quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Encaminho o artigo "PÁTRIA DE SEMIANALFABETOS? de Frei Betto"


Antes da sua leitura atenta, minhas considerações.

Frei Betto tem a autoridade moral para construir essa critica e claro utilizando um recurso de pesquisa muito importante que são os dados, ou seja, não apresenta uma opinião que ofende.

O que ele traz não se soluciona com verbas ou mais prédios escolares, apenas. Mas voltando ao texto de Florestan Fernandes (Em defesa da escola pública), uma das principais bandeiras do mestre e militante Florestan foi uma educação com bases em uma filosofia laica - promotora de reflexão, de busca pelo conhecimento, de confronto de ideias e principalmente aberta no sentido da descoberta, da critica necessária e do ensino sem amarras (sem a versão única e exclusiva dos "vencedores" do sistema).

A situação da educação tem origem clara: as reformas neoliberais da década de 1990. Durante o governo FHC isso foi levado as últimas consequências com uma LDB (Lei de Diretrizes de Base) que não representava a vontade popular (vamos lembrar que triste foi o fim e a postura do professor Darcy Ribeiro que senador a época enterrou a LDB discutida com a sociedade brasileira), e depois conduzida por um político que fora funcionário do Banco Mundial o (si) nistro da educação Paulo Renato (Privatizador) de Souza.

Nós no movimento estudantil na época já denunciávamos e um cartaz que distribuímos pelas escolas já traduzia esse triste presente que temos hoje, com a imagem de Chales Chaplin (Filme "Tempos modernos") ele com macacão de trabalhador da metalurgia sobre uma roda dentada e uma frase "Não queremos apenas apertar botões"demos o recado naquela década quanto o futuro que nos aguardava.

Duas décadas se foram e o efeito disso é sentido no que Frei Betto nos traz em seu artigo.

Dessa lição é importante dizer que quando denunciamos o impacto dessas reformas queremos dizer que o que é prometido hoje como a "melhor coisa" para nossas crianças e jovens pode não ser no futuro, melhor dizendo, você pode sentir a falta de comida, de material escolar, etc., isso é sentido por ser algo material.

Mas e quando nos retiram algo imaterial? Disciplinas, conhecimentos, ou seja, se reduzirem a carga horária ficamos com menos aula correto? Sim, mas registre se que é também MENOS CONHECIMENTO.

Um estudo feito pela USP na década de 1990 alguns anos após das reformas neoliberais na educação e tocadas a cabo em São Paulo mostrou, em pesquisa, de que a retirada de disciplinas como filosofia, sociologia e psicologia do currículo escolar limitava a capacidade de alunos vindos da escola pública poderem tirar boas notas em redação no mais concorrido vestibular do país que é a fuvest.

E aí, o que fazer? A educação é como a luta política, seus resultados só são sentidos ao longo dos anos e na construção dos processos que levam os projetos a serem desenvolvidos.

Como já disse um bom militante, "revolução não é como fazer bolo, apesar de precisar do fermento, seu processo precisa ser consistente ao máximo como um bom vinho que leva anos para adquirir sabor", na pressa há muita derrota, na construção diária, constante e dedicada há muito valor que está vivo até hoje  na voz da juventude que segue levantando a bandeira dos lutadores e lutadoras.

BOA LEITURA.



PÁTRIA DE SEMIANALFABETOS?

Frei Betto

Frei Mateus Rocha, frade dominicano e guru de uma geração indignada, nos aconselhava a levar sempre um livro, ainda que sob certeza de não haver tempo de abri-lo. Abracei a recomendação e me surpreendo com as inúmeras oportunidades, ao longo do dia, de prosseguir a leitura.

No meu tempo de ensino fundamental, redação tinha o belo nome de composição. Ainda hoje, ao escrever, me sinto “compondo”, imprimo ao texto uma musicalidade que os entendidos chamam de sotaque literário.

As novas tecnologias ameaçam o prazeroso ato de ler e escrever. Fissurados nas redes sociais, muitos reduzem a linguagem aos seus signos elementares e preferem ver o turbilhão de imagens a ler a cadência narrativa.

Ler e escrever exigem educação, aprendizado, amor à palavra lida e escrita, para que ela nos ofereça seus múltiplos significados e nos revele a beleza que encerra.

A presidente Dilma, ao ser reempossada, a 1º de janeiro, cunhou o lema: “Brasil, pátria educadora”. Prometeu que a educação, afinal, será prioridade de governo (embora já tenha sofrido um corte, este ano, de R$ 7 bilhões em seu orçamento).

Tomara que o governo ponha fim às escolas sucateadas, à má remuneração dos professores, à carência de tempo integral. As escolas públicas, excetuando universidades, fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem. Qual será o futuro de uma pátria cujos cidadãos e cidadãs não sabem escrever uma simples redação escolar?

Há pouco saiu o resultado do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) 2014. Prestaram exames 5,9 milhões de jovens brasileiros. (para disputar apenas 600 mil vagas nas universidades publicas e um milhão em universidades particulares).

O estudante aprovado no ENEM tem o direito de se inscrever para ocupar uma das 205.514 vagas oferecidas, em 2015, por 59 universidades federais; 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia; e dois centros federais de educação tecnológica.

Dos quase 6 milhões inscritos, 529.374 ganharam nota zero em redação, cujo tema proposto foi “Publicidade infantil”, questão em debate na sociedade, suscitada pelo Instituto Alana.

Entregaram a prova em branco 280.903 alunos. São os analfabetos funcionais, aqueles que não cultivam o hábito de leitura e, com certeza, redigem apenas monossílabos e símbolos gráficos nas redes sociais... Eles sabem ler mas não compreender o que leem.

Um total de 217,3 mil redigiram um texto alheio ao tema. Treze mil copiaram o texto motivador; 7,8 mil escreveram menos de sete linhas; 3,3 mil embutiram na redação trechos do texto motivador de forma desconectada; e 955 escreveram ofensas aos direitos humanos. E apenas 250 mereceram a nota mais alta!

Os que mereceram nota máxima em redação revelaram a razão do êxito: o hábito de leitura de livros e redação de textos. Hábito que começa na infância, quando pais e professores contam e leem histórias, ajudando a criança a desenvolver a síntese cognitiva.


Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros livros.