação que passa
por reformas que sejam estruturais? Não basta ficar de mimimi com relação a Globo e cia., qual é projeto de democratização
da comunicação? Abraçar a educação e retomar de onde Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro,
Paulo Freire e outros pararam, tornando-a uma prioridade de projeto político
nacional. Mudar radicalmente a lei de cooperativas, estimular o processo
produtivo coletivo, com financiamento público direto e massivo. Controlar o
sistema financeiro no seu coração. Retomar o fantasma da democratização política, se tremeram diante do decreto
de Dilma, então este seria o caminho.
Sabemos que um programa político
destes é chumbo que vem pra cima de nós. Mas até agora sofremos um linchamento
midiático e público, portanto, não há nada a perder. Se o voto é a coisa mais
desvalorizada pelas massas, o que a sobrevaloriza no meio das forças políticas
conservadoras e da elite, façamos o inverso, e como uma onda que quer emergir,
dizer ao humilde, ao simples e ao suburbano que o protesto agora é botar a
nossa gente, nosso cheiro, nossa cara lá no “banquete” deles.
Contudo, tudo isso, depende de
força social. Que o PT se abra para as forças políticas no campo contra o
golpe, para Frente Brasil Popular, a Consulta Popular, o Levante e demais para
apoiar candidaturas proporcionais com força para vencer nas bases dos golpistas
e no interior do país. Renovar a força parlamentar na base, ousar quando parece
fácil ceder, já cedemos e não deu certo, agora é ocupar.
Reunir as pessoas. Promover a
reflexão crítica dessa realidade. Deixar a religião para os religiosos e formar
militantes, sem dogmas, mas com princípios e projeto coletivo.
Hora de retomar a frase do bom
velhinho: “não temos nada a perder, a não ser as cadeias que nos prendem”.
Penso PT. Mas para uma outra e
nova história.